Em março de 2024, completam-se sessenta anos do golpe que instaurou a ditadura civil-militar brasileira (1964-1985). De 1985 aos dias de hoje, presenciaram-se avanços e recuos, silenciamentos e denúncias em torno dos acontecimentos deste período, sendo o campo da cultura um locus privilegiado para tais reflexões.
Para contribuir com o debate público em torno das questões da memória e do patrimônio histórico relacionado aos tempos da ditadura, a partir de abril, o Sesc Vila Mariana dá início ao projeto Territórios do Lembrar, com diferentes programações artísticas e socioeducativas (veja a relação completa no fim do artigo).
O projeto tem como mote a proximidade geográfica entre a unidade do Sesc Vila Mariana e um dos espaços relacionados à memória dos tempos da ditadura: o imóvel, situado à Rua Tutoia, que foi sede da OBAN (Operação Bandeirante) e, posteriormente, do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna), na cidade de São Paulo.
Ao contrário do prédio do antigo DEOPS/SP (Departamento Estadual de Ordem Política e Social), que, após reformas e restauro, abriga hoje o Memorial da Resistência e a Estação Pinacoteca, outros imóveis tombados e relacionados à memória dos tempos da ditadura seguem sem uma destinação pública definida, sendo objeto de discussões, pesquisas e reflexões em diferentes esferas da sociedade civil. Notadamente, esta é a situação tanto do prédio do antigo Tribunal da Justiça Militar (av. Brigadeiro Luís Antônio, 1249, Bela Vista) quanto da sede da OBAN (Operação Bandeirante) e, posteriormente, do DOI-Codi, na Vila Mariana.
O imóvel da Rua Tutoia foi um reconhecido centro de prisão, tortura e assassinato de adversários do regime e recebeu cerca de sete mil presos – dos quais se estima que mais de 50 foram ali assassinados, entre 1969 e 1975, incluindo o jornalista Vladimir Herzog.
Após seu tombamento, aprovado em janeiro de 2014 pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat), formou-se, em 2018, um grupo de trabalho multidisciplinar (GT DOI-Codi*) composto por pesquisadores e especialistas de várias áreas e instituições para estudos, atividades e pesquisas de arqueologia forense, visando reverberar conhecimento e reflexão em torno de sua memória.
Assim, a presente programação, proposta pelo Sesc Vila Mariana, e em diálogo com o GT DOI-Codi*, visa contribuir para a discussão em torno das questões da memória e do patrimônio histórico, neste ano de 2024, em que o Brasil rememora os sessenta anos do golpe civil-militar e quando se atualiza a relevância de discutir o papel da democracia para a sociedade brasileira.
Por meio de apresentações artísticas, ações formativas, bate-papos, sessões de filmes, visitas guiadas e roteiros de turismo social, pretende-se contribuir para uma reflexão em torno da memória dos tempos da ditadura civil-militar e, especialmente, ressaltar a relevância do reconhecimento de seus espaços de repressão como locais de resistência e reflexão.
Lugares de memória, mesmo aquelas de tempos nefastos, são pontes que nos conectam com as permanências e continuidades do passado. Neste sentido, Territórios do Lembrar entende que reverberar a presença do DOI-Codi reflete o compromisso permanente e transversal da instituição com o campo dos direitos humanos e com a memória daqueles que foram vitimizados por diversas formas de repressão.
* O GT DOI-Codi é formado por representantes de diversas instituições: Núcleo de Preservação da Memória Política, Memorial da Resistência de São Paulo, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN-SP), Unidade de Preservação do Patrimônio Arqueológico (UPPM), Departamento do Patrimônio Histórico (DPH), Ministério Público Federal e Estadual, Instituto de Estudos da Violência do Estado (IEVE), Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP), Laboratório de Arqueologia Pública (LAP/NEPAM/Unicamp), Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça (CPMVJ), Centro de Antropologia e Arqueologia Forense/UNIFESP (CAAF) e o Observatório Constitucionalista Latino Americano.
TERRITÓRIOS DO LEMBRAR
O Sesc Vila Mariana dá início ao projeto Territórios do Lembrar em abril, com diferentes programações relacionadas ao tema. Além da programação proposta para esse mês, a unidade aponta intenções programáticas para o segundo semestre, tendo em vista o fortalecimento de suas relações com um agente cultural importante de seu território, bem como o compromisso permanente e transversal com o campo dos direitos humanos. Veja as relação de atividades e participe:
TURISMO SOCIAL
Caminhada do Silêncio
No dia 31 de março, para marcar os 60 anos do golpe civil-militar, em São Paulo, a 4ª Caminhada do Silêncio pelas Vítimas de Violência do Estado conclama: “Para que não se esqueça, para que não continue acontecendo”.
