Habituado a trabalhar 12 horas por dia quando está produzindo, Helião, mais conhecido por ter integrado o grupo de rap brasileiro Rapaziada da Zona Oeste (RZO), que virou febre especialmente nos anos 90 e 2000. O compositor que está retomando sua carreira solo, esbanja simpatia nesse bate-papo, às vésperas de subir ao palco do Sesc Campo Limpo, no dia 17 de abril, às 20 horas, para uma retrospectiva da sua trajetória, no show Festa Brava.
No repertório, sucessos da antiga turma e composições recentes prometem garantir o agito da galera, misturando duas facetas do homem que há cinco anos vive em São Pedro, cidade do interior paulista: aquele rap do bom e algumas pitadas de Lovesongs. Essa é a veia que ele pretende retomar fortemente em projeto a ser lançado em breve e que, de certa forma, revisita uma vertente trabalhada no álbum Guerreiro, Guerreira (2004), construído junto com a amiga Negra Li, até hoje um marco da história do rap nacional.
Então, hora de se ligar nas ideias desse mano de responsa que é um dos responsáveis pela pavimentação de um caminho sólido trilhado com muito suor e que ajudou a revelar diversos nomes de peso desse gênero musical. Boa leitura!
Você veio lá da Bahia pra São Paulo em que ano?
Cheguei aqui em 1970: fui criado em Pirituba, um dos milhares de nordestinos que vieram para cá.
Na sua casa, em que momento você começou a perceber a realidade do seu bairro e como era a rotina com sua família?
Esse lance da solidariedade, da autoajuda, do resgate, acho que já é de família mesmo. Minha mãe era bem assim, né? Meu pai também ajudava muitas pessoas. A gente também passou muita necessidade.
E o seu primeiro contato com a música?
Em 1982, tocando contrabaixo e rock, com meu tio. Por um desencontro, acabou a banda, e o sonho da música. Fui para a Favela da Mandioca e comecei a fazer samba. Passei pelo punk-rock e todas as tendências. O Rap chegou no Brasil em 1985, e ali eu vi a oportunidade. Porque, o mais difícil de fazer uma banda é o quê? Os caras para compor com você. Mas no Rap, se tiver disposição, sozinho você faz!
Olhando para a trajetória da RZO, vocês ajudaram a revelar muita gente, dar espaço para muito artista, num momento em que já tinha alguma cena, mas não tinha essa facilidade de produzir, né?
A gente tinha como base o rap norte-americano, que passou por todas as fases que estamos passando agora, e deu certo. Notamos essa característica de um ajudar o outro, dar oportunidade, e ensinar. Fiz um espaço na minha laje, coloquei um telhado, umas caixas de som, toca-discos, microfone e chamava todo mundo para lá, ensaiar. Ia observando os talentos e trabalhando em cima deles.
Tinha a base do grupo e ia sempre renovando também, né?
Sempre renovando. A gente tinha muito show e inseríamos eles.
Depois de um tempo, na sua carreira solo, o que você achava que precisava falar de diferente, que talvez não tivesse espaço na RZO?
A música romântica. Eu sempre quis [falar]. Não é aquela música romântica que diz ‘eu te gosto, eu te adoro’, mas a que fala de relacionamento. Porque relacionamento leva à depressão, que é a doença do século. A vida amorosa, tem muito a ver com isso. Sinto que posso somar, porque passei por isso também, na minha adolescência. Estou fazendo um trabalho assim e tem umas oito músicas, vou lançar a segunda música agora. Esse show de agora é o Festa Brava, mas depois quero montar outro mais moderno, abrangendo mais essa parte romântica. Tem muitos anos que queria falar sobre isso.
E como tem sido a receptividade das pessoas para essa faceta?
As pessoas se identificaram, não tive feedback negativo. No Instagram, muita gente mandou mensagem, até mulheres, porque meu público [no Instagram] era mais de homens, 81%. Agora já aumentou. Falei isso pro pessoal [que administra o perfil] que tinha que equilibrar. Até porque meu lado feminino sempre falou muito alto: fui criado pelas minhas tias, minha irmã, muito apegado à minha mãe, sempre muito atento ao direito das mulheres. A vida da mulher é difícil. Estava comentando com um amigo, e falávamos sobre a presença feminina no rap. Trabalhei com a Negra Li, Dina Di, via a dificuldade: o lance de ciúmes dos companheiros por elas estarem em cima do palco, a gravidez… Ter menos mulheres no rap tem a ver com isso também.
