Ivan Lins celebra longevidade na carreira dedicada à música

29/06/2024

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Aos 79 anos, Ivan Lins celebra longevidade de uma carreira de mais de meio século dedicada à música 

POR LÍGIA SCALISE

Leia a edição de JULHO/24 da Revista E na íntegra

Filho de militar. Engenheiro químico. Carioca da Tijuca. Um típico “suburbano da gema”, como ele gosta de se autodeclarar. Ivan Lins jamais poderia imaginar que suas composições e canções conquistariam o gosto popular. Considerado um dos grandes nomes da música popular brasileira, e um dos artistas mais gravados no exterior, o pianista, compositor e cantor conta que sua carreira musical não foi, exatamente, como planejava. “O ano era 1970, eu estava com duas músicas estouradas nas rádios. ‘O amor é meu país’, premiada com o 2° lugar no 5° Festival Internacional da Canção, da Rede Globo, e ‘Madalena’, interpretada por Elis Regina (1945-1982), que era a grande cantora da vez. Mas, ainda assim, eu procurava emprego como engenheiro químico industrial, porque precisava de uma carreira estável, como insistia e aconselhava meu pai”, recorda o músico.  

Na época, o artista viajou até Minas Gerais para fazer uma entrevista de emprego com o presidente de uma fábrica de cimento. Assim que acabou a conversa, o cargo de engenheiro estava garantido. Ao receber de seu entrevistador um pedido de autógrafo, o músico teve certeza sobre qual carreira deveria seguir.  

De lá para cá, já são 54 anos de discos e realizações na música, como a conquista do Grammy Latino, em 2005, na categoria de Melhor Álbum do Ano, sendo ele o primeiro e único cantor-compositor de língua portuguesa a conquistar o prêmio. O artista acumula mais de 800 composições e participações em canções de outros artistas, dez indicações ao Grammy e mais de 90 trilhas sonoras de filmes e novelas. Suas canções foram interpretadas por nomes como Ella Fitzgerald (1917-1996), Sarah Vaughan (1924-1990), George Benson, Michel Legrand (1932-2019), Sting, Diana Krall e seu grande amigo Quincy Jones.   

Aos 79 anos, e com a certeza de que contrariar o diploma de engenheiro químico foi a decisão certa, Ivan Lins revela, neste Depoimento, um dos momentos mais emocionantes de sua trajetória: o dia em que conquistou a admiração do pai. “‘Bandeira do Divino’ é a música que marca a minha história de um jeito especial. Foi esta canção que ‘derrubou’ meu pai. Demorou, mas a partir dela, ele se tornou meu fã. O maior de todos”, diz. Além desse momento, o músico compartilha, nas próximas páginas, reflexões, críticas e outras histórias de sua frutífera carreira. 

madalena 

Minha mãe sempre soube que eu tinha uma musicalidade fora da curva. Sou autodidata e aprendi a tocar só de ouvido. Quando vi Luizinho Eça (1936-1992), do Tamba Trio, tocando piano, fiquei fascinado. Comprei o disco deles, botava na vitrola e ia tentando tirar de ouvido. Em 1965, com 20 anos, eu já estava tocando na noite, nos bares da Tijuca [bairro do Rio de Janeiro], e nos festivais universitários, com a minha banda, Alfa Trio. Mas eu ainda enxergava a música como hobby. Por insistência do meu pai, me formei em engenharia química. E sem que eu me desse conta, a música invadiu a minha vida. Um dia, recebi o telefonema de Nelson Motta dizendo que Elis Regina queria gravar uma composição minha. Demorei para acreditar. Como eu tinha algumas músicas prontas, mandei três opções. Elis escolheu “Madalena”. Liguei imediatamente para o Ronaldo (Monteiro de Souza), que compôs a letra comigo, e saímos juntos para festejar. Essa música tocou à beça. Me vi como um possível compositor para os artistas.  

país 

Achava que eu poderia ser engenheiro químico e compositor como hobby e paixão. Mas, aí, veio o 5° Festival Internacional da Canção, da TV Globo, e decidi inscrever “O amor é meu país”, música que fiz com o Ronaldo também. O apresentador, que era um locutor de futebol, chamou meu nome duas vezes errado. Ele anunciou: “Canção de Ivan Lima e Ronaldo Monteiro de Souza. Quem canta é Ivan Luiz”. Eu, que tinha pânico de palco e já estava nervoso, fiquei ainda mais apavorado. Mas, fui e me entreguei. Eu não cantei, eu gritei para mais de 25 mil pessoas, no ginásio do Maracanãzinho. Foi a primeira vez que cantei e toquei piano ao mesmo tempo, por insistência do Ronaldo. No fim, ganhei no júri popular, mas fiquei em segundo lugar no júri técnico. O que veio depois foi um sucesso que eu não havia planejado.  

A ARTE TEM ESSE PODER: VOCÊ PODE CONTAR TODA UMA HISTÓRIA SOCIAL E POLÍTICA DE UMA COMUNIDADE PELAS ENTRELINHAS. PARA MIM, A MÚSICA É A FORMA MAIS BONITA DE SE CONTAR HISTÓRIAS. 


