Diante de um cenário de emergência climática, pesquisadores e entidades investigam formas de mitigar efeitos provocados pelo aquecimento global nas áreas urbanas
Por Maria Júlia Lledó
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Que calor! Quantas vezes você disse ou ouviu essa frase nos últimos tempos? A impressão de que temos enfrentado dias com temperaturas acima da média se confirma nas estatísticas. Relatório divulgado no mês passado pelo observatório Copernicus, da Agência Espacial Europeia, confirmou 2023 como o ano mais quente dos últimos 125 mil anos. O tal fenômeno do aumento da temperatura do planeta em ritmo acelerado tem despertado a atenção e motivado ações de pesquisadores, governantes e de órgãos em âmbito mundial, como a própria ONU (Organização das Nações Unidas), e já foi nomeado como aquecimento global ou, mais recentemente, fervura global.
Cientistas alertam que a ação humana é a principal responsável pelo aquecimento global – em razão da emissão de gases de efeito estufa, consequência do consumo de combustíveis fósseis, e do desmatamento das florestas. Deste modo, medidas capazes de mitigar a mudança climática devem partir de um compromisso dos países que são grandes emissores de poluentes, e também de toda a sociedade. Mas, enquanto ações necessárias e de resultados a longo prazo são negociadas, o que é possível fazer agora? Como as cidades devem se adaptar às elevadas temperaturas enfrentadas?
Segundo o Acordo do Clima de Paris – tratado internacional de medidas climáticas adotado em 2015 –, o mundo deve correr atrás da meta de restringir o aquecimento global nos próximos anos a menos de 2ºC em comparação aos níveis da época pré-industrial (por volta de 1850). É que o período entre meados e final do século 19 serve como base para calcular quanto o mundo esquentou desde o início da chamada Segunda Revolução Industrial. No entanto, como aponta Paulo Artaxo, um dos coordenadores do Programa Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais, a tendência é de que a temperatura do planeta aumente, em média, 3ºC num futuro próximo.
“Nós já aquecemos 1,2ºC e estamos indo para uma trajetória de aumento de temperatura três vezes acima. Essa é uma emergência climática que só pode ser contida com a redução das emissões de gases de efeito estufa”, alerta Artaxo. Essa medida foi, aliás, a mais discutida em negociações durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 28, em Dubai, nos Emirados Árabes, em dezembro do ano passado. Na ocasião, aproximadamente 200 países, incluindo o Brasil, assinaram o compromisso: “Transitar dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos de uma forma justa, ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década crítica, de modo a atingir emissões líquidas zero até 2050, de acordo com a ciência”.
Segundo o pesquisador, o Brasil apresenta vantagens estratégicas extraordinárias quanto ao potencial de geração de energia solar e eólica para uma transição energética, mas é preciso que haja políticas públicas em todos os níveis – municipal, estadual e federal. “A humanidade tem várias tarefas. A primeira delas é reduzir as emissões de gases de efeito estufa, isso de longe é o mais importante – tanto da queima de combustíveis fósseis, como zerar o desmatamento até 2030”, aponta Artaxo. Em segundo lugar, de acordo com o pesquisador, é necessário nos conscientizarmos de que o clima já mudou e vai continuar mudando cada vez mais. “Por isso, precisamos nos adaptar ao novo clima, tanto nas regiões rurais, quanto nas regiões urbanas. Essa é uma tarefa extremamente difícil, mas que o Brasil vai ter que encarar o mais rápido possível”, ressalta.
Os termômetros registraram temperaturas próximas de 40ºC na capital paulista, em diferentes momentos do segundo semestre de 2023. O fato levou à assinatura de uma portaria, pela Prefeitura de São Paulo, em setembro do ano passado: uma operação de contingência deve ser deflagrada assim que os termômetros ou a sensação térmica na cidade ultrapassar 32ºC. Nesse caso, a orientação é de que sejam montadas tendas e oferecidos kits de hidratação, bonés e alimentos à população em situação de rua, que são os mais vulneráveis aos climas extremos.
