Recordes, equidade de gênero e medalhas: atletas olímpicos apontam como o Brasil pode aproveitar o legado dos Jogos para formar uma nova geração de esportistas e praticantes
Por Lucas Veloso
Leia a edição de JANEIRO/25 da Revista E na íntegra
Terça-feira, 30 de julho de 2024, foi um dia histórico para o esporte brasileiro. Pela primeira vez, a seleção feminina de ginástica artística conquistou uma medalha por equipes. O feito foi protagonizado pelas atletas Rebeca Andrade, Flávia Saraiva, Lorrane Oliveira, Júlia Soares e Jade Barbosa, durante os Jogos Olímpicos de Paris, na França. Mas a vitória não foi apenas delas. A cerca de nove mil e quinhentos quilômetros de distância, em uma casa na Comunidade Anita Garibaldi, em Guarulhos (SP), Sara Cristina, de sete anos, assistia à competição pela televisão e, encantada pelos movimentos das ginastas, disse à mãe: “Quero fazer igual a elas. Me coloca em um curso de ginástica?”. Dias depois, a família conseguiu atender ao pedido de Sara. A cena exemplifica o impacto transformador que eventos como as Olimpíadas podem exercer em quem quer se dedicar aos esportes, mas está fora dos holofotes.
Participante da conquista olímpica na ginástica, Flávia Saraiva acredita que o resultado inédito é a prova de que “quando a gente trabalha muito, se dedica e leva o esporte a sério, é possível, sim, conseguir realizar um sonho dessa dimensão”, comenta. Para a atleta carioca, uma marca como essa é um incentivo para mostrar aos jovens que “todos eles também podem chegar lá”.
Além de sair dos Jogos Olímpicos de Paris 2024 como uma potência na ginástica, o Brasil também se destacou com outras conquistas históricas. Entre elas, Raíssa Leal, a Fadinha, tornou-se medalhista olímpica no skate street pela segunda vez, reafirmando seu lugar entre as maiores do esporte, enquanto Gabriel Araújo e Carolina Santiago brilharam na natação paralímpica, reforçando o impacto do esporte adaptado brasileiro no cenário mundial.
Uma pesquisa do Instituto Locomotiva e QuestionPro, divulgada em julho de 2024, revela que o futebol foi o esporte mais aguardado para as Olimpíadas de Paris 2024, com 68% das preferências. Vôlei (61%) e ginástica artística (55%) completam o pódio. Entre os 15 esportes mais populares, foram destacados, entre outros, natação, atletismo, vôlei de praia e judô. A ginástica artística, o atletismo e a natação são os que mais concentraram o interesse do público, com um aumento de 16% a 55% na preferência. O interesse em acompanhar essas modalidades também pode gerar aumento na procura pela prática esportiva, o que pode ser percebido por alguns projetos que atendem crianças e jovens com a oferta de esportes olímpicos nas periferias de São Paulo, e que registraram, neste ano, crescimento na busca por aulas de skate, ginástica, natação e atletismo.
Pesquisadores e atletas concordam que o alcance do esporte olímpico, quando aliado a políticas públicas consistentes, tem o poder de estimular mudanças sociais, como o aumento do interesse por algumas modalidades. Além disso, atletas olímpicos e paralímpicos podem se tornar ícones que incentivam a prática esportiva.
Mas, para que esse impacto inicial se transforme em um legado duradouro, é fundamental enfrentar desafios estruturais. A criação de espaços acessíveis para treinamento, o aumento de investimentos em projetos sociais e a ampliação de políticas públicas esportivas são passos cruciais para democratizar o acesso ao esporte. Iniciativas que oferecem suporte técnico e financeiro para atletas em potencial, especialmente em áreas periféricas, aumentam a chance de transformar realidades e consolidar a prática esportiva no cotidiano de milhões de brasileiros.
Na opinião de Nara Rejane Cruz de Oliveira, professora do Departamento de Ciências do Movimento Humano da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), os Jogos Olímpicos de 2024 foram marcados por compromissos sociais importantes, como a responsabilidade com a sustentabilidade. “Os jogos buscaram olhar de maneira mais ampla não só para o esporte, mas para como o esporte pode estar inserido na sociedade e no meio ambiente”, afirma. Para a professora, outro ponto relevante foi o avanço na equidade de gênero, com uma participação mais equilibrada no número de atletas homens e mulheres, pela primeira vez na história.
