Leia a edição de fevereiro/23 da Revista E na íntegra
POR LUNA D’ALAMA
Guerra, conquista de territórios, exploração espacial, compra e venda de propriedades, manutenção de status social. Essas são algumas das temáticas recorrentes em jogos de tabuleiro que, há décadas, fazem sucesso entre crianças e adolescentes. War, Batalha Naval, Banco Imobiliário e Monopoly são apenas alguns dos exemplos clássicos. “Por meio dessa lógica e mecânica masculina, você precisa competir, ser estrategista, ‘quebrar’ o colega, prejudicá-lo, vingar-se. No Jogo da Vida, se você se casar e tiver filhos, ganha mais, enquanto no Mico, os machos aparecem como bravos e fortes, já as fêmeas são delicadas, com laços na cabeça e rímel nos cílios. Fora todos os personagens brancos, loiros, de olhos claros, cabelo liso, magros ou musculosos que vemos por aí, sendo que estamos num país de maioria negra e parda”, observa Marina Takejame, criadora e sócia do Universo Uia, empresa de jogos modernos de mesa (que abrangem tabuleiros e cartas) dedicada a oferecer experiências lúdicas com maior diversidade, equidade, representatividade e inclusão.
Moradora de Jundiaí (SP) e formada em relações públicas, Marina começou a tocar o projeto em 2019, ao lado da designer Thays Leonel, após ambas terem se tornado mães e percebido que estavam rodeadas por estereótipos nos jogos infantis. Elas são representantes de um movimento crescente de protagonismo feminino na criação, no desenvolvimento e na prática de jogos analógicos, trazendo abordagens originais e assuntos presentes na sociedade – mas que ainda não se refletiam nos games comerciais.
O primeiro jogo do Uia (nome que vem da mistura dessa interjeição de surpresa e delícia com as vogais da palavra “lúdica”) se chama Duelo, e consiste numa dinâmica de cartas e argumentação, criada com a colaboração de um psicólogo infantil e uma professora de artes visuais. Reúne personalidades diversas que concorrem entre si, com cada jogador defendendo um nome – são 40 personagens ao todo. “Além de homens e da cartunista Laerte, uma mulher trans, incluímos figuras da resistência feminina e negra, como Angela Davis, Marielle Franco, Carolina Maria de Jesus, Elke Maravilha, Anésia Pinheiro Machado, Maria Quitéria e a jogadora Marta”, cita Marina. “Queremos mostrar que gênero, raça e porte físico são irrelevantes para habilidades de inteligência e força. Costumo dizer que ninguém usa a genitália, a cor ou outras características físicas para brincar”, defende.
Com o sucesso da primeira empreitada, veio 7famílias. Criado em 2021, o jogo foi adaptado de uma ideia francesa e reúne sete composições familiares no contexto contemporâneo. “Há vários formatos de corpos, cabelos, pessoas com deficiência, negras, indígenas, orientais, idosas. E não designamos quem é o pai, a mãe, o filho – cada jogador interpreta como quiser. Também incluímos plantas e pets que vão além do gato e cachorro: tem iguana, peixe e porquinho-da-índia”, explica Marina. Ganha o 7famílias quem formar o maior número de núcleos completos.
A sócia do Uia aponta que há muitas mulheres jogando e se agrupando para propor novos jogos de tabuleiro e cartas, com pegada inclusiva e educativa. “Há uma mulherada com ideias fantásticas, preocupações feministas, antirracistas e de diversidade. Todas sobrecarregadas, mas tentando mudar o mundo ao mesmo tempo”, diz. Foi descobrindo outras colegas com projetos bacanas que ela fechou parcerias e passou a vender kits de jogos.
“Encontrei ideias incríveis, como Librário (baralho de Libras), Baobá É Memória (inspirado nos orixás de religiões de matriz africana), o quebra-cabeça Revolucionárias e Memorelas (Jogo de Memória das Mulheres Brasileiras), os dois últimos da Cecerelê. Tem também um Super Trunfo de mulheres, chamado Heroínas na História e criado pela Talita Fernandes, da Cia Guarda Chuva; além do Incríveis Inventoras, um dominó só de mulheres e suas invenções pelo mundo, obra da Carolina Modaneze, da Fagulha Jogos. Infelizmente, inda é comum conhecermos as invenções – como coador de café, orelhão, seringa –, mas não as mulheres por trás de cada feito”, ressalta Marina, que prepara um jogo de tabuleiro que envolve a cooperação entre os participantes e o ambiente ao redor. “Consideramos que as pessoas não nascem iguais, então esse jogo não começa igual para todos”, conclui.
