Foto: Betina de Tella
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Para entender o hoje, é necessário olhar para o ontem. Para pensar e criar um futuro sem violência, é preciso recuperar o histórico de luta e tudo o que ainda pode ser feito no sentido de melhorar a vida das mulheres e meninas do mundo atual.
Os anos 1970, por exemplo, foram marcados por diversas mudanças sociais importantes, além de transformações culturais e políticas. O punk rock se disseminou com a sua estética de enfrentamento, diversos países latino-americanos enfrentam regimes militares autoritários, surgem os primeiros computadores e jogos eletrônicos… Nesse cenário de ebulição cultural e tecnológica, a sociedade também se movimenta, observando e sentindo a necessidade de mudanças. Surgem e se fortalecem movimentos organizados em busca de direitos civis, equidade de gênero, liberdade sexual e respeito às sexualidades. Em meio a esse período, a Organização das Nações Unidas estabelece o dia 8 de março como Dia Internacional da Mulher, um decreto que visibiliza e homenageia a luta das mulheres por igualdade de gênero.
Começamos olhando para os anos 1970 para entender a dimensão que o mês de março foi ganhando ao longo do tempo. A data permanece até os dias de hoje como uma conquista das mulheres, um marco simbólico de busca por justiça e uma tentativa de combater as desigualdades. Ao longo do tempo, o próprio mês de março se consolidou como um período emblemático, que abarca as discussões sobre mulheridades e direitos iguais.
O Sesc incorpora em sua programação diária, e durante todo o ano, debates, espetáculos, discussões literárias, cursos, oficinas, entre outros, que trazem mulheres como protagonistas de suas histórias, que denunciam as violências, que fazem alusão à importância de se considerar raça, classe, sexualidade nas perspectivas teóricas. O mês de março também acolhe, partindo desses simbolismos de lutas construídas há décadas, muitas dessas atividades.
Na programação “Violência de gênero: o patriarcado está morto?”, promovido pela Revista Cult em parceria com o Sesc, o Sesc Avenida Paulista recebeu grandes nomes da política, do ativismo, da literatura e música, para declamarem os textos publicados no dossiê da revista, que giravam em torno do reconhecimento desse imbricado sistema de colonização do gênero, e se ele estaria ou não chegando ao fim.
Declamado pela escritora feminista Amara Moira, o texto de Clélia Prestes, pesquisadora e Doutora em Psicologia Social, brada:
Mulheres negras, além de lutarem por vida digna, têm se posicionado coletivamente como militantes e intelectuais, organizando resistência política, afirmando a própria existência (…) Justamente por causa da imposição da morte, escolhemos a saúde, em honra a ancestrais que planejaram que viveríamos, e irmanadas com mulheres racializadas de diferentes territórios, escolhemos ecoar o bem viver.
Mel Lisboa, Bel Mayer, Zélia Duncan, Avani Fulni-ô foram algumas das intérpretes dos escritos redigidos por Manuela D’ávila, Geni Nuñes, Patrícia Maeda, entre outras. Frente ao microfone, sob uma luz baixa e escura e diante de dezenas de pessoas, a cantora e compositora Badi Assad recita com voz leve: “o que pode ser mais antagônico às ideias misóginas do que as mulheres que ocupam o espaço público?”. A frase, escrita por Manuela D’ávila, expõe a faceta principal do projeto. Um recital poético político em que mulheres se apropriam daquilo que lhes pertence.
Já no Sesc Bom Retiro, a escritora Valeska Zanello realizou o lançamento do livro “Masculinidade e dispositivo da eficácia”, uma reflexão necessária, sutil e ao mesmo tempo afiada, acerca da maneira como a sociedade molda os padrões de masculinidade e reforça a propagação de violências não só de homens contra mulheres, mas também contra seus pares. A obra questiona estereótipos e propõe uma reeducação, usando a linguagem artística das charges e tirinhas. O público ocupou o teatro do Sesc Bom Retiro e participou com afinco e atenção, enquanto a escritora questionava quais tipos de subjetividades estavam sendo construídas na cultura atual.
Zanello trouxe uma visão que abordava a importância de envolver os homens nas discussões sobre o sexismo que eles praticam e do qual também são vítimas. Para a escritora, “pensar sobre o que significa ‘sexismo’ é benéfico para todos” – sem ignorar o impacto da misoginia na vida das mulheres, principais vítimas dessa violência.
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“O grande desafio para os homens no combate ao machismo é chamar atenção de outros homens quando cometem violências”.
Valeska Zanello
O trabalho destas mulheres diversas está enraizado em uma mesma base: o enfrentamento contínuo às ideologias violentas que acorrentam, oprimem e subalternam as potências das mulheres. E este enfrentamento, que começou muito antes dos anos 1970 e não tem data para terminar, demonstra que nunca foi estático.
Seja nas ruas, nos palcos, nos livros ou nas rodas de conversa, as mulheres desafiam as estruturas que insistem em limitá-las. O mês de março segue não apenas como um momento de reflexão, mas como um lembrete de que um futuro sem violência e que reconheça as pluralidades e potencialidades de todas as pessoas só é possível se a sociedade como um todo se comprometer com ela.
Assim como descreveu Zanello, o combate ao machismo não é responsabilidade exclusiva das mulheres. Juntos e juntas, é possível construir possibilidades de existência e convivência plena. É possível criar novos futuros.
*Thamires Motta é jornalista (Unesp), mestra em Filosofia (USP) e Editora WEB no Sesc São Paulo.
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