Moara Tupinambá e a arte de contar sua história 

04/08/2023

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A multiartista nascida em Mairi – Belém do Pará – une arte e ativismo para resgatar sua história: entre desenho, pintura, colagens, instalações, escrita, vídeo-entrevistas, fotografias, literatura, o objetivo é recuperar aquilo que foi apagado e retirado dos povos originários.  

Com essa potência indígena que vem se firmando na cena artística brasileira, a partir do dia 11 de agosto, Moara Tupinambá estará no Sesc Campo Limpo, como parte da programação do projeto Agosto Indígena, para realizar uma intervenção artística no muro que está localizado na calçada da entrada da unidade, utilizando a técnica de colagem vista na série Mirasawá. No dia 13, ela mostra ao público como funciona o seu processo criativo, com a oficina Nossa Ancestralidade Indígena. Aproveitamos para conversar com Moara, que nos contou sobre seus caminhos nessa sua luta diária pela memória e história de seu povo. Boa leitura!  

Ainda na infância, qual a sua primeira lembrança de ter tido contato com a arte? 

Foi quando minha prima veio de Cucurunã [comunidade rural/urbana localizada em Santarém do Pará, no Tapajós] morar em Belém, para estudar: ela gostava muito de desenhar e tinha facilidade em Biologia, por causa de nossa avó, que era erveira, benzedeira e tinha essa conexão muito forte com as raízes e as plantas medicinais. Ela trouxe um lápis para mim e para meu irmão, então comecei a me identificar com desenho de retrato, e isso tem muito a ver com as colagens hoje. 

Dona Estevina. Crédito: Moara Tupinambá

A partir de que momento você decide prosseguir na carreira de artista para desenvolver o seu trabalho?  

Considero que decidi ser artista em São Paulo, depois que fiz um curso com a Catarina Gushiken. Em 2016, em minha primeira exposição, de desenhos em nanquim, vendi todos eles. Falei: quero continuar nesse caminho. Trabalho com várias plataformas, e nessa época, comecei com desenho, depois fui para as colagens, filme, fotografia, design. 

Você é uma multiartista, atuando em diversas frentes: vídeo, escrita, pintura, colagens. Esse caminho surgiu naturalmente? 

Acho que sempre fui assim. Minha família faz muitas coisas, minha mãe é formada em Filosofia, e meu pai, em Literatura. Me atraio muito por essas áreas. Tudo isso está dentro do meu trabalho e da minha pesquisa principalmente.  

Quando foi que sentiu reconhecimento profissional a partir da sua identidade? 

O Museu da Silva [projeto de pesquisa autônoma acerca da documentação e memória de sua família] me levou para caminhos mais profundos na arte contemporânea e foi quando tive o reconhecimento através de um prêmio do Centro Cultural São Paulo, selecionada como uma das artistas revelação. A partir disso, participei também de outros prêmios. Fui premiada no Salão Paranaense de Arte Contemporânea [Museu de Arte Contemporânea do Paraná] com esse mesmo trabalho, e depois, no ano passado, pelo Instituto Tomie Ohtake. Começaram a olhar para os trabalhos de colagem, que faço desde 2017. Elas fazem parte do meu ativismo.  

Em que momento sua produção ganha esse aspecto de ativismo pela história e memória dos povos originários?  

Inconscientemente, já construía as colagens e fui provocada pela Catarina Gushiken, em 2017. Catarina, que é uma mulher Okinawa, mestiça, me falou: ‘por que você não vai atrás das suas origens? Você traz isso no seu trabalho e não sente falta?’ Foi uma provocação filosófica, de eu falar: ‘caramba! Eu nunca tentei buscar em mim a minha história’. Foi quando perguntei para o meu pai: ‘como é a nossa história? A gente tem uma origem indígena, mas você sabe?’ E aí, ele começou: minha filha, nasci em uma comunidade, seu avô era líder em uma comunidade, e morreu na roça – o que inclusive, eu não sabia que meu avô tinha morrido, porque não o conheci. Meu pai tinha seis anos quando ele morreu. A gente é uma mistura de Tapajós com Tupinambás, povos ali presentes, de origem Tupi.  

