Foto: Luiza Ananias
por Lucas Rolfsen
Chegou a hora de a cantora e compositora mineira Jennifer Souza colocar seu segundo e mais recente álbum solo, Pacífica Pedra Branca (2021, Balaclava Records) na estrada. Ela toca no Sesc Campo Limpo, domingo, dia 24 de abril, com entrada gratuita, às 17 horas. É acompanhada por Marcus Abjaud (teclado), Thiago Correa (baixo e vocais) e Felipe Continentino (bateria).
Com mais de 20 anos de carreira, faz parte também do coletivo Transmissor e do sexteto Moons, ambos de Belo Horizonte. Criou a Mostra Cantautores, festival que acontece na capital mineira e tradicionalmente promove um encontro intimista de criadores da canção contemporânea, com apresentações solo, em que cantores-compositores tocam acompanhados apenas por seu instrumento.
Jennifer fala da ansiedade pela retomada do contato com o público, das suas percepções cotidianas, do fazer artístico e outros temas que você confere a seguir.
Ouvindo o álbum, é perceptível a relação dele com o cotidiano. Qualquer surpresa cotidiana pode virar canção? Nesse sentido, seu processo de composição é de fora para dentro ou de dentro para fora?
Sinto que é mais de dentro para fora. Mas ao mesmo tempo, é uma composição um pouco confessional, tem uma coisa meio de diário, né? Uma linguagem mais simples, do cotidiano mesmo. Meu trabalho solo, em comparação às outras coisas que faço em coletivos, tem um tempo mais dilatado, das experiências pessoais, das vivências mais profundas. Mas eu acho que tem essa paisagem mesmo, de coisas do cotidiano.
Em uma das canções do álbum Pacífica Pedra Branca você fala em transformar o sonho em realidade. Você tem algum sonho que gostaria de realizar ou todos eles estão realizados?
Acho que a gente sempre tem sonhos né? A gente vai realizando aos poucos, sonhando e realizando, mas eu acho que sonhar, pelo menos eu quero sonhar sempre, quero morrer sonhando com outras coisas, acho que isso é algo que move a gente um passo para frente, mas se fosse para falar algo, é o desejo de poder trabalhar como artista exclusivamente, que é uma coisa muito rara, até para artistas que estão em um outro patamar, muito mais consolidados e muito mais estáveis do que eu estou.
Voltando um pouco para os versos de uma outra canção do Pacífica Pedra Branca: “Sinto saudades de mim/meu coração é pequeno/mas sabe bem o que quer”. Qual é a primeira lembrança que você tem ao ouvir esses versos?
Quando eu pedi ao Luiz [Gabriel Lopes] para fazer essa letra eu falei para ele meu sentimento, porque isso tem muito a ver com a personalidade dele: um menino muito inquieto, nunca para quieto num lugar só, cada hora está morando num país diferente, cada hora está numa cidade, envolvido com mil projetos, mil coisas, é bem cigano, bem andarilho, bem o personagem dessa música. Foi isso, eu dei para ele a música e falei: ‘acho que tem a ver com você, com esse sentimento de uma pessoa que nunca tem pouso certo, que está sempre flanando por aí’, então escreveu essa letra e acho que tem a ver com o meu sentimento, esse desejo de estar em movimento, se deslocar, de ter encontros com várias pessoas diferentes e estar em vários ambientes.
Você acaba falando dessas experiências, que são muito pessoais, mas com uma linguagem metafórica, comparando com a natureza. Tem uma preocupação estética em cima disso?
Vai de um jeito muito fluído, espontâneo. É muito mais comum, quando a letra também é minha, que é na maioria dos casos, que essa letra já venha esboçada no momento que estou compondo a harmonia, a melodia da música, meio que acontece ao mesmo tempo. Normalmente já é o sentimento de precisar ou de querer compor alguma coisa, essa expressão já vem completa, sai naturalmente. Depois, vou dando uma acabada melhor.
