Leia poemas inéditos da cordelista indígena Auritha Tabajara

31/07/2023

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Por Auritha Tabajara | Ilustrações Lucélia Borges

Leia a edição de agosto/23 da Revista E na íntegra

Ser nordestina

Fiz um poema quentinho,

Publiquei logo cedinho,

Saudosa do Ceará.

Um jeitinho diferente

De falar pra toda gente

O melhor que vem de lá.

O valor do meu Nordeste,

Água clara azul celeste,

Onde eu podia brincar.

Na aldeia, a criançada

Pode ficar na calçada,

Uma forma de educar.

Meu Nordeste tem riqueza;

Além de tanta beleza,

A poesia improvisada.

Meu Ceará tem cultura,

Tem tradição, tem bravura,

Tem dança pra garotada.

Tem toré pra festejar

Na aldeia com maracá

Pra nos trazer alegria.

Um povo muito animado

Com tabajara do lado

Tristeza lá não se cria.

Tem festa do que plantou,

Rito que se conservou,

Carne de sol com pirão.

Rapadura com farinha,

Baião de dois com galinha

E as frutas da região.

Saudade dentro do peito

É algo que não tem jeito,

Mas não priva de aprender.

Serei sempre nordestina,

Onde eu for, a vida ensina,

Só cresce mais o saber.

Nosso Deus da criação

Nos criou com inspiração,

Sem guerra sem preconceito.

O homem quer ser esperto,

Acha que em tudo está certo,

Destrói o que é mais perfeito.

Lucélia Borges
Xilogravura de Lucélia Borges

A força da espiritualidade    

Ô grande espírito sadio,

Desperte sabedoria,

Para que, com autoria,

Possa versar e aprender,

E uma luz acender

No seio da humanidade,

Com muita simplicidade,

Sem ego no coração,

Somente a inspiração,

Com espiritualidade.

O Universo tem vida,

Tem vida no Universo.

Quando com ele converso,

Sinto me fortalecida

Com a mãe agradecida,

Floresce a diversidade,

Nos traga felicidade,

Em todos os movimentos.

Sejamos conhecimentos

Com espiritualidade.

A arte que foi criada,

Chamado planeta Terra,

Com alto, baixos e serra,

Entregue nas nossas mãos,

Da criança aos anciãos,

É pra continuidade;

Desmatar e fazer cidade,

Furando e queimando a terra,

Por dinheiro vira guerra,

Sem espiritualidade.

Quem ama a mãe natureza

Não joga lixo no chão,

Vive com a gratidão,

Respeita tudo ao redor,

E da criança ao maior,

Sabe fazer caridade,

Escuta a ancestralidade,

E espalha onde estiver,

Não define homem, mulher

A espiritualidade.

Somos povos diferentes,

Diferentes rituais,

Que respeitam os ancestrais,

Pra luta fortalecer

E frutos poder nascer

Em meio à diversidade,

Ser cultura e liberdade

Da raiz até a semente

E ser visto como gente

Nossa espiritualidade.

Pai Tupã nos fortaleça

No caminho e na missão,

Nos dê sempre inspiração

Nos momentos de cantar,

Com ervas poder curar

Com amor, simplicidade,

Para que a humanidade,

Saiba contar sua história,

Herança seja a memória

Da espiritualidade.

Iracema tabajara

Sou Auritha Tabajara,

Nascida longe da praia,

Fascinada pelas rimas

E melodia da jandaia.

No Ceará foi a festa,

Meu leito  foi a floresta

Nas folhas de samambaia.

A minha essência ancestral

Me encontra cordelizando,

Faz me existir resistindo,

Ao mundo eu vou contando;

Que minha forma de amar

Ninguém vai colonizar,

Da arte sempre vou me armando.

Filha da mãe Natureza,

Mulher guerreira eu sou,

Com a força feminina

Cinco séculos galgou.

Cada vez mais sábia e forte,

Meu medo é somente a morte

Que o preconceito gerou.

Hoje essa mulher levanta

Com letra e voz autoral

Contra toda violência

Por um amor ancestral

De um corpo ensanguentado,

Usado sem ser amado,

Com espírito imortal.

E baseado na Bíblia,

O homem veio ditar,

Sua fé diz que é pecado

O mesmo gênero amar,

E com massacre e doença,

Nossa língua, nossa crença,

Vem tentando assassinar.

Essa força feminina

Traz um sagrado poder,

Nascemos com a natureza,

Com ela vamos morrer,

A nossa ancestralidade,

E a nossa diversidade,

Nos fazem sobreviver.

Minha avó é referência,

Desde o tempo de menina,

Até me tornar mulher,

Das histórias que ela ensina,

Me ensinou a falar

Que a mulher tem seu lugar

É raiz que não termina.

Eu não sou como Iracema

A de José de Alencar,

Sou do povo TABAJARA

Onde canta o sabiá

Minha aldeia tem imburana

Minha terra é soberana

Pelo toque do maracá.

Auritha Tabajara é escritora, poeta, contadora de histórias e a primeira cordelista indígena do Brasil. Sua primeira obra, Magistério indígena em verso e prosa (2007), foi adotada como leitura obrigatória pela Secretaria de Educação do Ceará. Também é autora de Toda luta e história do povo Tabajara (2008), Coração na aldeia, pés no mundo (2018), A grandeza Tabajara (2019) e A lenda de Jurerê (2020), entre outras obras.

Lucélia Borges é xilogravadora, contadora de histórias, terapeuta holística e pesquisadora da cultura popular brasileira. Mestre em estudos culturais pela USP, ilustrou vários folhetos de cordel e livros, como A Jornada Heroica de Maria (2019) e Contos Encantados do Brasil (2022), de Marco Haurélio, ambos premiados com o selo Cátedra Unesco (PUC-Rio).

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