Quais ações a médio e longo prazo podem ser assumidas para dar conta das contingências climáticas experimentadas na metrópole? Afinal, as cidades abrigam mais de 85% da população brasileira. Nesses territórios engolidos por concreto e asfalto, onde há má distribuição ou escassez de áreas verdes, além de pouco investimento em mobilidade urbana de baixo impacto ambiental, são visíveis as consequências do aquecimento global. Além disso, os impactos das mudanças climáticas atingem de forma e intensidade diferentes grupos sociais distintos, por isso a população mais vulnerabilizada tende a sofrer ainda mais com as altas temperaturas, com o grande volume de chuvas (alagamentos, deslizamentos e inundações) e com largos períodos de seca.
Arquitetos e urbanistas têm papel importante na elaboração e discussão de alternativas para adaptação das cidades ao novo contexto. Neste ano, o Seminário Emergência Climática e Cidades voltará a refletir sobre o calor nos espaços urbanos, tema levantado na primeira edição do evento. Realizado no ano passado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil do Departamento de São Paulo (IABsp), o seminário, do qual participaram mais de duas mil pessoas, trouxe para o debate tanto profissionais de arquitetura e urbanismo, quanto ativistas ambientais.
“Apesar de prevista em lei, as áreas verdes dentro dos lotes [de prédios e casas] são impermeabilizadas pelos seus proprietários. Ou seja, jardins se tornam quintais pavimentados. Como resultado, a temperatura aumenta naquela área residencial e contribui com o calor da cidade. Então, a gente tem que contrabalancear com mais áreas verdes e pensar em Soluções Baseadas na Natureza (SBN), como parques lineares, jardins de chuva e mais áreas vegetadas e na cidade”, aponta a arquiteta e urbanista Hannah Machado, uma das organizadoras do seminário. Também integrante da organização do seminário, o arquiteto e urbanista Luiz Florence complementa: “As cidades precisam trazer de volta o verde, não por uma visão nostálgica, mas o verde como parte da infraestrutura urbana, pensada e entendida como uma ferramenta de adaptação”.
Lei municipal que orienta o desenvolvimento e o crescimento da cidade, o Plano Diretor Estratégico (PDE) de São Paulo, criado em 2014, incluiu, pela primeira vez, em 2023, a dimensão climática como uma preocupação. “Eu acho que esse é um dos avanços do PDE, mas perdemos a oportunidade de refinar os instrumentos urbanísticos para que eles levem de fato a uma cidade que mitigue a emissão de gases de efeito estufa e esteja preparada para os eventos climáticos extremos”, observa a arquiteta.
Diante desse cenário, Florence defende ser imprescindível que a cidade de São Paulo se adapte para que as pessoas consigam viver mediante os efeitos climáticos e, assim, tornar-se uma cidade mais resiliente. “Se não for estimulada dentro da cidade uma mudança no padrão de consumo das pessoas, não dá para esperar que os grandes polos produtores de combustíveis fósseis parem de produzir. A cidade tem que permitir que as pessoas possam adotar meios de vida mais saudáveis para elas e para a diminuição da emissão de carbono”, reforça.
A arquiteta e urbanista Hannah Machado acredita que mesmo ’na marra’, a tarefa de adaptar as cidades ao calor vai ser cumprida. “Eu acho que a gente tem que abraçar essa complexidade, trazer pesquisadores, ouvir as vozes locais, das periferias, dos povos originários, para criar soluções conjuntas com esse senso de urgência. A gente não pode achar que está tudo bem satisfazer as pressões do mercado agora porque ainda há tempo, e deixar para reverter as consequências depois. Não. A gente já não tem mais tempo”, adverte a arquiteta.
Somada às esferas globais e locais, o comportamento de cada indivíduo precisa refletir mudanças. A potência da coletividade para realizar ações com foco na sustentabilidade é ponto de partida da Virada Sustentável, que envolve, desde 2011, tanto uma articulação quanto participação direta de organizações da sociedade civil, órgãos públicos, movimentos sociais, equipamentos culturais, empresas, escolas e universidades, entre outros atores da cidade de São Paulo. Criado pelo jornalista André Palhano, o festival de sustentabilidade traz para a arena pública debates e expressões artísticas em ações gratuitas a fim de mobilizar o maior número de pessoas a refletir e conhecer iniciativas relacionadas ao tema.
