* Por Petronilha B. G. e Silva
O projeto Do 13 ao 20 – (Re)Existência do Povo Negro, concebido pelo Sesc São Paulo no ano de 2019, é de significativa importância para a sociedade brasileira. É uma oportunidade para fazermos denúncias contra o racismo e preconceitos, assim como incentivar o conhecimento da história e da cultura de africanos e de afrodescendentes. Oportunidade de aprendizagens significativas para quem se dispuser a contemplar, conhecer, interpretar experiências, criações, obras de afro-brasileiros, de seus antepassados africanos escravizados, como também de africanos do Continente e de distintas Diásporas Africanas. Experiências, pensamentos, tecnologias e outras criações, e espiritualidades de distintas naturezas estão expostas em imagens, em textos traçados por palavras ditas e escritas, por gestos e danças, músicas, artes plásticas, artesanato. Criações que constituem lugares de memória: registros materiais e imateriais da vida, da história, da sabedoria, dos conhecimentos dos afro-brasileiros e de seus antepassados, dos africanos escravizados.
A programação se constitui de oportunidades de produção de conhecimento e de convívio, que permite à sociedade brasileira aprender sobre o racismo persistente contra os negros. E buscar formas de combater e superar crueldades geradas pelo racismo cultivado pelo desconhecimento e/ou desvalorização da história e cultura dos brasileiros afrodescendentes.
O ciclo poderá se constituir em um movimento sankofa, como bem representa o seguinte símbolo africano: o pássaro que busca na plumagem sementes para se alimentar e, então, prosseguir, avançar; construindo e reconstruindo caminhos. Sankofa ensina que é preciso olhar para o passado, colher lições, a fim de construir o presente e projetar o futuro. As atividades Do 13 ao 20 – (Re)Existência do Povo Negro, inspiradas na filosofia expressa por sankofa poderão propiciar distintas maneiras de informar – mais do que isso – de educar, ao expor os sofrimentos da experiência de ter sido escravizado, de insistir para ter reconhecida a contribuição dos africanos escravizados e de seus descendentes na edificação da nação brasileira. Embora feridos profundamente em sua humanidade, não boicotaram, os africanos escravizados, a produção em lavouras e extração de minérios; ao contrário, transferiram, recriaram, criaram conhecimento, tecnologias, artes, espiritualidades. Sua participação, pois, na formação do país e do povo brasileiro foi decisiva, embora ainda não devidamente reconhecida em todas as suas dimensões.
Nos próximos sete meses, estas atividades constituem um importante instrumento de educação ao criar condições para que se compreenda quem são os negros brasileiros, como constroem sua cidadania, como combatem o racismo, como e o quanto seus antepassados, embora escravizados, contribuíram para a construção desses brasis. Informarão sobre a realidade em que a população negra brasileira vive, sobre os efeitos cruéis do racismo e o extermínio cotidiano de jovens homens negros. Mais ainda, poderão oferecer informações para que o público possa compreender que nós, brasileiros, somos fruto de uma sociedade construída com conhecimentos, sensibilidade, sabedoria de africanos aprisionados tratados como se fossem objetos de propriedade de homens e mulheres brancos europeus.
É triste e difícil expor as crueldades da escravização de africanos trazidos para o Brasil do século XV ao XIX. Certamente, deve ser vergonhoso, para os descendentes dos escravizadores, reconhecer a crueldade de seus antepassados. É bem verdade que alguns desses são indiferentes; assim, sem nenhum pudor, continuam reproduzindo as cruéis relações estabelecidas por seus antecessores.
Por que de 13 de maio a 20 de novembro?
