Desde 2018, o Sesc Sorocaba realiza o projeto Mulheria, em alusão ao 8 de março, quando é celebrado o Dia Internacional da Mulher, data que historicamente marca a luta pelos direitos das mulheres e pela igualdade de gênero. A programação, que abrange diversas linguagens artísticas e atende a diferentes públicos, busca promover um espaço de reflexão sobre as questões de gênero, além de fortalecer e dar visibilidade ao protagonismo das mulheres.
O termo, que para nomear o projeto foi revisto e reconfigurado para o feminino, foi inspirado no Mulherio, importante periódico feminista brasileiro da década de 80, dedicado à divulgação de pesquisas, produções e experiências que envolviam o universo feminino.
Em 2025, o projeto aprofunda a pesquisa no território de Sorocaba e região ao celebrar a ancestralidade de importantes mulheres que, por meio de suas trajetórias e vivências sociais, abriram caminhos para as gerações atuais vislumbrarem possibilidades mais sensíveis, justas e coletivas de atuação, seja na esfera privada, seja, principalmente, na vida
em comunidade.
O Sesc Sorocaba, assim, convidou Ariani Teodoro, Daia Moura e Flávia Aguilera, articuladoras culturais da cidade, para a curadoria e pesquisa dedicadas à vida de Julieta Chaves, Maria Aparecida Rosa de Aguiar (Dona Cida), Ondina Seabra, Salvadora Lopes, Rosângela Alves e Zilá Gonzaga – mulheres que inspiram, ainda hoje, outras gerações.
De forma a reverenciar suas trajetórias, não se trata apenas de revisitar suas memórias, mas criar diálogos entre passado, presente e futuro e celebrar vozes que, por vezes, foram invisibilizadas pela história oficial.
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Conheça as seis mulheres celebradas pelo projeto Mulheria, em 2025:
Julieta Chaves: a santinha de Sorocaba (1892 – 1899)
Falar de Julieta é memorar e proteger a infância. Muitos nomes carinhosos foram destinados à menina Julietinha. Diversas histórias rondam sua memória e a força com que sua existência ganhou e atravessou os tempos.
Julieta Chaves, conhecida como a Santinha de Sorocaba, teve sua vida interrompida num crime bárbaro, que marcou profundamente a história da cidade. A menina foi violentada e assassinada pelo professor João Vieira Pinto em 1899. O crime bárbaro impactou a cidade e a região, ficando conhecido e marcado na história. É importante que o caso seja contado e que possamos como sociedade encontrar caminhos para a proteção das infâncias.
O modo como a história de Julietinha sensibilizou as pessoas está fortemente atrelado ao seu encantamento e ao modo como o povo passa a se comunicar com ela através da religiosidade. Muitos fiéis de Julieta recebem graças e até hoje a capelinha erguida no cemitério da Saudade em sua homenagem vive repleta de flores e presentes em agradecimento.
Honrar o nome de Julieta é honrar a infância e a fé popular. Ela teve sua vida covardemente ceifada, mas a potência de sua memória através da história oral jamais foi esquecida. Lembrar seu nome e dignificar sua imagem é firmar a esperança de que meninas não tenham mais seus futuros brilhantes interrompidos.
Salvadora Lopes: a grande representação da luta operária (1918 – 2006)
Operária, sindicalista, ativista política, em 1947 foi a primeira vereadora da região de Sorocaba.
Soube como ninguém defender a classe trabalhadora. Conhecia de perto o sofrimento e os desafios do operariado, pois, aos dez anos, iniciou a vida de trabalho na indústria de tecidos de Sorocaba. Sua luta começou cedo, ao se envolver com anarquistas e trabalhadores que mostravam outras possibilidades naquele universo precário e injusto do chão de fábrica. Aos onze anos, participou da primeira greve na Fábrica Votorantim, movimento esse que buscava a redução da jornada de trabalho de dez para nove horas. Salvadora nunca mais parou de erguer a voz contra as opressões que assolavam o operariado. Inspirava-se nas companheiras e nos companheiros de luta, mas dentro de casa também era ensinada pela família a ter consciência de classe e a lutar pelos seus direitos.
Além disso, Salvadora Lopes cresceu na Vila Hortência, historicamente reduto de anarquistas e comunistas que discutiam a exploração capitalista e se organizavam coletivamente. Salvadora é um nome de muita força que inspirou seus contemporâneos às lutas por direitos e dignidade, e hoje segue sendo a grande referência política feminina para todos os movimentos sociais, para educadoras, artistas e pesquisadoras.
Ondina Seabra: a força torrencial das águas transformando a educação (1921 – 2024)
Ondina Seabra foi professora e diretora escolar. Em entrevistas, relata que estudou também Administração, participou de diversos movimentos negros, relacionados por exemplo, com a Frente Negra Brasileira e com a Irmandade de São Benedito.