Apesar da celebração, a especialista diz que é preciso atenção, pois mudanças mais drásticas ainda devem ser colocadas na mesa. “A maior presença feminina nos Jogos gera um efeito positivo, no entanto precisamos entender que o esporte feminino enfrenta barreiras históricas e sociais profundas, especialmente no Brasil, onde questões de gênero ainda limitam o acesso de meninas e mulheres à prática esportiva”, observa.
Publicado pela revista científica The Lancet, em 2021, um estudo liderado pelo pesquisador Adrian E. Bauman investigou os reais impactos sociais dos Jogos ao longo das últimas décadas. Com o título “Uma avaliação baseada em evidências do impacto dos Jogos Olímpicos nos níveis de atividade física da população” (em tradução livre para o português), o artigo alerta que sem um planejamento estratégico robusto, incluindo políticas nacionais de incentivo ao esporte, infraestrutura comunitária e campanhas educacionais antes dos jogos, o evento pode permanecer como uma “oportunidade perdida” para promover a saúde global. Na conclusão do trabalho, a equipe de pesquisadores alerta que as ações devem ser acompanhadas por políticas integradas e esforços a longo prazo por parte do Comitê Olímpico Internacional, de governos e de comunidades locais, além de campanhas educativas que promovam a prática física no dia a dia da população.
Paris 2024 também confirmou que o Brasil é uma potência nos esportes paralímpicos. Contudo, somente a visibilidade de atletas com deficiência não é, por si só, suficiente para promover inclusão. Segundo a professora da Unifesp, ainda há um longo caminho para garantir acesso equitativo a incentivos esportivos básicos para essa população. “Precisamos de políticas públicas que olhem tanto para o alto rendimento quanto para a base, pois a inclusão deve começar desde cedo e ser constante”, pontua.
A mulher brasileira com mais medalhas douradas em Paralimpíadas, e uma das principais nadadoras paralímpicas do país, se chama Carol Santiago. Portadora da síndrome de Morning Glory, que afeta a retina e reduz o campo de visão, ela se destacou em Paris, na classe S12 (para deficientes visuais), trazendo três medalhas de ouro e duas de prata para casa. Em toda a sua carreira, já são dez medalhas, sendo seis de ouro, três de prata e uma de bronze.
Nos Jogos de 2024, a nadadora se consagrou como a maior atleta paralímpica brasileira na modalidade. “Foi incrível ouvir o hino nacional com toda a torcida comemorando”, recorda, referindo-se ao dia 31 de agosto, quando competiu nos 100 metros costas e levou seu primeiro ouro. Mesmo com todos os feitos, Carol enfatiza que suas conquistas vão além das medalhas. “Elas são um estímulo para crianças e adolescentes, mostrando que, independentemente das limitações, é possível alcançar grandes sonhos”, destaca.
Carol também acredita que o esporte paralímpico ajuda na transformação social e econômica de famílias, promovendo dignidade e oportunidades. Vista como exemplo para os jovens, a atleta defende o poder do esporte “não apenas para criar grandes atletas, mas grandes pessoas”. Seu contato direto com crianças, no Centro de Treinamento Paralímpico Brasileiro, na capital paulista, reflete seu compromisso em inspirar as próximas gerações a sonharem alto e trabalharem duro para realizar seus sonhos.
Como legado dos Jogos, a nadadora elogia a infraestrutura do CT Paralímpico, na capital paulista, que, segundo ela, é comparável aos melhores do mundo. Além disso, destaca a crescente valorização do esporte paralímpico no Brasil, tanto pelo aumento de patrocínios quanto pelo interesse de clubes. Além dos resultados esportivos, Carol emenda que atletas paralímpicos carregam histórias inspiradoras de superação e realização, o que torna a modalidade ainda mais relevante.
Considerada pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB) como a primeira mulher brasileira a conquistar uma medalha olímpica em esporte individual (em Pequim 2008), a judoca Ketleyn Quadros foi outro nome de destaque em Paris 2024. Ela ajudou a seleção brasileira a conquistar uma medalha de bronze por equipes mistas no judô, o que trouxe outro título: entre homens e mulheres, é a primeira atleta brasileira a ter 16 anos de separação entre o primeiro e o segundo pódio olímpico. O bronze de Pequim 2008, com 20 anos de idade, e o outro, aos 36.