Primeiramente, para que se compreenda que na data de 13 de maio não há o que celebrar, uma vez que Lei Imperial n.º 3.353, de 13 de maio de 1888 – que extinguiu o sistema de produção escravista no Brasil – não previu nenhuma medida que garantisse emprego, educação e meios de sobrevivência aos escravizados libertos. Ficaram eles, entregues a sua própria sorte. Esperava-se que definhassem, pois havia um projeto para tornar a sociedade brasileira a mais próxima possível do mundo europeu, o que requereria o desaparecimento dos negros. É com esse propósito que, de um lado, se passa a incentivar imigrações de europeus, notadamente italianos e alemães, para substituir a mão de obra escrava nas lavouras; e, de outro, não se educam os antigos escravizados, nem em escolas, tampouco para o trabalho nas indústrias nascentes. Como se vê, não há o que celebrar, mas certamente há o que denunciar. Por isso, o Movimento Negro Brasileiro, por proposição do Movimento Negro Unificado, em 1978, estabeleceu que no 13 de maio se devia denunciar veementemente a ausência de políticas de combate ao racismo e de promoção da igualdade racial. Estabeleceu-se, assim, que a data de 13 de maio é o Dia nacional de denúncia contra o racismo. Não há, pois, o que comemorar, mas a elucidar sobre a história, sobre as condições de vida da população negra, sobre o período pós-abolição até os nossos dias. Há que denunciar as desigualdades raciais na educação, no trabalho, nos tratamentos de saúde. Há que fazer face ao extermínio, assassinatos diários, sobretudo de jovens homens.
Para tanto, é preciso que se identifiquem, nacional e regionalmente, datas e oportunidades para a celebração de lideranças negras e suas iniciativas. Entre elas cito algumas já ancestrais, tais como: Tereza de Benguela, Luiza Nahim, Carolina Maria de Jesus, Mãe Menininha do Gantois, Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Tereza Santos, Luiza Bairros, Zumbi dos Palmares, José do Patrocínio, João Cândido (o Almirante Negro), Henrique Antunes Cunha, José Correia Leite, Abdias do Nascimento, Jônatas Conceição, Oliveira Silveira.
E o 20 de novembro? Esse sim, dia para celebrar. Mas não é essa a data do assassinato de Zumbi dos Palmares? Sim, é. Nessa data, é celebrada a luta de todos os palmarinos, a sua capacidade de organização, planejamento, luta, solidariedade com não negros também desrespeitados e perseguidos. É celebrada a luta que inspira os afro-brasileiros, hoje, para não se deixar assimilar pelos interesses dos que os exploram, desprezam, discriminam, dos que tentam eliminar os negros e também indígenas, ciganos, pessoas empobrecidas, entre tantas outras. Lembramos, nessa data, que em 1695 o Quilombo de Palmares foi destruído, seu líder Zumbi assassinado e que esses fatos têm de ser rememorados por todos os brasileiros, a fim de que, ao reconhecer e combater as causas do racismo que nos destrói a todos, sejamos capazes de construir uma sociedade justa, solidária e democrática.
O Grupo Palmares, em Porto Alegre, no ano de 1971, celebrou, como costumam dizer seus antigos integrantes: o Primeiro Vinte. Distintos grupos do Movimento Negro, pelo Brasil afora, acolheram os estudos e a proposta desse grupo e acordaram que no 20 de novembro – ao celebrar o Quilombo de Palmares, a atuação e lições de Zumbi, Dandara e dos demais quilombolas palmarinos – celebraríamos também a Consciência Negra.
* Professora Emérita da Universidade Federal de São Carlos. Cavalaria da Ordem. NACIONAL DO MERITO, Professora SENIOR junto ao Departamento de Teorias e Práticas Pedagógicas da UFSCAR. Pesquisadora junto à ao NEAB/UFSCar. Milita junto ao Movimento Negro Brasileiro. Relatora do Parecer CNE/CP 3/2004, do Conselho Nacional de Educação que estabelece as DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ETNICO-RACIAIS E PARA O ENSINO DE HISTORIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA.
De 13 de maio a 20 de novembro, todas as unidades do estado oferecem ações artísticas, reflexivas, experimentais e formativas que abordam as lutas, conquistas, manifestações e realidades do povo negro. Acompanhe a programação completa aqui.
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