habituada a transitar entre os palcos e as telas, atriz Rosi Campos relembra personagens marcantes e reflete sobre experiências artísticas
Por Guilherme Barreto e Luna D’Alama
Leia a edição de julho/23 da Revista E na íntegra
Foi com uma tia professora, chamada Bárbara, que a menina Rosângela Campos teve seu primeiro contato com o teatro. Na cidade de Santa Cruz das Palmeiras, interior paulista, a tia estendia lençóis no varal e convidava as crianças da família a encenar histórias em frente à cenografia improvisada. A atriz Rosi Campos levou a sério as brincadeiras e, hoje, coleciona quase quatro décadas de vida dedicadas ao palco, à televisão e ao cinema. Foi pela tela grande, inclusive, que ela se apaixonou enquanto estudava jornalismo na Universidade de São Paulo (USP). Só não optou pelo curso de cinema porque, no auge da pornochanchada, não seria fácil convencer seu pai. Naquela época, Rosi ia ao Cine Bijou (hoje Cine Satyros Bijou), no centro de São Paulo, quatro vezes por semana, e logo entrou em grupos de teatro. Passou pelo Mambembe, Ornitorrinco e Circo Grafitti, nos quais consolidou técnicas para composição de suas personagens: “Observava muito. Às vezes, começo com uma coisa física; em outras, com algo do figurino, da música”, conta.
Nascida em Bragança Paulista (SP) e fã de atrizes como Bette Davis (1908-1989), Fernanda Montenegro e Berta Loran, Rosi segue dividindo sua carreira entre o audiovisual e o teatro. Em 2022, interpretou a avó da protagonista na série juvenil No mundo da Luna, além de encenar os espetáculos A Flor do Meu Bem-querer, com Juca de Oliveira, e O Vison Voador, texto britânico adaptado por Marcos Caruso. Autodeclarada “gente como a gente”, Rosi, que ficou famosa como a Bruxa Morgana, no programa Castelo Rá-Tim-Bum (1994-1997), e a Mamuska, na novela Da Cor do Pecado (2004), diz que circula pela capital paulista a pé ou de metrô, vai à feira e ao supermercado, surpreendendo os fãs, que supõem que ela leve uma vida glamourosa. Neste Depoimento, Rosi – que estampou a primeira capa da Revista E, em julho de 1994 – fala sobre as aproximações e divergências das linguagens artísticas, internet, construção de personagens, e reflete sobre as diferentes gerações de artistas no Brasil.
Acho que todas as linguagens artísticas têm suas particularidades, todas são difíceis. Porque a televisão é uma técnica completamente diferente do teatro, e o cinema também. Trabalhei mais no teatro e na TV, mas, por mim, faria cinema a vida inteira. Amo tantos filme: O Anjo Exterminador (1962), A Bela da Tarde (1967), ambos de Luis Buñuel (1900-1983), Apocalipse Now (1979), de Francis Ford Coppola, Encurralado (1971), de Steven Spielberg… Eu, inclusive, fiz jornalismo porque naquela época, 1974, só tinha pornochanchada, então não dava para falar para o meu pai que iria fazer cinema. Estava tudo fervilhando, o movimento hippie, a Guerra do Vietnã, os movimentos estudantis, a ditadura. E a gente no meio disso tudo. Foram 25 anos de novela, e sempre com o teatro em paralelo. Tanto que nunca morei no Rio de Janeiro, porque estava sempre fazendo teatro em São Paulo aos finais de semana. O teatro cura, transforma, facilita a sua vida. Dá disciplina, formação, você se entende mais, transforma seu defeito em qualidade. O teatro acolhe todo mundo. E você tem que ler muito, estudar línguas. Se vai fazer uma psicóloga ou uma advogada, tem que estudar psicologia ou direito. Mas, infelizmente, o teatro quase não faz mais parte da vida das pessoas. O público jovem gosta de stand-up, é difícil pegar a moçada. Uma pesquisa da Folha [de S.Paulo] mostrou que o teatro não é uma opção de lazer hoje. Além disso, houve uma geração de artistas que não vai existir mais: Marília Pêra (1943-2015), Eva Todor (1919-2017), Aracy Balabanian. A gente teve o privilégio de vê-las em cena. Por outro lado, hoje em dia temos uma geração de musicais que é incrível. Na nossa época, a gente mal sabia cantar duas músicas e dar três passinhos.
Tive muita sorte porque acabei pegando um dos maiores projetos da televisão brasileira, que é o Castelo Rá-Tim-Bum, de uma qualidade incrível. Ele todo foi feito com professores, com vários especialistas. Os músicos eram incríveis, o pessoal do cenário, do figurino. Tanto que a gente teve o reencontro do Castelo [divulgado em fevereiro de 2023, no YouTube] e finalmente conseguiu saber como muitas coisas eram feitas, porque eu, por exemplo, gravava isolada. O pessoal gravou um ano e meio a mais do que eu, que gravei 90 programas em três meses praticamente: eram três cenas por dia, com direção da Eliana Fonseca. Às vezes, eles demoravam uma semana para fazer um único programa, porque tinham todos os quadros, os passarinhos, os músicos, os bailarinos, os dedinhos, as fadinhas. Era uma farra, uma delícia! Foi realmente um sucesso muito grande. Vai fazer 30 anos [em maio de 2024]. Cao [Hamburguer], Flavio de Souza, Anna Muylaert…era uma equipe enorme e de muita qualidade, em todos os sentidos. A gente fez achando que ia ser mais um programa, mas o sucesso foi tão grande que dava 10 [pontos] de Ibope na TV Cultura. Sei que foi até para Cuba. Fiz também três peças e um filme sobre a Morgana.
