As rádios e o reggae no Maranhão têm uma relação muito importante (e, não, não é porque as músicas chegavam por ondas curtas do Caribe). Por Karla Freire
Karla Freire é graduada em Comunicação Social (Jornalismo) pela Universidade Federal do Maranhão. Com especialização em Jornalismo Cultural e Mestrado em Ciências Sociais, pela UFMA. É editora regional na TV Mirante, afiliada da Rede Globo, em São Luís, no Maranhão. Tem experiência em televisão — produção, reportagem e edição. Trabalhou em diversos meios de comunicação, tais como jornais impressos, rádio AM, portal de notícias e assessorias de comunicação. É autora do livro Onde o reggae é a lei (Edufma, 2012), fruto da dissertação de mestrado.
Ilustrações por Bruna Kater. Formada em Comunicação Social pela ECA-USP, atualmente trabalha como designer gráfica e ilustradora em São Paulo. Seu trabalho tem cores vibrantes, uma essência artesanal e percorre temas como a brasilidade e representação da mulher nas artes visuais.
O que São Luís do Maranhão e a Jamaica têm em comum? Além de serem ilhas, têm uma população predominantemente negra e uma paixão por um ritmo que surgiu lá na ilha caribenha, em meados dos anos de 1960, e que chegou nas bandas de cá, já na década seguinte, para ficar no coração dos maranhenses de uma maneira muito particular e pulsante.
Mas nem sempre o reggae foi unanimidade na capital do Maranhão. A trajetória da consolidação do ritmo jamaicano na identidade cultural da cidade de São Luís foi longa, permeada de preconceitos e de algumas batalhas. Assim como na Jamaica, o reggae na capital maranhense surgiu nos guetos: foi a juventude negra das periferias que adotou o ritmo como instrumento de lazer — frequentando as festas, ouvindo reggae no rádio e ressignificando a música. “Eu ouvi reggae pela primeira vez nos anos 80. Quem me mostrou foi um rapaz chamado César, que ajudava minha avó com as compras no Mercado Central. Ele escutava reggae em um radinho e me mostrou Bob Marley, Peter Tosh e uma banda que gostávamos bastante, o Musical Youth. E depois a gente foi com ele pros clubes… O primeiro foi ali no Pop Som da Jordoa, depois a Toca da Praia e o Espaço Aberto”, me relata a técnica de enfermagem Elisabeth Matos Pereira, de 53 anos, fã do ritmo desde a adolescência. Nessa época, o reggae já era febre nesses clubes citados por ela, que ficavam em bairros populares, mas São Luís ainda não era considerada a “Jamaica brasileira”. Para entender como esse título surge e se consolida, precisamos voltar um pouco no tempo.
Foi nos anos de 1970 que o reggae foi chegando, provavelmente por mais de uma via: uma das hipóteses é que algumas pessoas conseguiam sintonizar pelas ondas curtas as rádios da região do Caribe. Há relatos de boleros, salsas e outros ritmos caribenhos (e aí, talvez, também o reggae) serem ouvidos entre o fim dos anos de 1960 e o começo dos 1970, na ilha de São Luís e na região da Baixada maranhense.
“De fato, muita gente ouviu música latina, música caribenha, através das ondas do rádio. Agora, música jamaicana especificamente, eu nunca conheci ninguém me contar de ter ouvido. E pela raridade do fato, ainda que apareça alguém dizendo que tenha ouvido, vai ser muito difícil de comprovar né, passado tanto tempo.”
O jornalista Otavio Rodrigues, o Doctor Reggae, criador do primeiro programa de reggae do rádio no Brasil (Roots Rock Reggae, em 1982), conversou sobre isso com Zé Orlando, ex-integrante da principal banda de reggae do Maranhão, a Tribo de Jah, na rádio Pedra Rara: “Você tá conversando com um cara que ouvia músicas caribenhas, até mesmo porque na época não se tinha tantas indústrias, então havia mais facilidade das ondas curtas, isso eu falo de rádio AM. A gente ouvia da Colômbia, da Venezuela, muito mambo, muita salsa, muito merengue…”, diz Zé Orlando. E Otávio emenda: “Ouvistes reggae alguma vez?”. “Reggae não”, responde.
A mim, Otavio, que morou anos no Maranhão e se ocupou de pesquisar e retratar o ambiente do reggae na ilha, disse que essa possível chegada do ritmo nunca foi confirmada: “De fato, muita gente ouviu música latina, música caribenha, através das ondas do rádio. Agora, música jamaicana especificamente, eu nunca conheci ninguém me contar de ter ouvido. E pela raridade do fato, ainda que apareça alguém dizendo que tenha ouvido, vai ser muito difícil de comprovar né, passado tanto tempo. Vai ficar como uma lenda talvez pra sempre”, sentencia.