Você hoje mora em Belo Horizonte, isso? As pessoas comentam que é uma capital um pouco diferente: ao mesmo tempo nos permite estar em uma metrópole e ter um contato com a natureza um pouco mais próximo. A natureza parece ser um fator importante para você. Dentro da cidade, como é o seu primeiro contato com a natureza, lugares que você visita…
Moro em Belo Horizonte. Sim, na verdade uma característica que acabou aparecendo mais nesse disco é que trouxe assuntos para além das relações afetivas, um pouco mais existenciais, de partidas, de perdas. Uma reflexão muito ligada aos elementos da natureza, a percepção da gente nesse contexto, nesse cenário do Universo, da Terra, dos oceanos, do céu, dos astros. Aqui sim, a gente tem muita natureza: montanhas e cachoeiras, cidades próximas que tem uma exuberância e eu adoro, acho que favorece muito quando a gente está em ambientes que permitem ter momentos de reflexão e calma, entrar em um outro tempo que não é o tempo da cidade, que é muito acelerado, que deixa a gente em um estado de alerta o tempo todo. É uma coisa que gosto muito de fazer e trago para as minhas músicas, que é esse momento em que a gente fica mais tranquilo.
Essas canções quando estavam prontas, foi em um momento pré-pandemia? Muita coisa mudou, como tem sido essa retomada para você?
A pandemia foi um momento muito difícil, para a maioria de nós do setor artístico. Na verdade, para todo mundo, até a gente entender de fato o que estava acontecendo e quanto tempo isso ainda levaria para chegarmos nesse momento que a gente está agora, que as coisas estão de fato voltando a acontecer. Foi muito penoso. As músicas estavam todas prontas, já tinha feito uma pré-produção no final de 2019 e entrei em estúdio exatamente um mês antes da pandemia, em fevereiro de 2020. Tive que interromper cem por cento o processo, sem ter uma perspectiva definida de quando é que realmente seria lançado. Durante esse período, o meu maior desafio e a minha maior conquista foi ter conseguido terminar o disco e lançar. Esse show que eu vou fazer nesse fim de semana em São Paulo, são dois: sábado a gente toca no Balaclava Fest [dia 23 de abril] e domingo [dia 24 de abril, com entrada gratuita] aí no Sesc [Campo Limpo]. É a primeira saída de Belo Horizonte desde 2019. É realmente algo muito simbólico, né? Dois anos e meio praticamente que eu não saio de Belo Horizonte para fazer um show. Isso é muito importante! Realmente a luz no final do túnel, sabe? Estou muito animada com a possibilidade dos shows que estão surgindo e doida para tocar com o público.
Essa longa espera até colocar o show na estrada, isso mudou alguma outra ideia, mudou alguma percepção que você tinha?
Acho que essa percepção de que a coisa ela só se completa com essa troca. Tira muito o sentido do nosso trabalho quando você não pode ter essa troca com as pessoas ao vivo. Acho que é muito gostoso o processo de estúdio, o processo de criação, o processo de gravar e lançar o disco, tudo isso é muito importante e prazeroso, mas se não tem a oportunidade de ter essa troca com o público ali no show, é muito ruim! É como se não conseguisse concluir esse ciclo, né? Eu fiz um show desse disco, que foi o de lançamento aqui em Belo Horizonte, em outubro. A oportunidade de fazer o primeiro show depois de toda a pandemia, com o público. Mas com muitas limitações também: o teatro era um teatro pequeno e aí podia receber só metade da capacidade, todo mundo de máscara, testado, aquela coisa bem burocrática. Todo mundo estranhando estar de volta aos palcos, uma sensação um pouco diferente de um show onde você fica mais relaxado e não tem esses medos, lidar com tantas limitações. Nas últimas semanas, estive em alguns shows em Belo Horizonte e só agora estou sentindo que realmente é possível a gente retomar as coisas como elas são.
Em mais de 20 anos de carreira em que momento você percebeu que isso se tornou uma profissão e qual é para você a principal responsabilidade de um artista quando opta pela carreira solo?