Foi em meio à rotina de aulas no Sesi (Serviço Social da Indústria) da Ceilândia, região administrativa no Distrito Federal (DF), que uma menina curiosa encontrou no tatame o que viria a ser sua forma de expressão. Apesar de praticar natação na infância, Ketleyn Quadros viu seu interesse ser roubado por outro esporte: o judô. “Chegava em cima da hora na aula de natação, porque ficava assistindo às aulas de judô. Minha mãe até estranhou, mas depois perguntou se eu queria fazer uma aula experimental. Eu disse que sim”, recorda. Apesar de um começo despretensioso, a paixão foi imediata. “Minha família nem comprou quimono na época, achavam que seria fogo de palha”, brinca.
O caminho até ali foi marcado por oportunidades e incentivos. A judoca não apenas apostou em um esporte ainda dominado por homens, mas também enfrentou preconceitos. “Na época, eu nem sabia se mulheres podiam treinar judô. Não tinha outras meninas no tatame para eu me espelhar.” Mesmo assim, o apoio incondicional de sua família, em especial das mulheres, foi crucial. “Minha avó estava sempre comigo nos treinos, assim como minhas tias. Minha mãe, cabeleireira, fazia o possível para me apoiar, mesmo com a rotina ocupada.”
Inspirada por filmes de artes marciais, como Karatê Kid (1984-1994), a jovem Ketleyn admirava os movimentos e a dinâmica das aulas. Três décadas depois, a judoca se destaca não apenas por suas vitórias, mas também por inspirar gerações e fomentar debates sobre equidade, inclusão e legado social. “A responsabilidade de ser espelho para outras pessoas é enorme. Quando ganhei a medalha em Pequim, percebi o impacto que uma conquista pode ter, especialmente para meninas e mulheres negras”.
Os resultados em grandes competições, como os Jogos de Paris, são catalisadores de mudanças, assim como as campanhas esportivas podem despertar o interesse de crianças e jovens para se tornarem futuros atletas. “Você percebe o aumento de procura pelo esporte quando vê tantas mensagens dizendo: ‘Você me inspira, quero ser como você'”, conta Ketleyn. Porém, para manter o legado esportivo e garantir mais acesso, há uma série de desafios e necessidades.
A judoca aponta a importância da ampliação nos investimentos em infraestrutura e políticas públicas. “É fundamental ter centros de treinamento nas principais cidades e políticas que garantam continuidade, permitindo que jovens descubram seu potencial no esporte”. A judoca também defende a inclusão do esporte em escolas e a criação de iniciativas para que mais jovens tenham acesso às modalidades, destacando a importância de parcerias entre entidades públicas e privadas.
Para a professora Nara Rejane Cruz de Oliveira, a edição de Paris mostrou, de várias formas, que o esporte pode ser uma ferramenta poderosa para discutir e enfrentar desafios globais. No entanto, para que esses legados se traduzam em mudanças concretas no Brasil, é essencial o investimento em políticas públicas contínuas, inclusivas e adaptadas às realidades locais. “A mensagem é clara: o esporte deve ser tratado como um bem cultural indispensável, capaz de transformar vidas e sociedades”, resume a especialista.
Os Jogos Olímpicos de Barcelona 92 são frequentemente citados como um exemplo bem-sucedido de legitimação de legado. A cidade espanhola é conhecida por ter mantido uma infraestrutura esportiva e urbana duradoura pós-Olimpíadas. Porém, a professora ressalta as diferenças entre os contextos e a complexidade de replicar tal feito no Brasil. Para Oliveira, a chave está em políticas públicas esportivas que se adaptem à realidade de cada contexto geográfico e social, e que sejam sustentáveis a longo prazo. A professora cita programas como o Bolsa Atleta e a Lei de Incentivo ao Esporte como iniciativas fundamentais, mas alerta que é preciso expandir esse alcance, integrando o esporte à educação e à saúde.
Aos 33 anos, Caio Bonfim é o principal nome da marcha atlética no país. As últimas Olimpíadas ficarão marcadas em sua trajetória, já que foi em Paris que ele conseguiu seu melhor resultado da carreira, depois de quatro participações, com uma medalha de prata na modalidade de 20 quilômetros. “Competir nas Olimpíadas é sempre muito bom, é algo fantástico. O desafio é tentar transformar seu talento, treino e dedicação em medalhas”, disse, enfatizando como o aprendizado e as experiências o prepararam para ir mais longe.