Muitos dos antigos apreciadores afirmam que o reggae veio mesmo por terra — via conexão Maranhão-Pará, através de compradores que iam nas feiras de discos — e pelo mar: os primeiros vinis teriam sido trazidos por marinheiros que vinham da América Central e aportavam em Cururupu, cidade da Baixada. Sem dinheiro para pagar as refeições, eles trocavam vinis de reggae por comida e bebida com donos de bares ou para pagar as prostitutas que trabalhavam no Porto do Itaqui, em São Luís.
Um dos defensores dessa hipótese é o dono de radiola Maurício Capela: “os marinheiros davam os vinis de presente para as prostitutas do porto, aí as meninas rolavam os discos pros namorados e amantes da terra” (apud Brasil, 2006, p.05). Um dos mais antigos radioleiros da ilha, José de Ribamar Maurício Costa, o “Carne Seca”, afirma que começou a tocar reggae em 1978 nas festas cujos ritmos predominantes eram lambada, merengue, forró e bolero: “Eu rodava reggae porque trazia uns discos importados da Guiana Francesa. Tinha um amigo que sempre viajava… existiam aqueles barcos que faziam contrabando de café. Então eu pedia a esse amigo pra trazer os discos” (apud Silva, 2016, p.74).
No começo, portanto, não havia festas exclusivamente de reggae. O dançarino e dj Tony Tavares, que morreu em 2014, narrou numa entrevista em 2010 a dinâmica dos salões nos anos de 1970: “Eu tocava quatro reggae, quatro balanço, quatro bolero e duas lambadas. Era assim até o fim. O reggae era pra dar aquela esfriada, era música estrangeira lenta”. É por isso, aliás, que São Luís é conhecida pela forma única de dançar reggae “agarradinho”. Contam os pioneiros das festas que, como os casais já estavam em pares dançando os outros ritmos, na hora do reggae, continuavam juntinhos no salão.
Conhecedor do reggae, o vocalista da Tribo de Jah, Fauzi Beydoun, conversou comigo sobre a forma de dançar do maranhense: “Quem sabe mesmo dançar agarradinho, rapaz, é todo um sentimento. O cara dança numa entrega porque ele expressa o sentimento da música dançando. Isso é a cultura do reggae mais genuína do Maranhão para o mundo, que não existe em outro lugar no mundo. É uma dança sublime, porque, por exemplo, o forró é muito mais frenético, cansa mais… e o reggae não, ele tem aquela cadência malemolente, ele tem o apelo da sensualidade porque é muito bonito, tem toda uma coreografia própria, que é espontânea, que é uma cultura de gueto. Quem criou aquilo? Aquilo nasceu espontaneamente. As pessoas adotaram aquilo, os maranhenses entenderam o reggae daquela maneira”.
White witch gonna get ya
White witch gonna get ya
White witch gonna get ya
White witch gonna get yaaaaa
(A bruxa branca vai te pegar)
Se você não é do Maranhão, provavelmente nunca ouviu o Melô do Caranguejo. Mas, por aqui, a música White Witch, da banda Andrea True Connection, lançada na Jamaica em 1977, é um hino. Mesmo quem não curte reggae, com certeza, se mora em São Luís, já ouviu essa música em algum momento da vida. Eu mesma, nascida em 1981, classe média, moradora do bairro do São Francisco, ouvi desde a infância, no rádio, junto com as empregadas domésticas da casa dos meus pais. No entanto, o curioso é que, por muito tempo, ninguém sequer sabia o nome real da canção e da banda. A música que embalava as festas da ilha nos anos de 1990 era conhecida apenas como Melô do Caranguejo. Melô é um reggae rebatizado. Os djs e donos dos vinis faziam isso para manter a exclusividade da música, ocultando a autoria. Mas também era uma forma de aproximar os fãs do reggae da música, que era cantada em inglês e, via de regra, ninguém entendia a língua. Assim, conta Elaine Peixoto Araújo, pesquisadora do léxico do reggae ludovicense, que ao ouvir “White witch gonna get ya”, o regueiro “entendia” “olha o caranguejo”, o que deu origem ao nome do melô.