A primeira figura com quem você inicia um projeto solo, lá no Guerreiro, Guerreira, em 2004, foi a Negra Li. Já tem alguma semente ali misturando o cotidiano e falando de amor?
Com certeza. Musicalmente, a gente pensa mais ou menos igual. Converso com ela todo dia, até hoje. Penso em fazer um segundo disco meu e dela. Não falei ainda. Preciso dar um começo em umas coisas aqui. Minha conversa com a Negra Li é sempre gol, porque já chego com alguma coisa, uma direção que pode seguir.
Chegou um momento em que vocês, na RZO, acharam que já tinham contribuído o máximo?
Tem essa percepção, mas encerramos por outros motivos, discordâncias nossas. Cada um querer fazer uma coisa. Brigamos lá atrás. Paramos 14 anos, e agora, nesse último álbum Quem Tá No jogo [de 2017, o quinto da RZO], as diferenças ficaram maiores ainda.
Olhando para o lugar que você cresceu: acha que o cotidiano das pessoas melhorou ou manteve algumas das características?
Acho que, de certo modo, regrediu. Teve uma época que racismo não estava como hoje. No final dos anos 80, anos 90, não só o rap, mas também outros estilos, combateram isso. Alguns problemas retornaram com força total: a violência policial, a discriminação, o racismo.
Alguns artistas de rap falam desse momento dos anos 90: uma realidade mais dura, e eles traziam o retrato social do que era. Quando você deixa de falar, a coisa volta?
O rap também tem esse papel, tem que assumir esse papel, entendeu? Tem gente que não tem afinidade para falar isso [a característica de denúncia social] e eu acho que não é legal cobrar o outro. Nós somos o movimento musical mais novo do Brasil. Não estamos totalmente estabelecidos, tem muito o que crescer. Essa divisão…’há, você não fala isso’…Tem que mostrar com exemplos.
Você continua em seu trabalho com a preocupação de trazer e se aproximar das novas gerações. Como vê atualmente a questão dos espaços para que o artista independente possa aparecer?
Tem muita gente no anonimato, eles ficam perdidos. Mandam direct para mim, encaminham as músicas. Mas a gente não está naquele momento da RZO, em que saíamos, por exemplo, numa sexta-feira e fazíamos cinco shows na noite. Eu, particularmente, estou em um recomeço.
Afinal, não é uma coisa tão simples, arrumar um lugar para o artista independente tocar, né?
Para ficar mais simples, tem que inserir eles no nosso trabalho. Por exemplo, vou fechar um show no Sesc e coloco lá: Helião e convidados. Levo mais uns três meninos, para cada um fazer uma música ali.
Como os teus caminhos e a sua vida te ajudaram a te transformar no Helião que você é hoje?
Eu arrisco dizer que o que fez a gente ser grande foi justamente compartilhar. Até hoje: vejo uma entrevista do DBS, por exemplo, e a primeira coisa que ele fala é ‘poxa, tô aqui por causa do mestre Helião’. A Negra Li sempre falava que o Sabotage colocava meu nome nas músicas, o Mano Brown. Acho que muita coisa se deve a isso: quando você compartilha, você cresce. Tem gente que não compartilha por achar que vai diminuir, mas é o contrário.
Esse desprendimento e abrir mão do seu ego, é uma certeza de que o artista precisa ter muito forte dentro dele, não?
É o amor pelo rap… Lembro quando chegou o rap no Brasil, em 1985, teve o filme Break Dance (1984). Todo mundo se ligou e olhou para esse movimento Hip-Hop. Assisti no cine Comodoro, que não existe mais. Você ia no cinema e a galera Old School, tava lá: Thaíde, MC Jack, os caras do Região Abissal. Foi nessa época que todo mundo decidiu, e eu também, que é isso o que queríamos fazer. É uma referência, porque juntava a dança, com o canto, com a autoajuda e o lance social, tudo numa coisa só.
As pessoas até hoje escutam o seu trabalho de maneira geral. Olhando para o hoje, qual é a principal mensagem que você tem tentado transmitir?
É a mesma mensagem: o respeito, a união, menos multidão e mais mutirão, é o que eu prego hoje.
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