Incentivada por sua mãe a estudar, tornou-se a primeira professora negra da cidade de Sorocaba. Numa época em que crianças negras não tinham os direitos básicos à educação assegurados, Dona Ondina, além do processo de alfabetização, foi muito além e realizou o sonho de ensinar as letras à sua comunidade.
Contrariando e driblando todas as estatísticas, teve uma trajetória exitosa, exemplar e longeva. Existência de constância e teimosia, bravia como uma tempestade, arruinou os estereótipos e os paradigmas da opressão machista e racista. Lembrada por pessoas da área da educação, mas não só, representa um grande pilar do movimento negro e de todos os movimentos sociais.
Poder de movimento e transformação que marca o nome Ondina Seabra, marca suas ações e todas as pessoas que de algum modo foram tocadas pela sua dedicação ao universo da educação. Dona Ondina, uma verdadeira onda de mudança e perseverança no nosso território.
Zilá Gonzaga: a estrela da rádio (1934 – 2021)
Zilá Gonzaga, radialista exímia, trabalhou não apenas com locução em programas populares, mas também foi operadora, radioatriz, dramaturga de radionovelas, produtora e pesquisadora das questões musicais.
A paixão pela arte da locução despertou a ousadia e resultou no pioneirismo de Zilá . Extremamente audaz e criativa, desafiou a própria família e derrubou inúmeras fronteiras que poderiam separá-la da profissão que a consagrou como uma das primeiras artistas negras reconhecidas da região de Sorocaba.
Rainha Zilá foi a voz que adentrou a casa e o coração das pessoas. Além de ser a idealizadora de inúmeras histórias que encantaram e inspiraram o povo sorocabano, não foi apenas aqui na região que Zilá plantou sementes como trabalhadora da arte, uma vez que passou dez anos trabalhando na cidade de São Paulo, onde ampliou seus conhecimentos. Zilá Gonzaga era audaz e muito sensível, tinha uma aguda percepção das tendências artístico-musicais e sabia como entregar excelentes conteúdos para seus ouvintes. Voltando a Sorocaba, sua terra natal, manteve sua fama consagrada, ganhando sempre o carinho de suas parcerias de trabalho e de seus fãs. Sem dúvida, Zilá é nossa maior estrela da arte do rádio e fez história com sua voz.
Dona Cida: símbolo da luta contínua pela liberdade (1945 – 1999)
Maria Aparecida Rosa de Aguiar, parteira, rezadeira e benzedeira, importante liderança feminina quilombola. Uma mulher de axé, agricultora e zeladora dos saberes do Quilombo Cafundó.
Trazer para esta mulheragem a trajetória de Dona Cida é um modo de fazer justiça social e epistêmica. Os saberes dessa matriarca são saberes que advêm de Turi Vimba, Terra de Preto em Cupópia, língua ancestral do Quilombo Cafundó. Manter uma língua, os cuidados e manejos da terra, os ritos e sabedorias de “acordar” as ervas e promover a cura, são partes fundamentais de um conhecimento rico e valioso. Conhecimento de profundidade e robustez, que vai muito além da noção de cultura, religião, educação e ética que aprendemos na escola como conceitos presos a um livro.
Os saberes das mulheres quilombolas são imperiosos e imprescindíveis neste momento tão delicado das relações humanas com o planeta Terra. Honramos, agradecemos, celebramos, nos inspiramos e desejamos aprender e avançar com as dinâmicas coletivas e afetivas das estratégias e ferramentas cultivadas por Dona Cida. Com o seu labor, juntamente com suas contemporâneas e ancestrais, ela nos ensinou que a peleja pela liberdade se dá em diferentes âmbitos e dimensões, e é uma luta que continua…
Rosângela Alves: a rainha negra (1964 – 2017)
Rosângela Alves foi formada pelo magistério em Sorocaba, licenciada também em Educação Física, ativista das causas negras desde a adolescência. Integrante e depois regente do Coral das Mulheres Negras, articuladora de diversos movimentos culturais e atuante em busca de políticas públicas para a população negra.
Em resumo algum caberia o oceano de força e beleza que foi (e é) a vida de Rosângela. Uma verdadeira rainha, que soube movimentar sua comunidade com pensamento estratégico, eficiência, sabedoria e muito afeto. Uma mulher que nunca mediu esforços para levar seus projetos à frente. Integrante do Clube 28 de setembro e do NUCAB (Núcleo de Cultura Afro-brasileira da Universidade de Sorocaba – UNISO), foi presidente do Conselho do Negro, foi criadora e gestora de inúmeros projetos, dentre eles o Centro Cultural Quilombinho, que foi um verdadeiro quilombo da comunidade negra de Sorocaba.
Voz de brilhante e extraordinária oratória, em cada passo que avançou, Rosângela levou consigo os seus ancestrais e fincou a bandeira da negritude. Seu encantamento tão precoce nos faz refletir sobre o campo de batalha da educação e da militância negra. A memória de seu nome evoca a força e o legado que a Rainha Negra, embaixadora da cultura afro, semeou e viu florescer.
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Confira a programação completa do projeto em: sescsp.org.br/mulheria
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