Geração atual propõe alternativas para garantir um futuro com melhores condições de vida no mundo
POR LUNA D’ALAMA
Leia a edição de OUTUBRO/24 da Revista E na íntegra
Mais de 47 milhões de jovens entre 15 e 29 anos vivem hoje no Brasil, um número que corresponde a 23% da população do país, segundo o Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A maioria dessas pessoas pertence à geração Z, ou seja, nascidos entre 1997 e 2010. Também chamada de zoomers, essa é uma geração de nativos digitais, conhecida por questionar regras e hierarquias, e com base em outros propósitos, por exemplo, mais equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. Além disso, gostam de novidades, não temem mudanças e têm levantado, principalmente nas redes sociais, discussões sobre saúde mental, equidade de raça, gênero e orientação sexual, sustentabilidade e o futuro do planeta. Um dos maiores exemplos mundiais é a ativista ambiental sueca Greta Thunberg, de 21 anos. A jovem foi eleita personalidade do ano pela revista estadunidense Time, em 2019, e indicada duas vezes ao Prêmio Nobel da Paz.
Segundo Tiaraju Pablo D’Andrea, especialista em juventudes periféricas urbanas, coordenador do Centro de Estudos Periféricos da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e morador do bairro de Itaquera, zona Leste de São Paulo, os jovens brasileiros, sobretudo nas periferias, têm se organizado cada vez mais politicamente, seja em movimentos sociais, de luta por moradia, em cursinhos, igrejas ou coletivos culturais (saraus, slams, grupos de teatro, hip hop, funk, samba). “São muitas reivindicações que emergiram nas últimas décadas, e tem ficado evidente a importância da organização política das juventudes por meio da cultura”, aponta. “Além disso, as redes sociais são fundamentais para qualquer tipo de mensagem que os jovens – e qualquer outro grupo – queiram passar no mundo contemporâneo. Eles dominam o uso das ferramentas digitais, e aqueles com maior consciência ecológica e ambiental também militam por essa causa. Mas é importante observar que o terreno das redes está em disputa permanente”, complementa.
Doutor em sociologia da cultura pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de livros como A formação das sujeitas e dos sujeitos periféricos: Cultura e política na periferia de São Paulo (Dandara, 2022), D’Andrea analisa que a crise climática está cada vez mais evidente, por isso o jovem é impelido a agir. “As mudanças do clima não estão mais batendo à nossa porta. Já estão deitadas no sofá da sala, mudando o canal da TV. Esse cenário atinge, principalmente, as periferias urbanas, locais com menos áreas verdes, muito asfalto, ilhas de calor, e onde há um grande deslocamento diário da casa para o trabalho”, explica. Para o especialista, esse padrão de urbanização tem sido cada vez mais discutido e questionado por toda a sociedade. “Precisamos de mais políticas públicas, parques e espaços de lazer, porque a tragédia já está posta. A chamada de uma consciência ecológica vinda dos jovens já tem se refletido em outros grupos geracionais e em seus discursos e práticas”, avalia.
D’Andrea reforça que os problemas ambientais vêm se agravando em todo o mundo. Enquanto a Europa e países da Ásia têm sofrido com enchentes e incêndios, o Brasil enfrenta, pelo menos desde junho, queimadas (espontâneas e criminosas) em vegetações nativas de várias partes do Centro-Oeste, do Norte e do Sudeste. Em setembro, a capital paulista figurou por cinco dias seguidos em um ranking global de pior qualidade do ar, segundo a plataforma suíça IQAir. “Os incidentes climáticos, de responsabilidade humana direta ou indireta, vêm se intensificando. Em 2015, tivemos o rompimento de uma barragem em Mariana (MG), em 2019 outro rompimento em Brumadinho (MG).
Mais recentemente, além das queimadas e enchentes, enfrentamos a seca dos rios na Amazônia e a alta poluição em várias cidades por conta da fumaça das queimadas. É um tema muito presente, que impacta diretamente a vida dos brasileiros”, ressalta. Frente a esse cenário, as juventudes têm levantado bandeiras e debates sobre os cuidados do planeta nos próximos anos. “São pessoas que nasceram e cresceram com a crise climática invadindo suas mentes, corações e construindo suas subjetividades. Elas, portanto, não veem outra saída a não ser lutar por melhores condições de vida, por seu futuro”, enfatiza.