Thelma e Stella são mães, e ambas acreditam que a maternidade também influencia esse olhar. “Hoje em dia, testamos os novos jogos com nossos filhos. Neste momento, estamos desenvolvendo um tabuleiro que aborda diferentes linguagens artísticas (como literatura, cinema, teatro, música e dança), voltado a crianças e adolescentes”, revela Stella, graduada em artes visuais e especializada em educação e direitos humanos.
Coletivo de educadores que acredita nos jogos como um valioso elemento de aprendizado estético, o zebra5 é outro exemplo contemporâneo que inclui a presença feminina na concepção de seus produtos. O nome vem de “dar zebra”, de acreditar na liberdade e na subversão dos jogos – e dos resultados. Stella Ramos e Thelma Löbel são companheiras nessa empreitada há quase 15 anos, ao lado de Alberto Tembo e Auber Bettinelli. Eles atuam no universo da mediação cultural em espaços expositivos, como o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), a Casa das Rosas e o Museu da Casa Brasileira. “O jogo surgiu a partir da vontade de experimentar a mediação cultural, para ativar conversas com o público e despertar novas temáticas”, lembra Thelma, que é formada em artes visuais e especialista em educação lúdica.
Thelma completa que, quando participou, em 2018, do evento Diversão Offline, uma das maiores feiras de jogos de tabuleiro e RPG [role-playing game, que envolve a interpretação de papéis] da América Latina, falava-se bastante sobre protagonismo feminino, mas o perfil dos desenvolvedores ainda era predominantemente masculino e branco. “Nossos jogos também são criados por homens, mas têm algo de feminino por conta da exploração da arte, da sensibilidade, da interpretação. Não queremos propor ‘jogos de meninas’, mas trabalhar questões plásticas, estéticas e visuais”, pontua. A parceira Stella acrescenta: “Muitos homens nesse meio ficam nos testando ao máximo para ver se temos conhecimento real do assunto. É cansativo”, afirma ela, que desde 2008 já criou, com o grupo, cerca de 30 jogos atrelados a exposições de arte, e agora desenvolve um jogo de cartas sobre mulheres negras.
Em julho de 2020, no meio da pandemia de Covid-19, a cientista social Bárbara Côrtes – introduzida no universo dos jogos desde os 7 anos pelo pai, exímio jogador de xadrez – resolveu fundar a Liga Brasileira das Mulheres Tabuleiristas, que esteve em atividade até dezembro de 2022. “Senti que estávamos isoladas e precisávamos nos ouvir, nos fortalecer, trocar experiências e entender nossas necessidades. Por isso, decidi criar um centro de referência nacional para conectar e ajudar mulheres envolvidas em jogos de tabuleiro”, conta. Ela explica que, apesar do encerramento da liga, que chegou a ter uma revista com 24 edições, os projetos e iniciativas individuais e coletivos continuam.
Segundo Bárbara, a pandemia foi uma das principais razões pelas quais os jogos ocuparam um maior espaço no ambiente doméstico e na vida das mulheres. “Para entreter as crianças, muitas mães encontraram nos jogos de tabuleiro essa oportunidade de interação, com variados temas e níveis de complexidade. As mulheres já começaram a ocupar mais espaço como consumidoras, mas ainda há uma grande demanda para que elas pensem e desenvolvam mais jogos. Acredito que, desde 2020, esse mercado já esteja se tornando mais feminino. Hoje, a designer de games mais famosa do mundo, por exemplo, é a estadunidense Elizabeth Hargrave”, destaca a tabuleirista. “Precisamos investir em educação para que as pessoas compreendam os jogos como uma linguagem cultural – e não apenas como produto de consumo –, que deve participar da vida das pessoas e estar presente no cotidiano. Quando alguém se permite conhecer esse universo, seja de qualquer idade ou gênero, essa pessoa se encanta”, complementa.
