História da melancolia

18/06/2018

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Por Marcílio França Castro

Eles já sentiam falta − os primeiros escribas. Uma onda sobe por dentro,
amarga, e logo toma o peito até a garganta, como um rio seco. Isso
se dava sempre que faziam o seu trabalho, quando tinham que registrar
alguma coisa na pedra ou no papiro. Século 6 a.C. Andrón, filho de Antífones,
fazedor de dedicatórias e epitáfios, transcreve um canto de Homero.
Completa um verso, confere a linha, e logo sente um aperto, um mal-estar,
como se sua mão roubasse o som natural das palavras. A voz do bardo, a
voz que todos se acostumaram a ouvir, desaparece na ponta dos seus dedos,
aprisionada pela escrita. Na sua cabeça, reverbera um eco sem vida.
Andrón escreve − sente-se como um homicida.

Séculos depois, nos monastérios, o trabalho de Andrón continua. Já
tinham trocado o papiro pelo couro, manipulavam o códice; amavam a
tinta do lápis-lazúli. Otlo, monge da abadia de Tegernsee, não conhece a
Ilíada – copia salmos e um livro de horas, um livro que ele próprio copiou
de outro livro, importado de uma biblioteca distante. Otlo passa a tarde
concentrado, retido em sua cela, com a pena em punho. Desenha a asa de
um anjo, uma tigela de ameixas, uma cabeça de serpente. Penitencia-se,
copia mais. Otlo sonha com uma árvore da infância, quer tirar o hábito e
andar nu, quem sabe perto do mar. Doem-lhe as pernas, dói-lhe a coluna e
o pescoço − sua mão enrijecida parece conter todo o corpo. Na margem da
folha, ele deixa um comentário sobre o seu cansaço, e murmura. Murmura
palavras estranhas, que parecem vir de uma voz primitiva e distante −
palavras que não estão no pergaminho. (…)

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