A exposição Margens de 22: presenças populares, propõe um olhar para a produção cultural dos agrupamentos familiares que organizavam blocos carnavalescos nas primeiras décadas do século 20. Tal olhar nos proporciona uma compreensão mais elaborada das influências que essa cultura segue exercendo na atualidade – particularmente evidentes no caso da produção musical.
As narrativas encontradas em diversas músicas populares, marchinhas carnavalescas e sambas-enredo contam histórias ligadas ao cotidiano de pessoas que viviam a modernização da cidade de São Paulo, suas mazelas sociais e seu racismo, em meio a acontecimentos históricos, como a Semana de Arte Moderna de 1922.
Para apresentar ao público um pouco desta produção, disponibilizamos nove músicas. Entre elas, estão uma marchinha carnavalesca criada em 1914 pelo patriarca do samba paulistano Dionísio Barbosa, uma letra do sambista paulista Geraldo Filme, crítica à modernização da cidade em 1970 e uma letra do cantor e compositor Itamar Assumpção, que faz alusão a Mário de Andrade e sua Lira Paulistana.
Recuperar parte da história dos protagonistas dessas iniciativas socioculturais confere a seu legado reconhecimento e legitimidade. Estas músicas também estarão na exposição, que segue em cartaz no Sesc Carmo de 28 de outubro de 2022 a 24 de fevereiro de 2023.
Minha gente, saia fora
Da janela venha ver
O Grupo da Barra Funda
Está querendo aparecer
Cantamos todos com voz aguda
Trazendo vida ao grupo da Barra Funda
O meu cordão vem batendo sem rival
Deixa passar meu carnaval
O meu chocalho vem falando e vem chorando
O tamborim vem batucando
O cavaquinho vem fazendo harmonia
Com violão e a bateria
Ô, abre-alas, abre-alas, por favor
Nossa batida é temida, é do amor
Nosso pandeiro vem falando e vem chorando
O tamborim vem batucando
O cavaquinho vem fazendo harmonia
Com violão e a bateria
Saiam à janela, venham espiar
O Vai-Vai passar
Gente de valor
Turma do amor
Rei do carnaval
O Vai-Vai na rua
Faz tremer a Terra
Quem está ouvindo e não vê
Chega a pensar que é guerra
Tebas, negro escravo
Profissão alvenaria
Construiu a Velha Sé
Em troca pela carta de alforria
Trinta mil cruzados que lhe deu Padre Justino
Tornou seu sonho realidade
Daí surgiu a Velha Sé
Que hoje é o marco zero da cidade
Exalto no cantar de minha gente
A sua lenda, seu passado, seu presente
Praça que nasceu do ideal
E braço escravo, é a praça do povo
Velho relógio, encontro dos namorados
Me lembro ainda do bondinho de tostão
Engraxate batendo a lata de graxa
E o camelô fazendo pregão
O tira-teima dos sambistas do passado
Bixiga, Barra Funda e Lavapés
O jogo da Tiririca era formado
O ruim caía e o bom ficava de pé
No meu São Paulo, oilelê, era moda
Vamos na Sé que hoje tem samba de roda
Raiou…
Neste céu a luz da liberdade
Vou lutar em igualdade
Com o exterior
E a Verde e Branco como tema
Traz a arte em poema
Que esplendor
Ô, ôô ôô ôô
Literaturas
Grandes obras imortais
Ô, ôô ôô ôô
Belas pinturas
Esculturas geniais
Aquela geração
Foi de protestos
Houve o manifesto do Trianon
Graças, oh!, meninos de 22
Não deixaram pra depois
O seu grande ideal
Foram três dias, sim
No Municipal, ôô
De conferências
Exaltando a cultura nacional
Ô, Maria, ô, Mariá!
Leva meu samba
Vá cantar no Olympia
Do Verde e Branco não me separarei
Barra Funda, celeiro de bambas
É comunidade, hein
Alô, povão, agora é sério
Canta, canta, Camisa Verde
Segura
E hoje a mais querida
De braços dados com o poeta na avenida
Ilustre filho deste chão
Estrela do meu pavilhão
Eu sou Camisa, celeiro de bambas
Do berço do samba vem minha raiz
Mário de Andrade reluz em meu manto
100% verde e branco
O trevo é meu talismã
Na força da fé, é quem me guia
Resgatando as memórias do povo
Vamos embarcar na fantasia
Com personagens do poeta brasileiro
Viajo pelo mundo inteiro
Ai, que preguiça, bordão genial
Macunaíma, herói nacional
Voei no tempo onde tudo começou
Pra exaltar a fina flor
Vem ver o batuque do tambor
Vindo do interior, firmou ponto no terreiro
Desse cordão, fiz do samba o ideal
Tetracampeã do carnaval!