ATIVAR MUDANÇAS
Moradora de Realengo, na zona Oeste do Rio de Janeiro (RJ), Marcele Oliveira, 25 anos, é ativista climática, comunicadora e graduada em produção cultural pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Atua como diretora executiva do canal PerifaLAB, rede de lideranças periféricas, e como cofundadora da coalizão O Clima É de Mudança, que denuncia o racismo ambiental e aborda questões de adaptação e educação climáticas. “Por meio da arte e da cultura, engajo juventudes nas pautas de justiça ambiental. Os jovens brasileiros estão antenados, mobilizados, são criativos e propositores de mudanças fundamentais. Entendemos que é importante falar de territórios, defendê-los, e que o direito ao lazer e à natureza não é menos importante que à saúde e à educação”, acredita.
(foto: acervo pessoal Marcele Oliveira)
Em 2023, Oliveira foi representante das juventudes brasileiras em diálogo com o presidente Lula na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP28, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Em agosto deste ano, trabalhou como secretária de mobilização do grupo oficial de engajamento de juventude do G20, o Youth 20 (Y20), no Rio. A jovem entende que não basta falar nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), ou em ESG (sigla em inglês para Ambiental, Social e Governança) nas empresas. “É preciso que haja uma mudança radical das relações humanas com o meio ambiente. Necessitamos de uma virada cultural, no sentido mais amplo da palavra ‘cultura’, em termos de comportamentos, crenças, valores e padrões sociais. As pautas climáticas devem, também, sair da bolha dos e das ativistas, pois seus impactos se traduzem no valor do transporte público, na forma como são realizados os grandes eventos, na nossa segurança alimentar etc.”, explica.
A jovem carioca lembra ainda que, no início deste bairros do Rio como Realengo e São Gonçalo, além de cidades da Baixada Fluminense, ficaram submersos. “Muita gente perdeu tudo, inclusive a casa. Foi um cenário de tragédia. A água chegou a lugares que nunca tinha alcançado antes. Mas se isso ocorre todo ano, é preciso adaptar as cidades e educar as pessoas para viver num cenário de risco”, alerta.
Desde que ocupou a escola onde estudava no ensino médio, em 2016, Oliveira aprendeu que os jovens devem trabalhar coletivamente, se organizar e dialogar. Este ano, outra luta que abraçou rendeu frutos: o Parque Realengo Susana Naspolini foi inaugurado oficialmente. “Participei ativamente para que esse lugar se tornasse um parque urbano. Usamos o Instagram, o Tik Tok, carro de som e faixas como formas de comunicação. E, assim, conseguimos a cobertura de jornais e a realização de audiências públicas. É uma forma de diminuir o intenso calor na zona Oeste do Rio”, explica. Localizado a 15 minutos – a pé – de sua casa, o novo parque abarca áreas verdes, pista de skate, churrasqueiras e torres que tocam música.
RESISTINDO E RE-EXISTINDO
Aos 22 anos, a produtora cultural e artista Stefany de Lucas está prestes a concluir a graduação em direito na Universidade Federal do Paraná (UFPR), enquanto integra o coletivo Resistência Ativa Preta, o Fórum Paranaense de Religiões de Matrizes Africanas e, também, pesquisa relações raciais e epistemologias de terreiro. Para ela, as juventudes são muito diversas, pois abrangem uma grande faixa de idades, raças, gêneros, orientações sexuais, níveis socioeconômicos, territórios e experiências de vida. “Nossas principais preocupações se referem às possibilidades de continuarmos existindo. Resistindo e re-existindo. Estaremos vivos daqui a dez anos? E em quais condições? Por que o mundo está acabando? Será que está terminando para todos?”, questiona. Na opinião da jovem, a pandemia de Covid-19 acelerou esses questionamentos.
