Marisol Palacios, diretora de “Esperanza”, quer que a peça rompa fronteiras para o reconhecimento de uma história comum latino-americana 

09/09/2024

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“Esperanza”: para Marisol Palacios, palavra que dá título ao espetáculo esconde uma armadilha. Foto: Paola Vera 

A diretora Marisol Palacios nasceu em Lima, nos anos 1960, e cresceu em um Peru onde não havia perspectiva. Quando ela tinha seis anos, o presidente Fernando Belaúnde Terry, eleito constitucionalmente, foi deposto por um general que levou as forças armadas para o poder, fazendo o país mergulhar em um roteiro bastante familiar para muitos vizinhos da América Latina: repressão violenta aos movimentos populares, enfraquecimento das instituições e aprofundamento de crises econômicas – um legado que a redemocratização, iniciada no começo dos anos 1980, não conseguiu combater, ainda mais com o fortalecimento do Sendero Luminoso, organização de guerrilha revolucionária considerada terrorista pelo Estado peruano. 

Em 1983, Marisol tinha 11 anos quando seu pai foi anfitrião de um jantar oferecido a um dos candidatos à prefeitura de Lima. A família se preparou por dias, com as mulheres da casa – Marisol incluída – limpando e organizando tudo para o grande evento. “O curioso é que o candidato não passou mais que dois minutos em nossa casa”, ela recorda. 

Trama do espetáculo se desenrola a partir de uma família que se prepara para receber um candidato à prefeitura em sua casa. Foto: Paola Vera
Trama do espetáculo se desenrola a partir de uma família que se prepara para receber um candidato à prefeitura em sua casa. Foto: Paola Vera 

Mas, para além de uma anedota familiar, a visita do candidato foi um dos pontos de partida para a criação do espetáculo teatral.  

Marisol conta que estava trabalhando em outro projeto, em meados de 2019, quando memórias começaram a surgir. Como flashbacks, momentos de sua história vinham à tona: a visita do candidato, nos anos 1980, e um outro acontecimento impactante para a família, quando seu irmão menor passou algumas horas desaparecido. “Foram só duas horas e ele foi encontrado, mas ele tinha quatro anos, e isso impactou muito a família toda”, relembra. 

A sensação de estar sempre esperando por algo que nunca chega, experimentada nestes dois momentos e relacionada fortemente aos anos em que Marisol crescia no Peru – “um país que não tinha saída”, nas palavras dela – foram a semente que se transformou, com a ajuda do dramaturgo Aldo Miyashiro, na peça que compõe a abertura desta edição do MIRADA, curiosamente intitulada… “Esperanza”. 

Atores em cena em “Esperanza”: para diretora, espetáculo reflete um ponto da história peruana que está se repetindo agora. Foto: Paola Vera 

“A esperança é uma armadilha. Ao mesmo tempo em que está relacionada a um sentimento positivo e desejável, também descreve um estado em que você nunca tem o que deseja – e fica sempre esperando”, resume Marisol. 

A trama do espetáculo acontece no interior de uma casa de classe média em Lima, ao longo de um único dia, no qual a família organiza um almoço para um candidato à prefeitura. A vitória do político pode garantir um bom cargo ao patriarca. Empolgado com uma perspectiva ilusória, contudo, o pai não se dá conta do caos que consome e deteriora as relações familiares, em um momento histórico nacional que misturava a expectativa por dias melhores ao lado de uma violência crescente. 

Embora se passe em 1983, dentro de um contexto histórico específico da época, na verdade o espetáculo também dialoga com os tempos correntes de seu país. “Estou usando o Peru dos anos 80 para falar também do tempo atual. Tudo na vida é cíclico, e o Peru voltou a este ponto em que não se vê saída”, acredita a diretora, que este ano vem ao MIRADA pela terceira vez, mas a primeira como criadora – ela esteve em duas outras edições como programadora, uma vez que foi diretora artística do FAE LIMA, grande festival de artes cênicas peruano. 

“É uma honra estar aqui com ‘Esperanza’. Fiquei emocionada ao receber o convite, foi muito bom saber que eu voltaria ao festival ocupando um outro lugar”, diz Marisol, que tem uma única expectativa para “Esperanza”: que o público do Brasil e do festival como um todo possa sentir que a peça também fala com eles. “É uma obra latino-americana; todos nós estivemos nesse lugar das ditaduras, das crises políticas e econômicas, dos enfrentamentos sociais. Que ‘Esperanza’, então, rompa as fronteiras”.  

“Esperanza”: expectativa de Marisol Palacios é que a obra ressoe também para o público brasileiro. Foto: Paola Vera

Marisol Palacios participou da programação da 7ª edição do Mirada no espetáculo Esperanza (PER) – Direção: Marisol Palacios (5 e 6/9) e nos Encontros ao Vivo – Miguel Rubio Zapata e Marisol Palacios (6/9) 

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