[Como testemunha ocular da História do Brasil e do mundo, a Bruxa] Morgana estaria preocupada com tudo isso que está acontecendo, principalmente com o meio ambiente, com a consciência que as pessoas têm que ter. Não sei o que acontece, todo mundo joga coisa no chão, faz sujeira, não toma conta das coisas, acha que aquilo não é seu, mas tudo é seu: a rua, o ônibus em que você anda, a praia aonde você vai. Isso é uma coisa que me preocupa muito: a maneira como as pessoas tratam o nosso ambiente. Eu acho que a Morgana também se preocuparia muito com isso.
Faço às vezes pela figura, por pessoas que conheci. A gente observa muito. Às vezes, começo com uma coisa física; em outras, com algo do figurino, da música. Nossos grupos de teatro [como Mambembe, Ornitorrinco e Circo Grafitti] também não partiam de textos prontos. A gente sempre fazia pesquisa, que é a maneira mais difícil de fazer uma peça. Em 1980, queríamos falar sobre sexo e montamos [a comédia] Foi bom, meu bem?, com texto de Luís Alberto de Abreu [e direção de Ewerton de Castro]. Falamos com [a então sexóloga, atual secretária de Relações Internacionais de São Paulo] Marta Suplicy, [o psiquiatra e escritor] Flávio Gikovate (1943-2016) e outros especialistas. Todo mundo se reunia, fazia altos bate-papos, e depois as peças. Com Bella Ciao [de 1982, dirigida por Roberto Vignati], também foi assim. Alguns atores iam para os sindicatos do ABC Paulista para conversar com o pessoal. No espetáculo Você vai ver o que você vai ver [de 1989, dirigido por Gabriel Villela], não eram textos de teatro, mas do [poeta e escritor] surrealista francês Raymond Queneau (1903-1976). A gente sempre complicou, em vez de simplificar. Era uma maneira diferente de falar, de fazer teatro, não usando o que já estava pronto.
[No caso da Mamuska, a matriarca de Da Cor do Pecado, de 2004], foi superimportante o cabelinho para compor a personagem. Porque era uma turma meio comic, de história em quadrinhos. A família Sardinha era estranha, mas no fim foi um sucesso. Todo mundo amava os meninos, aquele bando de homem bonito [Cauã Reymond, Reynaldo Gianecchini, Caio Blat, Leonardo Brício e Pedro Neschling]. A mulherada ficava louca com meus “filhos”. Fomos dirigidos pelo Paulo Silvestrini, e a Denise Saraceni foi quem formou essa equipe maravilhosa, com texto do João Emanuel Carneiro. Os núcleos da novela não se encontravam muito, era uma maneira diferente de fazer, mas funcionava bem. Cada núcleo tinha uma característica forte, tanto que a novela dava 50 pontos de Ibope. Quando acabava um capítulo, eles deixavam sempre um gancho para assistir no dia seguinte, algo que em novela ainda não havia muito. Da Cor do Pecado foi a telenovela, antes de Avenida Brasil, mais vendida da Globo para o mundo: chegamos a 120 países, foi uma loucura.
Fiz algumas coisas pela internet [durante a pandemia], mas não gostei muito porque achei meio chato. Teve gente que se deu superbem, porque foi vista até na Dinamarca e na Rússia. Realmente [por esse lado] é uma experiência muito legal, de você poder estar no mundo todo, mas para o teatro é estranho. A gente gosta da pessoa ali, fisicamente. Fora que na internet todo mundo quer ser celebridade. Então, tem uns trabalhos que valem a pena, mas outros, não. E tem gente que acha que só porque tem uma câmera vai fazer uma coisa incrível. Falta um pouco de informação hoje em dia. Elas acham que estão inventando o teatro, o cinema, a roda. E a gente já viu tanta coisa, né? Nós já vimos espetáculos deslumbrantes, grandes diretores de teatro e cinema, grandes atores, grandes produções. A nossa geração toda foi feita com filmes.
Envelhecer é um processo natural, faz parte da vida. E a gente tem que aproveitar essa idade. Nós [da minha geração] não estamos mais voando como libélulas, mas temos muita experiência, isso que é legal. A gente viveu momentos incríveis no Brasil, com pessoas maravilhosas. Tive a chance de encontrar meus ídolos na TV Globo: Tony Ramos, Ary Fontoura, Arlete Salles e Susana Vieira [com as quais gravou o filme Amigas de Sorte (2021), de Homero Olivetto]. A geração anterior à minha fez televisão, rádio, circo, cinema. O Milton Gonçalves (1933-2022) fez e dirigiu diversos filmes, teve o Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006)… Pessoas que misturaram a vida com a arte. Hoje, há um pessoal mais jovem que é muito bom, aplicado. Um grande ator da nova geração é o Cassio Scapin, ele nos surpreende o tempo todo. Admiro também as atrizes Ana Beatriz Nogueira, Denise Fraga, Deborah Secco, Andrea Beltrão, Cláudia Abreu, Denise Weinberg, Maria Clara Carvalho e Susana Damasceno.
Assista ao vídeo abaixo com trechos do Depoimento da atriz Rosi Campos.
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