Segundo de Stefany, que vive em Curitiba, a sustentabilidade precisa parar de ser uma pauta e virar realidade, uma preocupação que não se restrinja pontualmente ao combate às queimadas, mas que reflita, profundamente, sobre os modelos hegemônicos de agricultura e pecuária adotados no Brasil. “Toda crise climática é também social e racial. A natureza responde a recorrentes formas de opressão, é uma lei de retorno. As coisas estão insustentáveis há muito tempo. As regiões periféricas do país já sofrem com desigualdades ambientais há décadas, mas agora chegaram aos lugares ricos, à maior cidade do Brasil e da América Latina. Acredito que, se não houver democracia social, racial, de gênero e ambiental, não haverá democracia de fato. Portanto, reivindicamos questões que são bem anteriores à crise climática”, considera.
A futura advogada também diz que a geração Z precisa contradizer o que está ultrapassado. “São jovens que questionam o porquê de tudo e como fazer diferente. São aguerridos, críticos, com discursos fortes. Claro que podemos e devemos ter diálogos intergeracionais, há pessoas mais velhas que são sábias, experientes, estão no front conosco. Quem veio antes não é, necessariamente, conservador e retrógrado”, observa. De Lucas acrescenta que, de acordo com perspectivas ancestrais, o meio ambiente não é um sujeito à parte, mas uma extensão dos seres humanos, que formam um grande ente. “É por isso que todos nós estamos adoecidos, precisando repensar a existência da humanidade. Aumentamos nossa expectativa de vida, mas não a qualidade. E as comunidades tradicionais têm muito a nos ensinar sobre como viver de maneira respeitosa com a natureza, pois para essas pessoas não há divisão entre humanos, animais e vegetais. Estamos todos interligados, e todas as vidas têm o mesmo valor”, observa.
Outra voz potente em defesa do meio ambiente é Amanda Costa, diretora executiva do Instituto Periferia Sustentável, conselheira do Pacto Global da ONU e integrante da Rede Vozes Negras pelo Clima, coletivo nacional formado por 11 mulheres em defesa do meio ambiente e dos territórios. Moradora de Brasilândia, zona Norte da capital paulista, a jovem formada em relações internacionais lembra que, quando era pequena, morava em um puxadinho na casa da avó, onde a cozinha inundava sempre que chovia muito. “As mudanças climáticas são uma realidade em todo o mundo, ainda mais visível entre os empobrecidos e marginalizados. Falar desse tema, portanto, é lutar pelo meu presente, pelo meu futuro e pelo daqueles que represento”, disse a ativista em entrevista à edição de junho da Revista E.
Citada na lista Forbes Under 30 em 2020/21, a conselheira do Pacto Global da ONU destaca que as mudanças climáticas também impactam a saúde de forma geral. “Sofremos mais com doenças respiratórias, por conta da poluição e das ondas de calor. Isso sem falar em doenças, como dengue, febre amarela e hepatite A. Além disso, muitos idosos acabam morrendo em decorrência do excesso de calor, e nos atestados de óbito são descritas outras causas”, alerta Costa que, desde 2017, roda o mundo para discutir a agenda climática global. “Não dá para enfrentar essa crise sem o protagonismo das mulheres pretas, indígenas e quilombolas. Esse é um debate decolonial, precisamos de soluções que venham da base, dos territórios, dos que sofrem os piores impactos e as consequências das mudanças do clima”, reflete.
FUTURO ANCESTRAL
Nascida e criada em Brasília, a indígena Taily Terena, de 31 anos, é ativa na luta ambientalista e hoje vive na Terra Indígena Taunay-Ipegue, a cerca de 60 quilômetros de Aquidauana (MS). “Participo de eventos desde os 16 anos e planejo estar na COP30, em Belém, em 2025”, conta. Graduada em ciências sociais pela Universidade de Brasília (UnB), Terena revela que sua comunidade e todo o entorno do pantanal e do chaco boliviano têm sofrido com incêndios recorrentes, que se arrastam desde o início do inverno. “Vivemos os últimos meses com muito calor, de quase 40° C, e ar seco. O fogo chegou muito próximo da gente por causa do vento, impactou a disponibilidade de água. As cheias já deveriam ter começado nesta época, mas ainda não vieram”, detalha.