Uma das proposições artísticas da 13ª edição da Virada Sustentável foi a obra Eggcident, do artista holandês Henk Hofstra: um gigante ovo frito esparramado numa praça na avenida Brigadeiro Faria Lima, centro financeiro da capital paulista, atraindo a atenção de quem transitava pela região. Pelo viés do artivismo – prática que desloca o cenário da arte e da política para o espaço público –, ações como essa, da programação Virada Sustentável, demonstram a importância de aproximar um público de diferentes realidades sociais de temas que envolvem toda a saúde e o bem-estar da população. “Talvez, a principal contribuição da Virada seja tentar retomar a sensibilidade para o tema. A gente vê tantas notícias de desastres ambientais, que há uma grande chance de passarem batidas. Então, quando você – e por isso gosto muito das artes visuais – dá uma chacoalhada e entra no coração e na mente das pessoas, de uma maneira diferente, você não está ali falando: ‘Seja isso’, ‘Faça aquilo’. De uma maneira criativa, você chama atenção e sensibiliza as pessoas para os temas que importam para o nosso futuro”, conclui.
Centros de Educação Ambiental do Sesc São Paulo aproximam público de reflexões sobre o território e as questões socioambientais
Reconhecer o universo de fauna e flora, bem como a diversidade de indivíduos que fazem parte do lugar que habitamos, é o primeiro passo para nos sentirmos parte de uma comunidade. Ao compreendermos as características e as necessidades do território onde estamos inseridos, podemos, então, preservá-lo e pensar novas formas de convívio. Para isso, os Centros de Educação Ambiental (CEA) do Sesc São Paulo – localizados nas unidades de Guarulhos, Mogi das Cruzes e Bertioga – realizam atividades que aproximam o público de reflexões sobre nosso papel neste cenário.
“Os CEAs são espaços de referência para reflexões acerca das questões socioambientais que envolvem o território e a complexidade das inter-relações locais e globais”, explica Tânia Perfeito Jardim, técnica da Gerência de Educação para Sustentabilidade e Cidadania do Sesc São Paulo. Nestes espaços permanentes, há “realização de encontros, cursos, rodas de conversa, oficinas, debates, vivências e exposições com estruturas educativas com temática socioambiental para visitação espontânea e mediada”, complementa Jardim.
Conheça os Centros de Educação Ambiental do Sesc São Paulo:
BERTIOGA
O tema “Entre a Serra e o Mar” é o ponto de partida para discutir as questões socioambientais da região de Bertioga, no litoral do estado. Ao visitar o CEA, é possível conhecer a geografia da região por meio de uma imagem de satélite panorâmica, observar os contornos da faixa de areia, os principais rios, as matas de restinga, a fauna e o acentuado relevo da Serra do Mar. Objetos e fotos também contam a história da cidade desde quando povoada pelos povos originários, passando pela chegada das embarcações europeias até os dias atuais.
Com o tema “Territórios em Transformação”, o objetivo do CEA desta unidade do Sesc é criar conexões entre as pessoas e o meio ambiente. Por meio de minidocumentários e de projeções mapeadas sobre uma maquete topográfica em telas de realidade aumentada, o espaço permite que o público saiba mais sobre hidrografia, relevo, fauna, flora, ocupação urbana e a presença de áreas florestais preservadas.
O enfoque do Centro de Educação Ambiental desta unidade do Sesc está na interação habitante e habitat, uma vez que o município se destaca enquanto polo produtor de alimentos, ao mesmo tempo em que é uma densa região urbanizada. Dessa forma, esses dois perfis de habitantes compartilham do mesmo território de modo a manter uma relação de trocas. Este espaço foi concebido a partir de técnicas de bioconstrução.
A programação dos Centros de Educação Ambiental (CEA) do Sesc São Paulo é gratuita. Conheça!
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