Margens no centro

25/10/2022

Compartilhe:

Bem mais diversos são os agentes da cena cultural de 1922, quando o contexto em que emerge a Semana de Arte Moderna é vasculhado para além do cânone. Se ser moderno corresponde a pertencer ao próprio tempo, dialogando inventivamente com suas possibilidades e driblando suas limitações, então a presença no Theatro Municipal, seja na condição de artista ou de público, não pode servir como única via de acesso à modernidade. Até porque, na capital do estado de São Paulo, muitas portas encontravam-se fechadas às parcelas negras e pobres da população, aí incluído o palco da Semana. Diversos 22: projetos, memórias, conexões, ação em rede desenvolvida pelo Sesc para refletir sobre essa efeméride e a da Independência (1822), volta-se a problematizações como esta.

A expansão da Pauliceia foi tão desigual quanto vertiginosa. Em poucas décadas, na transição para o XX, a cidade se torna outra em termos urbanísticos e sociais, deixando de se concentrar na várzea do Carmo. O vento da modernidade passa a soprar por aqui, com o fervilhar das ruas, passeios públicos, parques, cafés e restaurantes. Crescendo de modo desordenado, a aspirante a metrópole “desenvolve-se” excluindo populações vulneráveis que viviam na região central, ao mesmo tempo que abastece esse espaço com transporte, lazer e comércio. Essa nova condição estava destinada ao usufruto de apenas uma parte dos citadinos. Passados mais de cem anos e após fuga do capital financeiro, o centro se mantém como local nevrálgico da vida paulistana, ironicamente abrigando fatias dos estratos socias que foram daqui alijadas no passado. Hoje, a região central tem algo de margem.

Especulando sobre os múltiplos sentidos que a palavra margem é capaz de evocar, a exposição Margens de 22: presenças populares opera para alargar as compreensões acerca do modernismo paulista. Organizada em meio às discussões sobre o legado da Semana de 1922 – sediada a pouco mais de um quilômetro de distância da rua do Carmo, no portentoso edifício de inspiração europeia –, a presente mostra assinala a influência daqueles que, embora do lado de fora do Theatro, contribuíram decisivamente para as acepções de modernidade formuladas nos trópicos. Para o Sesc, trata-se de reconhecer e valorizar práticas simbólicas recalcadas por dispositivos classistas e racistas, contribuindo para a reparação de danos históricos que inevitavelmente incidem no presente.

Danilo Santos de Miranda, Diretor do Sesc São Paulo

Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.