Quanto mais vinis foram sendo comprados por apreciadores e radioleiros, mais o reggae foi tomando conta das periferias da cidade. Então os clubes passaram a fazer festas só com o ritmo jamaicano. A fama dos melôs foi sendo espalhada nas festas, pelas radiolas de reggae: inspiradas nos sound systems jamaicanos (surgidos ainda nos anos de 1940, eram sistemas de som acoplados em carros para facilitar a mobilidade e, desse modo, driblar o controle governamental da capital Kingston), aqui na capital maranhense, as aparelhagens são gigantes, com paredões de caixas de som, que levam a festa para salões, clubes, praias, festas de santo e da cultura popular maranhense (como bumba-meu-boi e tambor de crioula). “A proliferação das radiolas contribuiu muito para que o reggae se espalhasse, praticamente, por todos os bairros de São Luís, criando opção de lazer para uma grande faixa da população de baixa renda, sem condições financeiras de comprar discos de reggae”, explica o antropólogo Carlos Benedito Rodrigues da Silva, autor do primeiro livro sobre reggae maranhense, mais importante referência sobre o tema no Maranhão, Da terra das primaveras à ilha do amor: reggae, lazer e identidade cultural.
Hoje, existem mais de 80 radiolas de médio e grande porte na ilha. Aos poucos, elas foram se especializando e buscando mecanismos de profissionalização para atender ao mercado local crescente. O pesquisador Ramusyo Brasil aponta essa fase inicial do reggae em São Luís, nos anos de 1970, como a era da “cultura não midiatizada”: “quando não possui espaços de veiculação e se reproduz, basicamente, através das festas da cultura popular em território maranhense, em pequenas aparelhagens de som em porta de bar ou em bailes, pela presença seminal de Riba Macedo, o primeiro a executar músicas de reggae em São Luís” (2014, p.53).
Com o tempo, radioleiros passaram a viajar para a Jamaica e a Inglaterra em busca das bolachinhas raras que virariam “melôs” e “pedras” exclusivas (a pedra, segundo os regueiros, é um reggae lindo, que bate forte). Eram raras porque eram discos de reggae jamaicano antigo, dos anos 1960/70; um estilo romântico, apreciado atualmente mais no Maranhão que na própria Jamaica. Sendo assim, cada radiola tocava suas descobertas nas suas festas. E, para badalar as festas, os donos de radiolas foram encontrando meios próprios de divulgação, em uma época que o reggae era muito marginalizado pelas mídias tradicionais da cidade. Primeiro, usando alto-falantes e carros de som nos bairros, e depois, já com capital do lucro das festas, comprando horário em rádios locais. É aí que começa a fase que Brasil chama de “cultura midiatizada”.
“Agora é na lei da Jamaica!”. Assim o locutor Jota Kerly anunciava o momento em que começava a tocar reggae em seu programa, na rádio Ribamar AM. Era a estreia do ritmo nas rádios maranhenses, ainda na década de 1970.
O primeiro programa exclusivo de reggae foi o Reggae Night, na rádio Mirante FM. O ano era 1984 e o programa era apresentado por Fauzi Beydoun e o jornalista e dj Ademar Danilo. A criação do Reggae Night está ligada à força do ritmo nas periferias e, já nesse período, as classes médias — especialmente universitários — começavam a se aproximar do movimento e frequentar espaços de reggae. A proposta era democratizar a música reggae que, segundo Ademar Danilo, não tocava antes em lugar nenhum, a não ser em um bloco no programa de Jota Kerly. Para tocar as pedras, os dois precisaram de ajuda de alguns discotecários porque era difícil conseguir discos de reggae jamaicano antigo e ter, assim, material suficiente. “Neturbo [dj do clube Pop Som] e Chico do Reggae [discotecário] começaram a ceder alguns vinis. Esse movimento foi fundamental, o programa teve um impulso muito grande. Neturbo teve grande responsabilidade pela atualização do Reggae Night”, contou Danilo (apud Silva, 2016, p.86).
Além de possibilitar a escuta do reggae na rádio, na visão de Fauzi, o programa também contribuiu para desmistificar alguns preconceitos e elevar a autoestima dos apreciadores do ritmo. Eu perguntei a ele se o termo “Jamaica brasileira” foi criação dele: “Olha, outro dia me disseram que fui eu. Mas quando eu comecei o programa de FM, eu criei um monte de expressão. Eu não lembro de ninguém ter falado antes de mim. O próprio termo regueiro era queimado no Maranhão. Quando a gente falava regueiro, o cara se sentia até ofendido, então eu me lembro que eu fiz uma inversão de valores, então a gente passou a falar ‘esse é regueiro’, o cara que manja, isso trouxe aquele orgulho pro cara. Então ele é do reggae, conhece o reggae, as pedras”, relata.