Organizado pelo Movimento Vozes do Silêncio, representado pelo Instituto @vladimirherzog e o @nucleomemoria, o ato conta com o apoio da @oabsaopaulo, @comissaojusticaepazsp, @uneoficial e @smculturasp. Realização por GT DOI-Codi e divulgação pelo Sesc Vila Mariana.
31/3, domingo, às 16h.
Rua Tutoia, 921 – Vila Mariana – São Paulo-SP.
LITERATURA
Ler para não esquecer
Bate-papo com mediação de Heloísa Starling e participação das autoras Laura Mattos (autora de Herói Mutilado – Roque Santeiro e os bastidores da censura à TV na ditadura) e Luiza Villaméa (autora de A Torre – O cotidiano de mulheres encarceradas pela ditadura). Em parceria com a editora Companhia das Letras, organizadora da Coleção Arquivos da Repressão no Brasil.
2/4, terça-feira, das 19h às 21h .
Auditório. Retirada de ingressos a partir de 1/3, às 17h, pelo aplicativo Credencial Sesc SP e nas bilheterias das unidades.
LITERATURA
Política também é coisa de criança!
Por meio de narrativas colaborativas, Kiara Terra fará um convite para os ouvintes penetrarem em histórias que tratam de temas sociais e cidadania. O objetivo destes encontros é fazer com que os participantes recuperem e partilhem histórias vividas, perguntas e conheçam nossa história. Uma bonita descoberta sobre ressignificar ideias e relações. Narrações que conciliam humor e política, improvisação cênica e delicadeza ao trazer questões de grande importância ética.
13, 20 e 27/4, sábados, às 15h.
Praça de Eventos.
TEATRO
VILLA
Espetáculo: Villa, de Guilhermo Calderón. Dir.: Diego Moschkovich. Duração: 60 minutos
Localizada na periferia de Santiago, a Villa Grimaldi foi uma propriedade usada para interrogatórios e prisões na ditadura do general Augusto Pinochet, que presidiu o Chile entre 1973 e 1990. Na trama, três mulheres avaliam diferentes propostas sobre o que fazer com a Villa Grimaldi, um dos mais famosos centros de tortura e extermínio na ditadura do chileno Augusto Pinochet (1915-2006). Em torno de uma mesa, elas discutem dilemas atuais de organizações de direitos humanos e o presente dos espaços ligados à violência do Estado. Como explicar o horror do passado sem cair em uma produção de parque temático ou na fria reprodução de um museu de arte contemporânea?
O texto fala sobre os espaços de memória, aquilo que escolhemos como recordação e o que aprendemos como memória coletiva de um povo; sobre como são feitas as edições que geram a História; e por quem a nossa trajetória coletiva vem sendo construída, lembrada e contada. O drama Villa, de Guilhermo Calderon, teve montagem brasileira dirigida por Diego Moschkovich e elenco formado por Flávia Strongolli, Rita Pisano e Angela Ribeiro.
3 a 4/4, quarta a sábado, às 20h.
Auditório. De R$ 12 a R$40, com venda online pelo aplicativo Credencial Sesc SP em 26/3, às 17h. Venda presencial nas bilheterias das unidades em 27/3, às 17h.
MÚSICA
Show “Pega, Mata e Come: 60 anos de Opinião”
Com Alessandra Leão, Xis, Paulo Tó, Ellen Oléria e Xeina Barros. Participação de Cecília Boal .
Com linguagem híbrida entre a música e o teatro, esta é, ao mesmo tempo, uma homenagem e uma recriação livremente inspiradas no “Show Opinião”, musical histórico dirigido por Augusto Boal em 1964, que teve como elenco inicial João do Vale, Zé Keti e Nara Leão (posteriormente substituída por Maria Bethânia). A idealização e concepção dessa proposta de espetáculo é do Instituto Augusto Boal, a direção é de Jé Oliveira e a dramaturgia de Mariana Mayor e Julian Boal. O elenco, com 5 artistas, será composto por Xis, Ellen Oléria, Paulo Tó, Xeina Barros, Alessandra Leão e participação especial de Cecília Boal. “60 anos de Opinião” terá uma linguagem híbrida, constituindo um show com intervenções teatrais, intercalando com as canções uma dramaturgia desenvolvida a partir de histórias trazidas pelo elenco.
Nessa nova configuração, “60 anos de Opinião” propõe uma releitura criativa da montagem original, trazem parte daquele repertório com canções emblemáticas como o samba “Opinião” de Zé Keti ou “Carcará” de João do Vale, mas também incorporando linguagens artísticas contemporâneas e trazendo para o centro do palco questões sociais, estéticas e políticas atuais que darão novos sentidos para o show Opinião de 1964.
4 e 5/4, quinta e sexta, às 21h.
Teatro Antunes Filho. Venda online pelo aplicativo Credencial Sesc SP em 26/3, às 17h. Venda presencial nas bilheterias das unidades em 27/3, às 17h.
