O Brasil é terra indígena. Chirley Pankará fala sobre o Agosto Indígena e suas reverberações

08/08/2023

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A voz dos povos indígenas ressoa cada vez mais forte na nossa sociedade, clamando por reconhecimento, valorização e respeito aos seus saberes e fazeres. Nesse contexto, a ativista indígena Chirley Pankará emerge como uma inspiradora defensora dos direitos de sua comunidade e de tantas outras etnias.

Nesta entrevista, ela compartilha o significado e o processo de criação da Lei 17.311/2021 que instituiu o “Agosto Indígena” em São Paulo. Essa iniciativa celebra as riquezas culturais dos povos originários e tem promovido uma mudança de visão e difusão de conhecimentos sobre as culturas indígenas nas escolas, desconstruindo estereótipos enraizados e destacando a importância de fortalecer a diversidade cultural existente no país.

Por que foi importante mudar o foco da mobilização para o Agosto Indígena, conectado ao 9 de agosto, em vez do Abril indígena, que faz referência ao 19 de abril, antigamente conhecido como “dia do índio”?

Não considero exatamente tirar o foco do dia 19 de abril, mas, sim, introduzir a ideia do dia 9 de agosto, que é o Dia Internacional dos Povos Indígenas, estabelecido pela ONU em 1995 com a participação ativa das comunidades indígenas. Isso nos permite repensar como a sociedade enxerga os povos indígenas até os dias atuais. Quero mostrar que os povos indígenas estão e são presentes no Brasil, estamos em todos os lugares ocupando os mais diversos cargos. Com isso, desejo desconstruir a noção de que nossa presença se limita a um passado distante, demonstrando que estamos ativamente presentes na sociedade, contribuindo para sua construção, promovendo nossa cultura e preservando territórios, questões ambientais e biodiversidade. Isso não significa que devemos deixar para trás a memória dos nossos ancestrais; ao contrário, é justamente essa herança que nos dá força para lutar e resistir.

A data de 19 de abril, conhecida como o Dia do Índio, uma denominação que já não nos representa adequadamente, estava, na minha visão, sendo tratada de forma distante do que buscamos. O movimento indígena percebeu que estava se tornando um evento isolado, onde uma celebração ocorria naquela data, com pinturas faciais e cantos em tupi antigo. Entretanto, ao longo do restante do ano, a presença indígena parecia não existir, como se estivéssemos relegados apenas às profundezas das matas.

A introdução do dia 9 de agosto tem como objetivo ressignificar e informar. Queremos descolonizar as mentes, reforçar que os povos indígenas estão presentes o ano inteiro, não apenas em um único dia. Somos uma base significativa de referência para este país, influenciando outras sociedades. A ideia do Agosto Indígena busca proporcionar um mês inteiro de atividades diversas, onde possamos compartilhar nossas culturas e diversidades.

É essencial compreender todas essas especificidades e reconhecer o quanto estamos lutando e contribuindo. Além dos espaços que ocupamos, também contribuímos para um ambiente saudável, com a água pura, com a mata de pé, com os biomas e com a mãe terra.

Como foi o processo de criação da Lei que instituiu o Agosto Indígena em São Paulo? Por que é importante que ele faça parte do calendário oficial do estado?

Criar o projeto de lei foi uma luta do movimento indígena. De acordo com o censo do IBGE passado, de 2010, foram contadas 305 etnias indígenas diferentes no Brasil. Temos uma diversidade de povos com manifestações culturais específicas vivendo em regiões diferentes. Precisam nos conhecer de verdade, saber quem somos.

Antes do projeto de lei já fazíamos trabalhos junto da Secretaria Municipal de Educação, juntávamos indígenas de diferentes etnias para somar em diversidade e íamos nas escolas dar palestras, oficinas, fazer cantos, danças e formações em vários campos. Isso estava sendo feito vários anos seguidos e depois parou, não aconteceu mais.

Aí, fui pra Assembleia Legislativa do Estado em São Paulo. Lá fiz exposição com uma diversidade de peças demonstrando a riqueza dos nossos materiais, realizei audiência, além de outras atividades que apresentavam o conhecimento dos nossos povos para expandir a ideia de que existe um tipo de indígena só. Existe uma diversidade, e ela grita e pulsa para que sejamos respeitados e reconhecidos. Como esse trabalho do Agosto Indígena era uma desejo muito grande do movimento, nada mais justo que levasse esse projeto de lei pra lá.

Você já percebeu mudança na abordagem da questão indígena nas escolas e instituições nos últimos anos? O que ainda falta mudar?

Sim, algumas mudanças estão ocorrendo. Tenho percebido um aumento significativo no número de pessoas que têm buscado contato, tanto comigo como com outros membros das comunidades indígenas. Eles também têm demonstrado interesse em explorar as literaturas produzidas por nossos povos para serem incluídas nas atividades escolares. Essa crescente atenção é um indicativo claro de que algo está começando a se transformar. Pelo menos até o momento, não tenho mais observado aquelas representações estereotipadas, como a pintura do rosto ou o uso de cocares, que costumavam ocorrer. É importante notar que minha percepção se limita ao que tenho testemunhado pessoalmente, e não posso falar sobre situações que não conheço.
Devemos reconhecer que a presença indígena é uma realidade dentro de diversos contextos, nós estamos nos contextos urbanos, nós temos deputadas, ministras, doutores, advogados, nós estamos nas universidades e em qualquer lugar deste país, por que o Brasil é território indígena. Então a gente tem o direito de ir e vir.

Então é isso, abração, muita paz e muita luz.


Chirley Pankará é pedagoga, mestra em educação pela PUC SP, doutoranda em antropologia social pela USP. Chirley migrou do território de seu povo, no estado de Pernambuco, há 24 anos e, hoje, ocupa o cargo de Coordenadora Geral de Promoção a Políticas Culturais no Ministério dos Povos Indígenas, em Brasília.


Agosto Indígena no Sesc SP – Programações celebram a diversidade cultural, a presença e a atualidade dos povos indígenas no país.

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