“Eu digo, pô, um dia quando eu crescer, quando eu tiver maior, eu vou pro reggae também. Aí desde desse tempo eu comecei a ir em festa, eu fugia de casa pra ir pro reggae, aí meus pais vinham me buscar… Onde tinha reggae, eu fugia de casa pra ir pro reggae.”
A partir do Reggae Night, outros programas passaram a ser produzidos tocando as músicas (quase sempre cedidas por djs ou radioleiros porque as emissoras não tinham acervo) e divulgando as festas que ocorriam na cidade. “Com a criação dos programas de rádio, o reggae, considerado música de negros desocupados em São Luís, começou a conquistar espaços além da periferia negra da cidade (…), a partir daí, uma parcela da população branca e da classe média que, aparentemente nada tem a ver com o mundo do reggae, passou a frequentar alguns salões com mais assiduidade”, registra Silva.
Um dos primeiros apresentadores de programas de reggae no rádio maranhense, Tony Tavares, que começou como dançarino de reggae e depois passou a discotecar, explicou como foi a criação de um dos programas mais tradicionais da ilha, o Reggae Dance, na rádio Cidade: “Eu fui apresentar o programa de reggae junto com Cesinha do Egito [locutor]. Porque só eu tinha os discos, né. Era tipo jogar bola e eu ser o dono da bola. Aí o cara joga todo tempo”, contou. Um tempo depois, o Reggae Dance, assim como outros programas que foram surgindo, acabou sendo arrendado por grandes radiolas como a FM Natty Nayfson, Itamaraty e Estrela do Som.
O espaço comprado nas rádios locais é uma sacada mercadológica das radiolas que, a essa altura, foram se configurando como empresas, que promovem festas e mobilizam uma grande parcela da população, que começa, inclusive, a “torcer” pela sua radiola, como me exprimiu Jorge da Silva Santos, integrante do fã-clube da radiola Super Itamaraty, uma das maiores do Maranhão: “Escuto reggae desde pequeno, desde uns nove anos. Sempre que eu via neguinho dançando reggae eu ficava admirado, o pessoal dançando reggae… eu digo, pô, um dia quando eu crescer, quando eu tiver maior, eu vou pro reggae também. Aí desde desse tempo eu comecei a ir em festa, eu fugia de casa pra ir pro reggae, aí meus pais vinham me buscar… Onde tinha reggae eu fugia de casa pra ir pro reggae. E o reggae hoje faz parte da minha vida”, completa.
Os programas essencialmente voltados para a “massa regueira”, que é o público frequentador dos espaços das radiolas, buscam uma forma de comunicar que segue o modo de verbalização dos djs, com linguagem própria, utilizando termos popularizados entre o público-alvo, anunciado festas, apresentando novos melôs, fazendo intervenções durante a execução das músicas e falando com ouvintes ao vivo. “Toda radiola hoje, pra se manter no topo, tem que ter um programa. O locutor tem que convencer o regueiro a ir na radiola, falar o roteiro por onde a radiola vai passar. O rádio é importante pra tornar públicas as festas”, explica o radialista e apresentador de programa de reggae, Marcus Vinícius.
Com o tempo, radioleiros passaram a viajar para a Jamaica e a Inglaterra em busca das bolachinhas raras que virariam “melôs” e “pedras” exclusivas (a pedra, segundo os regueiros, é um reggae lindo, que bate forte).
Assim como ter um programa de rádio é essencial para o negócio das radiolas, também é muito importante para as rádios comerciais, que lucram com a grande audiência. A pioneira Mirante FM mantém no ar, atualmente, programas de reggae de domingo a domingo. O carro-chefe é o Reggae Point, apresentado todas as noites pelo dj Waldiney, que começou na rádio ajudando o primo Tony Tavares a carregar os vinis para o programa. Evandro Costa, diretor da rádio, diz que o programa é sucesso e atende bem ao nicho de mercado. Ele explica como foi a entrada do ritmo na rádio:
“Aqui no Maranhão, o reggae é muito forte. Dois anos depois da criação da rádio, criamos o Reggae Night. Na época, o reggae era extremamente de periferia. E eu tinha essa visão de trazer o reggae pra classe A. Eu não queria colocar uma radiola, que, até então, todos os programas de reggae nas rádios concorrentes eram bancados por radiolas. Cada uma brigava por um horário na rádio pra botar os djs pra falarem mais alto. E a gente na Mirante tinha uma visão diferenciada, não queria entregar o produto pra uma radiola pra eles fazerem o que queriam. Nós queríamos ter a rédea do programa e trazer pro nosso público. Foi quando surgiu Coqueiro Bar e outros clubes, e a elite começou a frequentar os reggaes”, conta. Com o público consolidado, a rádio tem apostado também em um podcast, nas plataformas de streaming que, segundo Costa, “é o que tem mais visualização entre todos os podcasts da rádio”. Os episódios do Reggae Point têm acesso em vários estados brasileiros e mais 15 países.