TURISMO SOCIAL
Visita guiada ao DOI-CODI
Visita a pé, desde o Sesc Vila Mariana, ao antigo DOI-Codi, órgão subordinado ao exército de inteligência e repressão do governo brasileiro, durante a ditadura militar instaurada após o golpe de 1964. Com guia de turismo Dolores Freixas e o historiador Marcelo Godoy.
13/4, sábado, com saída às 9h30 do Sesc Vila Mariana. Inscrições encerradas.
TURISMO SOCIAL
Memórias difíceis: Memorial da Resistência e Cemitério de Perus
Roteiro de visita a lugares de memória da ditadura militar: o Cemitério Dom Bosco no bairro de Perus e o Memorial da Resistência, na região da Luz. Almoço incluso na Comunidade Cultural Quilombaque.
13/4, sábado, das 9h30 às 17h30. Inscrições encerradas.
CINEMA E VÍDEO
Orestes
Dir. Rodrigo Siqueira, SP/Brasil, 2015, 93 min.
A filha de uma militante política traída e executada, um policial, uma defensora da pena de morte, um ex-preso político, pais que perderam seus filhos e uma enfermeira que lida diariamente com o resultado da violência são alguns dos personagens que se confrontam nesta reflexão sobre os mecanismos da justiça e as possibilidades de resgate das culpas e dívidas de várias gerações. Fantasmas da ditadura, posições antagônicas sobre responsabilidade, ética e punição e os próprios ritos, tanto dos tribunais como da tragédia grega, são passados no fio da navalha, num processo em que a objetividade se procura, mas escapa.
7/4, domingo, às 16h. Classificação indicativa: 12 anos
Auditório. Retirada de ingressos online em 26/3, às 17h. Retirada de ingressos presencial em 27/3, às 17h.
CINEMA E VÍDEO
NOSTALGIA DA LUZ
Dir. Patrício Guzman, Chile, 2010, Documentário, 90 min.
No deserto de Atacama, astrônomos de todo o mundo se reúnem para observar as estrelas. Nessa região do Chile, a três mil metros de altitude, o calor do sol mantém intactos restos humanos. Ao mesmo tempo em que os astrônomos pesquisam as galáxias em busca de vida extraterrestre, mulheres procuram seus parentes na terra do deserto.
21/4, domingo, às 16h.
Auditório. Retirada de ingressos pelo aplicativo Credencial Sesc SP e nas bilheterias em 20/4, às 17h.
CINEMA E VÍDEO
QUE BOM TE VER VIVA
Dir. Lúcia Murat, Brasil,1989, Documentário, 97 min.
O filme aborda a tortura durante o período de ditadura no Brasil, mostrando como suas vítimas sobreviveram e como encaram aqueles anos de violência duas décadas depois. Que Bom Te Ver Viva, mistura os delírios e fantasias de uma personagem anônima, interpretada pela atriz Irene Ravache, alinhavado os depoimentos de oito ex-presas políticas brasileiras que viveram situações de tortura.
28/4, domingo, às 16h.
Auditório. Retirada de ingressos online em 27/4, às 17h.
TECNOLOGIAS E ARTES
PRODUÇÃO DE DOCUMENTÁRIO DE BAIXÍSSIMO ORÇAMENTO
Com Daniel Fagundes – Coletivo Caramuja
Estabelecendo um paralelo entre a linguagem audiovisual e a pesquisa das memórias individuais e coletivas, o curso partilha as principais ferramentas teóricas e práticas para a produção de pequenos documentários realizados com equipamentos simples, baixo orçamento e muita criatividade.
12, 19, 26/04; 3, 10 e 17/05, sextas-feiras, às 19h.
Espaço de Tecnologias e Artes. Inscrições em 2/4, às 14h, na Central de Atendimento, e online, pelo aplicativo Credencial Sesc SP, a partir de 9/4, às 14h.
TECNOLOGIAS E ARTES
ARQUEOLÓGICAS_ CAMINHAR E COLETAR MEMÓRIAS DA VILA MARIANA
Com a equipe do Estúdio Ceda el Paso
A oficina parte do pressuposto do pertencimento do corpo no espaço urbano, tendo o caminhar como forma de apropriação e constituição de subjetividade, cidadania e alteridade urbana, além de um instrumento ativo para reconhecer dinâmicas e vestígios participante de um viver localizado em outras temporalidades.
A atividade terá 4 encontros com o grupo, totalizando 11 horas de atividade, e prevê a confecção de um livreto foto-gráfico coletivo, em formato A3, para o compartilhamento de impressões, interpretações e experimentações entre os participantes.
10, 17 e 24/4, quartas-feiras, às 10h.
Espaço de Tecnologias e Artes. Retirada de ingressos online em 26/3, às 17h. Retirada de ingressos presencial em 27/3, às 17h.
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