No Sesc Rio Preto, em maio, o músico interpretou sucessos
de mais de 50 anos de carreira, acompanhado por Marco Brito (teclados), Nema Antunes (baixo) e Teo Lima (bateria).
Foto: Milena Aurea

autógrafo 

Mesmo diante daquele sucesso explosivo, eu continuava procurando emprego como engenheiro químico industrial. Meu pai dizia que a carreira de música tinha muitas fases de vacas magras e que seria mais seguro se eu tivesse um salário. Ele pensava no meu futuro, com casamento e filhos, e eu achava que ele estava certo. Fui para uma entrevista de emprego com o presidente de uma fábrica de cimento, em Barbacena (MG). O presidente fez uma projeção de como seria minha carreira. Assim que ele acabou a entrevista, apertamos as mãos, mas, antes que eu saísse, ele disse: “Ivan, espera só mais um pouquinho – enquanto tirava três folhas de papel em branco de uma gaveta. Será que você poderia dar um autógrafo para a minha mulher e minhas filhas? Elas são suas fãs!”. Ali, durante o autógrafo, eu pensei: “Papai se ferrou, acabou química. Vou ser músico”. Foi assim que decidi a minha carreira. 

paraquedas 

Achei que meu pai teria um ataque cardíaco ao saber que eu tinha desistido de ser engenheiro. Já minha mãe, que notava minha musicalidade desde criança, não se manifestou contra nem a favor. Segui meu coração, acreditei na minha arte e decidi fazer carreira com a minha música. Meu primeiro emprego foi na TV Globo, em janeiro de 1971, comandando o programa Som Livre Exportação, ao lado de Elis Regina. Fizemos muito sucesso nos primeiros dois meses, mas logo rompi meu contrato. A verdade é que eu não estava preparado para nada daquilo. Hoje eu sei que meu sucesso caiu de paraquedas. Nunca mais tive um emprego fixo, mas passei a construir minha carreira encarando os “sobes e desces” do ofício. Só que nunca parei de produzir, sou inquieto. E o que mais me orgulha é ser coerente comigo e com os meus padrões e critérios de qualidade musical. Meu compromisso é fazer beleza com a música, é levar uma mensagem para as pessoas. Sei que o conceito de belo é extremamente pessoal. É difícil explicar, mas se não for belo aos meus ouvidos, não adianta. Eu insisto até que a música fique bela para mim. Aí eu a entrego para o mundo.  

queridas 

Sou um repórter do meu tempo. Nas minhas músicas, falo sobre as coisas que me cercam e me comovem, sobre tudo o que observo e mexe comigo. A arte tem esse poder: você pode contar toda uma história social e política de uma comunidade pelas entrelinhas. Para mim, a música é a forma mais bonita de se contar histórias. Mas, para além desse serviço, percebo que a música também me faz companhia. Tenho muito medo da solidão, mas, sempre que canto e tenho o público cantando comigo, me sinto amado e pertencente. É uma sensação indescritível. Se o público canta comigo, tenho a certeza de que minhas músicas atingiram um objetivo. Sempre sou questionado se me canso de cantar as mesmas músicas, repetidas vezes, há tantos anos. Minha resposta é: não. As músicas mais queridas do público são as minhas também. 

exterior 

Quando eu canto no exterior, canto o meu país. Sou um representante da música popular brasileira e quero mostrar o que temos de melhor. Me julgo parte do contingente de músicos que levam um produto de primeiro mundo e mostram um Brasil maravilhoso.  Acho que o Brasil produz música diversificada e de extrema qualidade. E não tem nada igual no mundo. Quando me perguntam se eu fico chateado por fazer mais sucesso no exterior do que aqui, respondo na lata: “De jeito algum. Me sinto honrado por representar meu país”. 

streaming 

Hoje, a música fica de pano de fundo de alguma atividade. Ou você está dirigindo, cozinhando, ou fazendo alguma outra coisa, enquanto a música toca. A verdade é que o mercado mudou muito com a chegada do streaming. Um dos pontos negativos dessa tecnologia é a monetização do artista. Quantas vezes tem que tocar uma música para ganhar em execução? Já o ponto positivo da modernização é que antigamente você tinha que importar o disco para levá-lo fisicamente para outras cidades e países. Hoje, sua arte pode chegar a qualquer lugar do mundo, sem que você saia da sua casa.  

leveza 

A maturidade me ensinou a tirar as pedras das costas. As pedras são aquelas coisas que te perturbam, como os sentimentos pesados, a raiva e a intolerância. A maturidade me ensina muito sobre gentileza e paciência. Entendo que a saída é buscar cada vez mais leveza, mas sem fechar os olhos. Como artista, quero cantar as coisas bonitas da vida e deixar isso de legado. Vejo que construí uma história bonita por acreditar na minha arte. Quando me pedem conselhos, sempre digo: “Se você acredita na sua arte, faça. Não arrede pé”. Como dizia meu sábio pai: “A história não fala dos covardes”.   

Assista ao vídeo com trechos da entrevista com o músico Ivan Lins, gravada em maio de 2024. Foto: Adriana Vichi.

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