O crescente protagonismo feminino no mundo dos jogos de mesa é reconhecido também por Renata Figueiró, assistente da Gerência de Artes Visuais e Tecnologia do Sesc São Paulo e responsável pela programação do FestA! – Festival de Aprender, que vai realizar sua sexta edição em julho e sempre inclui na programação atividades relacionadas a jogos (digitais, de tabuleiro ou ações teóricas). “Há tempos, as mulheres já são maioria nos campos da educação e da psicologia. Associo a expansão do protagonismo feminino na criação de jogos ao fato de que inúmeras questões em pauta na contemporaneidade, como feminismo, racismo, saúde mental, sustentabilidade e democracia, passaram a nortear também temáticas de jogos de cartas e tabuleiro. As mulheres têm tido um maior ímpeto e êxito em traduzir suas pesquisas e vivências profissionais para o formato de jogos”, finaliza.
Em fevereiro e março, ações gratuitas do Sesc São Paulo colocam o público em contato com jogos de tabuleiros, cartas, RPG e videogame
Diversas unidades do Sesc São Paulo, como Guarulhos, Sorocaba e Bauru, oferecem ao público, neste mês, uma série de atividades que envolvem jogos de mesa. A programação se estende até março, quando o Sesc Ribeirão Preto realiza, nos dias 4 e 5/3, a sétima edição do @Geek, evento para difusão da cultura geek e encontro entre os fãs desse universo. Além de jogos de tabuleiro, cartas, RPG, videogame e cosplays, a iniciativa propõe oficinas, vivências, bate-papos, intervenções e apresentações musicais, tudo gratuito e destinado a todos os gêneros e idades.
GUARULHOS
Mediação de jogos de tabuleiro
Com educadores de atividades infantojuvenis do Sesc. Entrega de senhas no local, com 30 minutos de antecedência.
Dias 2 e 9/2, quintas, das 10h às 12h. GRÁTIS.
Fuja da folia: jogos de tabuleiro no Carnaval
Confete, samba, fantasia e purpurina? Nada disso! Aqui é roleta, dado, peão e estratégia. Tabuleiros famosos e inéditos ficam disponíveis para o público jogar em grupo, com mediação dos educadores do Sesc e do veterano dos tabuleiros Victor Rodrigues. Vagas limitadas.
Dias 18, 20, 21 e 25/2, das 14h às 17h. GRÁTIS.
BAURU
Jogos de tabuleiro
Espaço aberto com jogos clássicos e modernos de diversos temas, complexidades e durações. Inscrições no local. Vagas limitadas.
De 1º a 24/2. Quartas, das 18h às 20h, e sextas, das 14h às 18h. GRÁTIS.
RPG: Legado heroico
Encare os desafios das Terras Proibidas, encarnando um herói no grupo de aventureiros exilados. Com Marcela Alban e Renan Rabay. Inscrições no local. Vagas limitadas.
De 25/2 a 29/4, sábados, das 14h às 18h. GRÁTIS.
SOROCABA
Espaço Ludus
Estações lúdicas e educativas convidam o público a experimentar possibilidades de movimentos corporais, a partir de jogos tradicionais apresentados de forma diferenciada.
De 4 a 26/2, sábados e domingos, das 10h às 13h. GRÁTIS.
Praça do brincar
Vivências num espaço para o livre brincar, com jogos, exploração de materiais diversos, atividades em grupo e oficinas.
De 4 a 26/2, sábados e domingos, das 14h às 16h.
RIBEIRÃO PRETO
@GEEK 2023
Oficinas, vivências, bate-papos, jogos e apresentações musicais promovem um ponto de encontro e difusão da cultura geek.
Dias 4 e 5/3. GRÁTIS.
Aprenda a jogar um card game
Aprenda as regras e descubra dicas para os jogos de cartas Magic e Yu-Gi-Oh!, com educadores da PopKai Mundo Geek. Vagas limitadas.
Sábado e domingo, das 11h às 13h.
Monitoria de boardgames
Espaço aberto para jogar e descobrir novos tabuleiros. Com mediação dos educadores do RP2. Vagas limitadas.
Sábado e domingo, das 10h às 17h.
Mesas de RPG
Espaço aberto para vivenciar jogos de interpretação de papéis e incorporar personagens dos mais variados universos. Com mediação dos educadores do RP2. Vagas limitadas.
Sábado e domingo, das 10h às 17h.
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