Além de criar e consolidar “gírias” do reggae — o que fortaleceu, pouco a pouco, uma identidade cultural própria do reggae maranhense — e levar a música a ouvidos que antes não conheciam o ritmo que já era sucesso nos salões de festa da periferia da cidade, alguns programas de rádio passaram a divulgar mais que o calendário de festas (parte que interessava fundamentalmente aos donos de radiolas, que arrendavam o horário nas rádios): divulgavam também informações sobre o movimento reggae, as bandas, cantores e explicavam sobre as letras cantadas em inglês e cujo significado era desconhecido por boa parte dos fãs. Para Silva, “os programas têm um alcance político na medida em que oportunizam a superação coletiva dos estereótipos marginalizadores” (2016, p. 92).
Ademar Danilo também ressalta a importância de levar o reggae, cultura de gueto, para a rádio mais elitizada da cidade, a Mirante FM: “Fauzi e eu tínhamos a preocupação de esclarecer, contar a história do reggae, traduzir as músicas, porque, principalmente o público regueiro, é um público que não tem informações. Nós começamos a ser vistos como pessoas que gostavam de reggae. Então, isso fez com que esses esclarecimentos que nós dávamos na rádio que é ouvida pela burguesia diminuíssem o preconceito em relação ao reggae”, defende (apud Silva, 2016, p. 89).
Discotecário com experiência na apresentação de vários programas especializados em reggae, o publicitário, jornalista e locutor Jorge Black também preza pela divulgação da cultura reggae. Jorge me conta que coleciona discos desde muito cedo e que fez seu primeiro programa de reggae em 1977, numa rádio comunitária da cidade de São José de Ribamar, vizinha a São Luís. Depois do “Wanted Reggae”, na rádio Verdes Mares, passou por outras rádios FM e AM. Foi também apresentador do Reggae Dance onde, segundo ele, buscou valorizar os reggaes das décadas de 70/80, que eram apresentados como “clássicos jamaicanos”, o estilo mais apreciado pelos amantes do ritmo na capital maranhense.
“Depois eu passei a ousar. Eu comprei um horário na rádio Cidade e criei o Reggae Night. Nessa época, todos os programas da rádio eram de radiolas. O meu era o único assim de um particular. E eu podia fazer o que quisesse. Então, eu divulgava as festas, claro, tem espaço pra isso. Mas fazia questão de falar da história do reggae. A gente foi pesquisar, foi se cercando de conhecimento; li livros, entrevistei muita gente que entende… pra passar informações durante o programa. A gente fala sobre quem fez as músicas, se ela é uma regravação, fala da história do cantor ou da banda porque acredito que isso tudo é muito importante”, resume. Hoje ele apresenta o programa Reggae Roots na rádio Nova FM, junto com Fauzi Beydoun. Com essa mesma proposta de tocar as pedras e levar informação sobre a cultura reggae aos ouvintes.
Atualmente, existem sete programas de reggae nas rádios locais. Segundo o Guia Turístico do Reggae de São Luís, publicado em 2008, “é no rádio que o reggae tem a sua maior mídia. Com uma vasta programação, as emissoras comerciais de maior alcance no município de São Luís oferecem ao regueiro, durante a semana, 52 horas de programação, de domingo a domingo, nos horários matutino, vespertino e noturno, sendo que este último turno apresenta o maior número de programas e com maior duração”.
É importante observar que o reggae em São Luís não é um fenômeno que foi “imposto” por uma indústria cultural. Ao contrário, um mercado foi se formando a partir do gosto da juventude negra que se mobiliza na cidade para curtir o reggae. A classe média veio depois e as rádios têm papel fundamental nesse processo de expansão do reggae. Somente nos anos 2000 os demais veículos de comunicação começaram a perceber a importância do ritmo surgido na Jamaica enquanto elemento da identidade cultural do maranhense. E a “Jamaica brasileira” foi virando quase que uma unanimidade. Preconceitos ainda existem, mas é difícil encontrar um maranhense que não reconheça São Luís como a capital brasileira do reggae (e que não conheça o Melô do Caranguejo).
Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.