Uma das grandes transformações no cenário esportivo, segundo o atleta, é a existência das redes sociais como espaço de visibilidade. Diferentemente do passado, quando a cobertura dependia exclusivamente das mídias tradicionais, hoje essas plataformas ampliam a visibilidade de modalidades pouco conhecidas. “Hoje você consegue ver o esporte que deseja, o atleta brasileiro que quiser. Isso dá oportunidade para modalidades que não são tão conhecidas serem mais divulgadas e crescerem”, explica.
Além das políticas e estruturas, o impacto humano das vitórias é inegável. Ele lembra que “os atletas com bons títulos já geram inspiração”, destacando como suas conquistas são capazes de inspirar jovens talentos. Mas ele alerta para a importância de que exista uma cadeia que integre desde a iniciação à alta performance. “Na iniciação, é preciso oferecer lugar para treinar, treinadores capacitados e oportunidades para mostrar talento. A gente precisa fazer algo a longo prazo. O verdadeiro legado do esporte está na capacidade de inspirar, estruturar e garantir que os sonhos de hoje se tornem as vitórias de amanhã”, arremata o atleta.
Quando a gente trabalha muito, se dedica e leva o esporte a sério, é possível, sim, conseguir realizar um sonho dessa dimensão
Flávia Saraiva, ginasta e medalhista olímpica
Precisamos de políticas públicas que olhem tanto para o alto rendimento quanto para a base, pois a inclusão deve começar desde cedo e ser constante
Nara Rejane Cruz de Oliveira, professora da Unifesp
Na época, eu nem sabia se mulheres podiam treinar judô. Não tinha outras meninas no tatame para eu me espelhar.
Ketleyn Quadros, judoca medalhista olímpica
Uma estação inteira de movimento, novos hábitos, diversão e atividades esportivas marca a programação do Sesc Verão 2025
Entre janeiro e fevereiro, o Sesc Verão comemora sua 30ª edição com o tema “Segue o Jogo!”, celebrando o incentivo a práticas esportivas e de atividades físicas ao longo de todas as fases da vida. A programação, com mais de mil ações gratuitas em todas as unidades do Sesc no estado de São Paulo, prioriza o convívio social, a inclusão e a diversidade, buscando não apenas promover um estilo de vida ativo, mas também criar experiências duradouras que incentivem a prática do esporte na rotina diária.
Realizada entre 4/1 e 16/2, a programação do Sesc Verão 2025 é composta por uma ampla variedade de atividades físico-esportivas para todos os públicos. Durante esse período, as unidades do Sesc São Paulo oferecem aulas abertas, festivais, apresentações com atletas, vivências e recreações esportivas, criando oportunidades para as pessoas se conectarem, experimentarem novas modalidades e escolherem quais integrar ao dia a dia.
Para Carol Seixas, gerente da Gerência de Desenvolvimento Físico-Esportivo do Sesc São Paulo, o propósito do Sesc Verão é contribuir para a construção de legados positivos a partir de experiências em momentos de lazer e bem-estar. “O poder transformador da criação do legado do hábito, do prazer e da alegria do corpo em movimento pode gerar adesão e permanência na prática esportiva como rotina de vida”, destaca.
Confira destaques da programação:
FLORÊNCIO DE ABREU E CARMO
No Centro, dá praia!
Uma quadra de areia fica disponível para o público curtir, jogar, experimentar e vivenciar esportes e atividades físicas.
De 11/1 a 23/2. Segunda a sexta, das 11h às 19h. Sábados e domingos, das 10h às 18h. No Vale do Anhangabaú. GRÁTIS.
INTERLAGOS
Vôlei de areia
Apresentação esportiva e vivência com as campeãs olímpicas Ana Patrícia (ouro em Paris-2024) e Jackie Silva (ouro em Atlanta-1996).
Dia 4/1. Sábado, às 10h. GRÁTIS.
SANTANA E GUARULHOS
Ginástica artística com Flávia Saraiva
Bate-papo e vivência com Flávia Saraiva, que compartilha sua trajetória e desafios da carreira.
Dia 12/1. Domingo, às 10h30 (Santana) e às 15h30 (Guarulhos). GRÁTIS.
VÁRIAS UNIDADES
Marcha atlética
Bate-papo e treino coletivo com Caio Bonfim. Medalhista de prata em Paris-2024, o atleta fala sobre a carreira e os desafios da modalidade.
Dia 12/1. Domingo, às 10h (Araraquara) e às 15h30 (Franca). Dia 2/2. Domingo, às 10h30 (Casa Verde) e às 15h30 (14 Bis). GRÁTIS.
Saiba mais: sescsp.org.br/sescverao
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