Ê, Barra Funda, onde a arte do menino floresceu
Entre notas musicais, poemas e saraus
O movimento modernista aconteceu
Surge um viaduto, é o progresso
Ou será um retrocesso, meu Tietê
E hoje a mais querida
De braços dados com o poeta na avenida
Ilustre filho deste chão
Estrela do meu pavilhão
São Paulo, menino grande
Cresceu, não pode mais parar
No Pátio do Colégio, quem lhe viu nascer
Um velho ipê parece chorar
Não vejo a sua mãe preta
Na rua com seu pregão
Cafezinho quentinho, sinhô,
Pipoca, pamonha e quentão
Lembrar, deixa-me lembrar
Lalaia lalaia laia
Agora que o menino cresceu
Perdeu sua simplicidade
Não quer mais o seu amor-perfeito
E um cravo vermelho, seu amigo do peito
São Paulo de Anchieta
E de João Ramalho
Onde estão teus boêmios
A sua garoa, cadê seu orvalho?
Achei uma bola de ferro
Presa nela, uma corrente
Tinha um osso de canela
Deu tristeza em minha mente
Esse osso de canela
Veio de outro continente
De jeito nenhum, não é preconceito
Negro ou branco têm direito
Nossa escola não faz distinção de cor
Pra falar sobre esse tema
Foi que surgiu o problema
E o dilema se avizinhou
Ôô, ôô, a nossa escola
Enaltece a negra gente
Que nunca ficou chorando
Sempre viveu cantando, fingindo contente
Negro paga imposto
Negro vai a guerra
Negro ajudou a construir a nossa terra
Temos a pergunta
Não nos leve a mal
Por que só no tríduo de Momo
Que o negro é genial?
Ele é capitão
Ele é general
Poderia ser tantas coisas
Dentro da vida real
Laia laia laia laia laia
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Pobre cultura, a ditadura
Pulou fora da política
E como a dita-cuja é craca, é crica
Foi grudar bem na cultura
Nova forma de censura
Pobre cultura, como pode se segura
Mesmo assim, mais um pouquinho
E seu nome será amargura
ruptura, sepultura
Também pudera, coitada, representada
Como se fosse piada
Deus meu, por cada figura
sem compostura
Onde era Ataulfo, Tropicália
Monsueto, Dona Ivone Lara
Campo em flor
Ficou tiririca pura
Porcaria na cultura tanto bate até que fura
Que droga, merda
Cultura não é uma tchurma
Cultura não é tchop tchura
Cultura não é frescura
Nem é mentira
A brasileira é uma mistura pura
Uma loucura, textura
A brasileira é impura
Mas tem jogo de cintura
Se apura, mistura, não mata, cura
Cultura sabe que existe miséria, existe fartura e partitura
Cultura quase sempre tudo atura
Sabe que a vida tem doce e é dura feito rapadura
Porcaria na cultura tanto bate até que fura
A cultura sabe que existe bravura, agricultura
Ternura, existe êxtase e agrura
noites escuras
Cultura sabe que existe paúra, botões e abotoaduras
Que existe muita tortura
Cultura sabe que existe cultura
Cultura sabe que existem milhões de outras culturas
Pra ter cultura, tem que ter jogo de cintura
A ditadura pulou fora da política
E como a dita-cuja é craca, é crica
Foi grudar bem na cultura
Nova forma de censura
Pobre cultura
Como pode se segura
Mesmo assim, mais um tiquinho
Coitada, representada
Como se fosse um nada
Deus meu, por cada feiura
Sem compostura
Onde era Pixinguinha, Elizeth, Macalé e o Zé Kéti
Ficou tiririca pura
Só dança da tanajura
Porcaria na cultura tanto bate até que fura
Socorro, Elis Regina
Baixaria na cultura tanto bate até que fura
Socorro
Porcaria na cultura tanto bate até que fura
Que pop mais pobre, que pop mais pop
Pobre pop
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