O Cinema de Paula Gaitán

08/06/2023

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por Ava Rocha

Ao escolher o nome “umbigo do sonho” para a sua mostra, Paula Gaitán nos incita a pensar que em seus filmes há a presença de um desconhecido diante do qual não há nada mais, a não ser a permanência da própria presença do insondável e que essa inquietação ou premissa a move impulsivamente em seu cinema como um rio que percorre fluxos até desaguar no mar, seguindo o ciclo, em permanente movimento.

Assim, Paula desafia a linguagem do cinema colocando-o não como uma plataforma de expressão do real, mas sim como um veículo quase que espiritual de aproximação com o misterioso.

Como artista multidisciplinar, cujo cinema explora os territórios da fotografia, das artes visuais, da performance e da música, Paula Gaitán rompe barreiras entre gêneros, tecendo uma obra autêntica que amplia o olhar da percepção cinematográfica. Em seu fazer artístico, destaca-se também o fato de assumir diversas frentes de produção, como a fotografia, a montagem e o desenho sonoro de seus filmes, e sendo presença física em voz e/ou corpo em vários deles. “Diário de Sintra”, onde percorre Portugal empunhando sua câmera, e “Ópera dos Cachorros”, onde revela-se como compositora e cantora, são fortes exemplos dessa multiplicidade e organicidade em seu modo de produção/criação.

Poeta nata, aos 8 anos de idade escreveu seus primeiros poemas em Bonn, na Alemanha, e aos 14 anos já publicava seus poemas em revistas, fazendo parte inclusive de antologias de poesia colombiana. Desenhista, também ingressou na universidade Los Andes em Bogotá, onde estudou Artes Plásticas, e posteriormente ao comprar sua primeira Super-8 ligou-se ao cinema, onde também assina direção de arte, figurinos e cartazes, principalmente em colaboração com Glauber Rocha, no filme A Idade da Terra, no storyboard de Os Nascimento dos Deuses, no cartaz de Cabezas Cortadas e na capa do livro Riverão Sussuarana.

Inquieto, livre e radical, o cinema de Paula Gaitán é dotado da relação apaixonada entre seu olhar e o que é olhado. A câmera parece ser uma extensão do corpo, que em um processo quase arqueológico manifesta a curiosidade e a investigação na qual ela mergulha, sem nunca ser simplesmente didática ou representativa. Ao contrário, busca revelar enigmas e até mesmo criar outros. Entre o documentário e o onírico, a ficção e o real, Paula Gaitán se coloca a serviço do seu próprio fluxo e imaginação na relação com o mundo que a rodeia. Um cinema que emerge do umbigo do sonho e nele mergulha, simbioticamente. Tendo 50 anos de vida artística e cinematográfica, também ditou classes de cinema, e foi reconhecida e premiada por diversos críticos e festivais, que autenticam a relevância de sua obra.

A mostra “Umbigo do Sonho – O cinema de Paula Gaitán” celebra então, pela primeira vez em São Paulo – e dando continuidade a outras homenagens recentes – a obra dessa cineasta, exibindo grande parte de sua produção cinematográfica, além de promover debates e uma atividade formativa através da Master Class. Uma belíssima oportunidade de nos aprofundarmos em sua arte, vida e processo, em um espaço de permanente reflexão e êxtase cinematográfico, e por fim destacar Paula Gaitán como uma das mais importantes cineastas contemporâneas em atividade.

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