A quantos atalhos você recorreu para diminuir a distância entre os dias de isolamento, necessários para evitar a disseminação do novo coronavírus, e a vida como ela era antes disso tudo?
Trabalhando de casa – em esquema de home office – desde o mês de março, a relações públicas Aline Lima, por exemplo, se apegou à rotina de exercícios físicos para compensar a mudança de ares a que precisou se submeter.
Por dividir um apartamento com a irmã que, como médica, está mais exposta à contaminação, Aline decidiu mudar-se temporariamente, saindo da região central da capital, para a casa dos pais, localizada em Santo André, região metropolitana.
“Sinto falta da liberdade de sair, respirar ar fresco e de ir ao Sesc Avenida Paulista, unidade em que estou pelo menos três vezes por semana, para as aulas de Ginástica Multifuncional (GMF) e pilates. Mas, já que não é possível sair, mantenho uma rotina de exercícios, graças ao treino que o educador Conrado montou pra gente e às aulas e exercícios que agora conseguimos acompanhar online. Fazer exercícios tem sido muito bom, porque é o momento em que me desligo das notícias negativas e sinto que, pelo menos isso eu posso controlar”, explica.
Para a atriz Patrícia Meira de Paulo Simphronio, as atividades físicas também têm ajudado e muito, mas não são os únicos atalhos aos quais ela tem recorrido. Sem atuar há quase dois meses, Patrícia sente falta do trabalho e do público, mas tenta compensar essa ausência, mantendo um pé (mesmo que virtualmente) em atividades corriqueiras como encontros com os amigos.
“Além das aulas e exercícios, que acompanho pelas lives, faço questão de curtir e valorizar os shows que estão sendo transmitidos ao vivo e, sempre que possível, faço um happy hour online com os amigos”, revela.
Atalhos para longas distâncias
Também com saudade dos happy hours, mas ainda mais das escapadinhas para o litoral e, claro, das tardes em família no deck do Sesc Pompeia, de onde é vizinho, o publicitário David Barros Júnior também encontrou um atalho, mas não para um momento imediatamente anterior ao isolamento.
“Durante a quarentena, resgatei algo que não fazia desde a adolescência, que é desenhar super-heróis. A vantagem é que, agora, além de revisitar essa fase, posso fazê-lo na companhia de minha filha, Alice, e dividir essa viagem no tempo com ela”, comenta.
Quem também tem viajado no tempo durante a quarentena é Fernando Yama, estagiário da equipe Físico-Esportiva do Sesc Parque Dom Pedro II.
“Não sei se posso chamar isso de atalho, mas retomei um hábito que tem me trazido boas recordações. Quando criança, um primo costumava passar férias aqui em casa e era sempre assim: chegava o sábado, a gente acordava o mais cedo possível e corria para o videogame. Agora, com a quarentena, as manhãs de sábado às vezes viram esse retorno à infância, sabe? A alegria, pelo menos, é a mesma”, conta.
(Re)Descoberta
Para Alexandre Coimbra Amaral, psicólogo, Mestre em Psicologia pela PUC Chile e psicólogo do Programa “Encontro com Fátima Bernardes”, da TV Globo, todos estes artifícios aos quais as pessoas têm recorrido nesse momento tão singular, são importantíssimos.
“Quando a gente revisita a nossa história, redescobrindo dimensões que ficaram encobertas pelas areias do tempo, pela fumaça das horas, ou seja, pela dificuldade que a gente tem de ter tempo pra gente, levando a vida de maneira tão acelerada, como costumávamos fazer antes da quarentena, retornamos com um pedaço de nós que estava esquecido. Com isso, a gente vive um processo de reencontro muito profundo com quem somos e acho que essa é justamente uma das nossas principais tarefas durante essa quarentena“, avalia.
De acordo com Amaral, para que se possa compreender e mesmo vivenciar este período de metamorfose, precisamos tentar entender quem somos e em que estamos nos transformando durante este período de isolamento social.
“Para isso, é muito importante que a gente retorne àquelas partes nossas que estavam de lado, lá naquele cantinho do quarto, no baú da memória“, explica.
Um olhar adiante
Fazer essa conexão com o que vivíamos imediatamente antes da quarentena – ou, como vimos, às vezes nem tão imediatamente assim – é muito valioso, assim como o é também abraçar novos projetos.
Aline, por exemplo, tem se aventurado na cozinha. “Cozinhar já é algo de que eu gosto, mas agora estou me desafiando a fazer coisas novas. Recentemente fiz, pela primeira vez, uma receita de família: o ‘pão da minha avó’, que minha mãe sempre fez em casa. Acabei experimentando uma nova relação com a cozinha, porque a minha geração está acostumada com tudo para ontem e fazer pão envolve muitos processos (sovar, esperar o processo de fermentação e a massa crescer, etc.) e isso trouxe uma reflexão sobre o atual momento, precisamos esperar tudo passar para voltar à nossa vida normal. No fim, o resultado ficou muito parecido com o sabor da minha infância. Infelizmente minha avó não pôde provar, mas conseguiu ver a foto que postei no Instagram“
Para Alexandre Coimbra Amaral, nesse momento, é interessante pensar e fazer coisas novas, desde que a pessoa esteja aberta para isso.
“A incerteza, que hoje marca a percepção da vida, tem um poder muito grande de deixar a gente catatônico. Então, quando começamos um projeto novo, como aprender uma nova língua, escrever algo novo ou aprender a cozinhar, estamos fazendo o futuro acontecer dentro de nossa vida particular. E veja: isso não tem a ver com ser produtivo. Isso não tem relação com aquela ilusão,de que a gente só tem dignidade na produtividade, pois isso é uma construção perversa. Quando falo de uma atividade nova, tem a ver com alguma coisa que faça a sua alma cantar, que faça com que você sinta-se bem e que faça um anteparo mínimo a angústia e a toda a incerteza que a Covid trouxe para a nossa vida. Quando falo desse projeto novo, falo de uma pessoa que está trilhando, no presente, um projeto de futuro. E isso é importante para entregar um pouco mais de esperança, um pouco mais de oxigênio, para a alma que fica combalida pelo medo, pela incerteza, pela insegurança, pela angústia, durante essa quarentena“, conclui Alexandre.
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