Ismael Ivo reinventa nos palcos uma negritude plena de ancestralidade, sabedoria e resistência

10/04/2021

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Danilo Santos de Miranda escreve sobre o bailarino e coreógrafo Ismael Ivo, que morreu na quinta-feira, 8, vítima da covid-19


No mundo que conhecemos, somos corpos em movimento. E cada um de nós é uma infinidade deles: histórias encarnadas em gestos, desejos buscando tato, medos gerando lapsos, lutas inventando suas danças. Há corpos de tudo isso; e há Ismael Ivo. Há – pois é justo que o conjuguemos no presente, e porque sua presença é, hoje e sempre, fato notório. 

Como é também notória a constatação: Ismael Ivo como mestre na arte de inventar e revelar corporalidades. O que salta aos olhos, logo de saída, é seu corpo-expressão, a ativar o espaço inventando poéticas e subvertendo padrões, para então transmutar-se em arte.

Subitamente sobressai o corpo-identidade: o bailarino Ivo reinventa nos palcos uma negritude plena de ancestralidade, sabedoria e resistência. E, a partir dessa perspectiva, o brasileiro do mundo elabora coreografias que bebem em fontes diversas: música, literatura, pintura, teatro, filosofia, espiritualidade…

Nesse habitar pleno, ele marcava o passo, com muito orgulho, de seu primeiro contrato profissional. Dizia ter sido com o Sesc São Paulo, nos anos 1980. Ocupou um palco, ocupou outros tantas e tantas vezes que, pode-se dizer, Ismael Ivo habita os palcos do Sesc – lugares que, miraculosamente, continuarão impregnados de sua arte.

Sujeito de sua trajetória, desdobra-se naturalmente em corpo-política, o que fica evidente quando a artista busca dar forma coreográfica às contradições e conflitos de seu tempo. Em permanente expansão, habita as esferas da gestão cultural e da formação de novas gerações, advertindo-nos que a política é dançada na cadência das escolhas cotidianas. E Ismael Ivo escolheu, também, a educação, formando jovens e espalhando pelo mundo corpos-dança diversos e singulares.

Quando todos os corpos-Ivo se entrecruzam, dá-se o fenômeno do agora: pura presença e duração. Daí o paradoxo: como lidar com a ausência daquele que nos acostumou a ser um adensamento de aqui-agora? A resposta há de ser encontrada nas marcas que ele imprimiu em nós, gesto a gesto. 

Danilo Santos de Miranda é sociólogo e diretor regional do Sesc São Paulo

Texto publicado originalmente em O Estado de São Paulo em 10 de abril de 2021

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