Terena acompanha questões de direitos indígenas em convenções internacionais, sobretudo temas como saúde ambiental e soberania alimentar. “A juventude da minha etnia está se organizando. Lutamos pela garantia dos nossos territórios, não apenas pela demarcação, mas também por nossa saúde e segurança. Temas que nos preocupam muito hoje são: saúde mental, condições básicas de vida, perspectivas futuras. Cuidamos muito da nossa região, mas está faltando água”, alerta. Segundo ela, os jovens indígenas têm se organizado em escolas de ensino médio nas aldeias e nas universidades, e o que mais os preocupa é a falta de responsabilização dos agentes que causam diretamente as mudanças climáticas. “Muito se fala em adaptação, alternativas sustentáveis, transição energética. Mas ninguém trata da responsabilização efetiva dos atores envolvidos, do julgamento e da condenação pelos crimes cometidos, do quanto o agronegócio polui o meio ambiente com agrotóxicos e emissões de gases de efeito estufa”, aponta.
Taily Terena diz, ainda, que os jovens indígenas estão vivendo entre dois mundos: um tradicional, da cultura dos povos originários; e outro da sociedade urbana, capitalista, de alta competitividade. “Muitos de nós apresentam doenças físicas por conta do consumo de alimentos contaminados ou ultraprocessados, isso sem mencionar as ameaças, violências e discriminações que sofremos”, denuncia. Além disso, Terena lembra que, com a derrubada e a queimada de tantas árvores, muitas plantas medicinais acabam sendo exterminadas. “As comunidades indígenas não chegam, atualmente, a 1% da população total do Brasil, por isso precisamos de aliados. Senão, essa conta não vai fechar”, conclui.
para ver no Sesc
FORÇA IDENTITÁRIA E RESILIÊNCIA
De 1º a 3 de outubro, Sesc Belenzinho recebe quarta edição do Fórum Nacional Sesc de Juventudes do LABmais, com discussões sobre arte, cultura e meio ambiente
Por meio de seu Departamento Nacional, o Sesc realiza, em 18 estados do país, o Projeto Laboratório Sesc de Mídias, Tecnologias e Juventudes (LABmais), que busca promover uma aproximação com as juventudes, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade social, por meio da inovação e das tecnologias digitais. Com ações educativas e de transformação social, a iniciativa considera os jovens como protagonistas em processos de criação artística, mediação cultural e curadoria.
Para isso, desde 2021, consolida essas experiências e apresenta seus resultados no Fórum Nacional Sesc de Juventudes do LABmais. Entre os dias 1º e 3 deste mês, o Sesc Belenzinho recebe a quarta edição do evento, que desta vez tem como tema Sustentabilidade Criativa: Arte e Cultura como Força Identitária e Resiliência das Juventudes. A programação tem curadoria realizada de forma participativa com as juventudes, fortalecendo a cooperação comunitária e a diversidade, e reúne painéis e oficinas culturais.
Segundo Janaina Cunha Melo, diretora de Programas Sociais do Departamento Nacional do Sesc, projetos como o LABmais fortalecem o compromisso da instituição com os jovens, valorizando o potencial dessa geração. “A iniciativa aposta no protagonismo como agente transformador, unindo criatividade, tecnologia e sustentabilidade. Temos a expectativa de que esse projeto movimente, cada vez mais, a economia da cultura, criando oportunidades de capacitação, geração de renda, reconhecimento profissional e social de adolescentes e jovens”, destaca. Além disso, acrescenta Melo, o evento reforça o compromisso da entidade ao promover a escuta ativa e o empoderamento das juventudes, permitindo que elas liderem discussões sobre seus territórios, identidades e futuros, com base em uma visão integrada de cultura, arte e sustentabilidade, pilares da missão educativa do Sesc.
Inscrições em: sescsp.org.br/forumjuventudes
BELENZINHO
Fórum Nacional Sesc de Juventudes do LABmais
Programação reúne jovens de diferentes partes do país para mesas de debate, painéis e oficinas culturais. Presenças de Amanda Costa, Stefany de Lucas, Tel Guajajara, Rose Martins, Emilly Vitória, Mila Moreira, Raelli Souza, João Victor, Nandyala Waritirre, Milena Makuxi, Rafaela Correia, Rodrigo Gabriel e Alan Avelino, dentre outros.
Dias 1º, 2 e 3/10. Terça, das 17h às 22h. Quarta, das 16h às 20h30. Quinta, das 14h30 às 21h. Grátis. Saiba mais em sescsp.org.br/belenzinho
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