“Nunca o ser humano esteve tão ciente do peso e do passo da história como nos dias de hoje. A ideia de tempo enquanto constructo social e coletivo, encarnada nos paradigmas e comportamentos que alicerçam uma sociedade, vem sendo sucateada dia a dia, segundo a segundo, por tecnologias pervasivas que implodem as fundações de toda lógica, ética, estética e política estabelecidas. Submersos, enfeirados e anestesiados no fluxo de informação e desinformação sem precedentes que invadiu o cotidiano, nos debatemos para desvelar as virtudes e os vícios desse Frankenstein chamado inteligência artificial (IA) generativa.
Embora eu venha investigando a IA generativa desde 2019, ao ser convidado para ilustrar esta publicação, busquei produzir uma série de ilustrações heterodoxas que dialogassem com os textos, mas que também evidenciassem as idiossincrasias da ferramenta, os possíveis desvios à norma, e a sua evolução ao longo do seu curto tempo de existência. As imagens foram criadas com diferentes modelos e versões de IA generativa text-to-image (Midjourney, Runway e Stable Diffusion), tecnologia que utiliza modelos de aprendizado de máquina profundo para criar imagens a partir de descrições textuais.
Diversas questões vêm sendo elencadas, por críticos e criativos, relacionadas ao uso da IA generativa: a origem espúria dos dados por meio dos quais os algoritmos foram treinados, a redução dos outputs a uma mediana, os diversos vieses embutidos nos modelos, o monopólio da tecnologia por poucas corporações e a falta de regulação e de estudos de impacto no setor. Outra leitura recorrente é a de que a IA aprofunda a fissura epistêmica, amplificando as capacidades daqueles que já estão plenamente inseridos na cultura digital e discriminando ainda mais aqueles historicamente à margem.
Nesse contexto, se olharmos para o passado, percebemos que todo novo meio gerou polêmicas, medos e otimismo. Contudo, a potencialidade disruptiva,
os “mistérios da caixa preta” e a extrema concentração de poder indicam que a IA generativa introduz novas variáveis, ainda mais complexas,
em comparação às que ocorreram com o surgimento da fotografia, do cinema, do rádio, da TV e da própria internet. Os avanços exponenciais
a curtíssimos intervalos de tempo (o Midjourney se atualiza, em média, a cada dois meses) e a oferta pública imediata para cada nova microdescoberta
no âmbito dessa tecnologia fazem com que seus impactos sejam sentidos instantaneamente, enquanto as consequências do seu uso social
massivo em curto, médio e longo prazo são imprevisíveis. Por outro lado, a concentração dessas tecnologias num grupo pequeno de corporações que,
na falta de regulação, impõem à força a sua ideologia, nos torna cobaias de um experimento social tecnocrático e neocolonialista.
Como artista e pesquisador que vem discutindo a tecnologia na arte desde os anos 2000, procuro compreender empiricamente o funcionamento
dos algoritmos de IA de modo a revelar suas estruturas, vieses e contradições, no interesse particular de explorar desvios à mediana”.
Fernando Velázquez é artista, curador e professor. Investiga os dispositivos técnicos enquanto agentes mediadores da percepção. É Mestre em Moda, Arte e Cultura. Pós-graduado em Vídeo e Tecnologias On e Off-line e em Gestão Cultural Contemporânea. Participou de exposições como “Mundo de redes” (Centre Pompidou) e “The Matter of Photography in the Americas” (Stanford University). Recebeu, dentre outros, o Prêmio Sergio Motta de Arte e Tecnologia (Brasil, 2009). Entre 2015 e 2018, foi o curador e diretor artístico do Red Bull Station em São Paulo. Atualmente é professor na pós-graduação Linguagens da Arte Contemporânea, da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). E-mail: ferstman@gmail.com
Baixe o ensaio completo aqui:
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