Então você quis saber o porquê de seu pai nunca ter levado vocês até lá? 

Ele foi para Belém porque meu avô morreu, a minha avó ficou sozinha e entregou os filhos para o seminário, meu pai ia ser padre, e as filhas [entregou] para os homens. Era o pensamento da época [anos 1960]. Em 2018, entrei em um grupo de estudos, e comecei a pesquisar a história da minha família. Fui para Cucurunã, na comunidade, minha primeira viagem. Era uma estranha ali, só que quando chego, me perguntam: quem é você? ‘Sou neta da Maria Fortunata, do Pedro Delgado’, a quem todo mundo chamava de tio. Ia gravando áudio dos mais velhos, que já morreram, e escrevendo, reconstruindo a história da comunidade. Por isso que falo desse projeto, o Museu da Silva, pois são vários Silvas que foram sendo apagados na história, e fomos reconstruindo.  

Qual aspecto considera fundamental em seu trabalho a partir da valorização dos povos originários? 

Levantar a autoestima da origem indígena: sentia que as pessoas tinham vergonha, principalmente a família do meu pai. É um pessoal de origem muito humilde, de zona rural. Quando percebi, achei que meu trabalho seria de fortalecer a nossa cultura, a nossa origem, a partir da arte, e não deixar morrer. Trazer os comunitários para as colagens, que são as pessoas que a gente valoriza. Minha avó, uma grande guerreira, de conhecimentos ancestrais, viveu até 104 anos, ela sabia da tecnologia Tarubá [bebida à base de mandioca] e isso estava se perdendo. Hoje já produzem Tarubá, farinha. Isso está junto com meu trabalho: trazer a nossa autoestima e o orgulho indígena. Já falaram que somos atrasados, do passado, preguiçoso, ouvi minha prima falando isso: ‘eu tenho vergonha de falar que sou de uma comunidade’. Hoje ela não tem mais, e é uma grande liderança da agricultura familiar. Então acho que [minha obra] está nesse lugar. 

Forró Sideral. Técnica: colagem digital. Crédito: Moara Tupinambá

Como vice-presidente da associação multiétnica Wyka Kwara, como funciona a abordagem inicial com o indivíduo de origem indígena que está inserido no contexto urbano das grandes cidades? 

Esse lugar, do contexto urbano, que eram também antigas aldeias, está cheio de feridas, e precisamos construir territórios de bem-viver, já que a gente está vivendo aqui. Em Campinas, onde estou, tem uma luta muito forte, com os indígenas da Unicamp. Mesmo assim, teve suicídio e indígena se metendo com alcoolismo: acabam fazendo coisas que não estão acostumados. Esses são assuntos muito delicados, e é importante que tenha essa rede de acolhimento multiétnica para mostrar que a cidade tem todas essas problemáticas. Se a própria pessoa que não é indígena já sofre, imagina o indígena que vem de uma comunidade para estudar.  

Conte um pouco sobre a série Mirasawá e os elementos que ela traz em sua construção. 

Mirasawá significa povo, em Nheengatu, ou povos, nação. Trago o retrato, principalmente, de mulheres. Elas carregam em si algo muito forte, que é essa continuidade das tecnologias ancestrais, uma delas é a Deusa, que considero alquimista da floresta. Aprendeu com uma tia avó nossa, uma pessoa que tinha poder de visão, oráculo e sabia quais são as medicinas para curar. A sabedoria dessas mulheres, que são a nossa fortaleza, me inspirou muito na vida, porque elas têm um poder central. Tenho trazido também homens, que vão aparecer nas próximas séries. São os mais velhos, que têm uma influência muito forte na cura. É uma série que fala sobre cura ancestral, e em busca do nosso povo, da nossa origem. 

Catarina Delfina dos Santos e Guaciane Gomes – guarani. Crédito: Moara Tupinambá
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