Vou fazer 40 anos daqui dois meses e comecei a tocar eu tinha nove anos, meu primeiro contato com o violão. Comecei a fazer aula de violão com dez anos. Esse contato com o violão sempre foi muito intenso, com a música, não só com o violão. Mas o violão foi a minha porta de entrada. Desde que eu comecei a tocar muito pequenininha eu nunca mais larguei, andava comigo aonde eu ia. Quando tive minha primeira banda, com 17, 18 anos, já encarava isso de uma forma muito séria, mesmo que isso não virasse renda ainda e existisse no horizonte outras possibilidades de carreira. Já era uma lida muito profissional, tinha uma rotina de ensaios, um cuidado com tudo que envolvia uma banda existir e tratava isso de uma forma muito séria. Pouco tempo depois, me juntei aos amigos Thiago Corrêa, Leonardo Marques, para fazer o Transmissor, que foi a primeira banda da qual eu fiz parte e foi muito importante na minha trajetória. A carreira solo veio desse momento. A proposta dessa banda era que a gente gravasse composições de todos os integrantes, era um coletivo. A partir desse momento, comecei a ter mais volume de composições e naturalmente, como eram muitos compositores na banda, sobravam composições de todo mundo. Paralelamente todos nós fomos desenvolvendo nossas carreiras.
As pessoas que não veem esse outro lado, podem pensar que é só glamour, mas o artista especialmente no Brasil, tem que lutar muito para sobreviver, né?
Tenho uma trajetória que é muito sólida, da qual eu me orgulho muito e já fiz muitas coisas. Mas se não fossem os meus outros trabalhos, acho que não teria conseguido fazer nem a metade do que fiz como artista. Porque muitas vezes, e até hoje na realidade, tenho que investir grana o tempo inteiro, para viabilizar os discos, a existência da minha carreira, dependo dos meus outros trabalhos. Mesmo que a minha carreira artística seja o meu trabalho principal, ao qual eu me dedico mais e é onde eu gostaria de poder trabalhar só tocando, compondo e gravando, ainda é uma realidade, mesmo com 20 anos de carreira, que não é possível, sabe? Então é isso, para mim é uma responsabilidade já tem muito tempo.
O sentimento de solidão, de contemplação do tempo aparecem bastante no Pacífica Pedra Branca. Como esses sentimentos te ajudam a seguir e entender quem você é?
A música ou a expressão artística de cada artista é a forma que a gente encontra de refletir sobre todas as coisas e fazer uma autorreflexão, processo de cura, está tudo aí, misturado no fazer artístico. Acho que pegar as coisas que são mais sensíveis para cada um de nós e tentar transformar isso em arte, expressar isso no nosso fazer artístico é um presente. Acho que pelo menos para mim, é.
Você precisa estar bem-resolvida com o sentimento para cantar sobre coisas tão suas?
Acho que nem é bem resolvida assim eu diria, você tem que estar disposto a essa fragilidade. Se abrir para isso de uma forma tranquila, entre aspas: é isso mesmo, eu vou falar sobre as minhas coisas mais profundas, sobre os meus sentimentos mais íntimos e o jeito que eu sei fazer música é esse, onde eu sinto que estou encontrando a minha essência artística musical da forma mais sincera, mais potente. Isso para mim, é desde sempre, desde as primeiras composições que fiz bem nova, é onde aflora a minha parte criativa. Acho que quando eu vou para outro tipo de composição, dessa coisa de compartilhar o sentimento com outras pessoas, é mais comum que seja com parceiros, sabe?
Você tem previsão de lançar algum outro projeto solo?
Durante a pandemia, para além do normal, a gente teve muito tempo em casa, eu em Belo Horizonte passei muito tempo sozinha em casa, e isso trouxe um momento de criação mais acentuado que nunca tinha rolado antes. Mesmo que eu durante os anos da minha vida busque sempre escapes, retiros fora de Belo Horizonte, para ter esses momentos. Tive um momento mais acentuado de criação durante a pandemia e acabei compondo mais do que normalmente compunha. Então eu tenho sim um possível terceiro disco solo. Faltam algumas letras e acredito que a maior parte desse material vai compor o terceiro trabalho, que acho que vou acabar gravando no início do ano que vem.
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