Ilustração WM
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Ao se tratar do tema do refúgio, a questão dos direitos humanos apresenta-se quase que naturalmente. Não há como desvincular a concepção contemporânea da proteção internacional aos refugiados à garantia dos direitos humanos como a compreender a partir dos meados do século XX. Nesse sentido, importante lembrar que todas as ações de acolhimento e proteção às pessoas em situação de refúgio refere-se, sempre, à tentativa de corrigir uma situação de violação de direitos humanos presente na nossa sociedade.
Outrossim, ao nos referirmos aos direitos humanos somos remetidos à criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, após a Segunda Guerra Mundial, quando esse documento foi adotado e proclamado pela Assembleia Geral das Nações Unidas. A Declaração define, em trinta artigos, os direitos básicos do ser humano, configurando-se, dessa maneira, em um valor normativo a ser seguido e aplicado.
Ao observar a situação mundial atual, no entanto, percebemos que tal norma tem sido constantemente violada. O refúgio, na contemporaneidade, acaba por se transformar em um dos grandes símbolos da incapacidade dos Estados em garantir a todos a proteção vislumbrada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e, dada a dimensão e visibilidade que assumiu nas últimas décadas, passa a mobilizar a sociedade na proposição de alternativas e ações que apoiem os grupos de seres humanos que se deslocam à procura de acolhimento.
As ações do Sesc São Paulo com pessoas em situação de refúgio têm início em 1995, quando o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, então Arcebispo da cidade de São Paulo, apresenta ao presidente da Federação do Comércio, Abram Szajman, sua preocupação com o cenário que se apresentava naquele momento, quando o Brasil passou a receber um maior número de solicitações de refúgio. Dom Paulo apontava para a necessidade de ampliação de um suporte social e cultural a esse grupo.
Estabelece-se, assim, no final da década de 1990 uma nova proposição de atuação junto a esses grupos que chegavam ao país. As unidades do Sesc transformam-se em alternativa de espaço de acolhimento e convívio, tendo o curso de português para pessoas em situação de refúgio, no Sesc Carmo, região central de São Paulo, como um dos primeiros métodos de aproximação e integração.
Importante lembrar que essas discussões antecederam a Lei nº 9.474, a chamada Lei do Refúgio, promulgada em 22 de julho de 1997 e que implementou o Estatuto dos Refugiados, de 1951, no Brasil. A preocupação do Sesc antecipa em muitos anos a frequência e visibilidade do tema do refúgio quando, em 2017, o Alto Comissariado das Nações Unidas alertou para a grave crise humanitária, sem precedentes, que vivemos neste século, referindo-se ao refúgio provocado por conflitos generalizados e prolongados, amplamente divulgado pela mídia.
O Sesc São Paulo, atento às dinâmicas sociais, estimula o diálogo sobre esse tema com a sociedade, e, por meio de ações socioculturais, lança um convite aos próprios sujeitos que vivem a situação de refúgio, às entidades que atuam diretamente no acolhimento e proteção dessa população, e ao poder público, ao criar oportunidades de convívio e de reconhecimento de afinidades diante de uma situação que, a princípio, parecia distante.
Mais de vinte anos depois de seu início, o trabalho com pessoas em situação de refúgio expandiu-se para todas as unidades do Sesc. O atendimento não se limita mais ao curso de português, mas inclui uma série de outras atividades. Mesmo em regiões do Estado com menos afluência de estrangeiros, são programadas ações que pretendem aproximar a população do tema do refúgio e sobre a importância do acolhimento – especialmente considerando o contexto brasileiro, país formado por gerações de imigrantes.
Práticas culturais
Como atividade pioneira, o curso de português para refugiados procura focar as demandas mais urgentes de comunicação. Diante da diversidade de origens e de questões trazidas pelos participantes, o material do curso é reformulado constantemente com a contribuição dos próprios alunos e a sala de aula se torna um ambiente propício às trocas e ao convívio.
Além disso, nesses anos, tornou-se perceptível que além do domínio da língua, as pessoas em situação de refúgio buscam apreender outros elementos da cultura do país. Assim, encontros que apresentam a literatura, cinema e música como ferramenta para apropriação crítica das práticas culturais brasileiras passam a contribuir na ampliação do repertório cultural e linguístico como resposta à demanda apresentada por esse grupo.
É interessante observar, também, o impacto das ações sobre o público que frequenta as unidades do Sesc, que passam a conviver cotidianamente com pessoas que vivem a situação de refúgio, uma vez que a oportunidade de convivência pode ser importante para a desconstrução de estereótipos e sensibilização para essa crise humanitária que diz respeito a
toda a sociedade.
Participação ativa e convivência
Ponto significativo para o Sesc é a escuta de quem integra e vive a situação de refúgio. Convidados a compartilhar aspectos da sua cultura, dos seus hábitos e valores protagonizam atividades autorais, que dão visibilidade a culturas distintas. Além disso, a pessoa que vive a situação de refúgio não é apenas convidada para falar sobre sua história. Hoje, as pessoas que solicitam refúgio no Brasil e que residem no Estado de São Paulo recebem uma matrícula de interesse social no Sesc (MIS), que permite acesso aos seus diversos serviços e atividades, como uma forma de facilitar sua integração à comunidade e a criação de novos vínculos.
Atualmente, para além dos cursos de português, as ações propostas às pessoas em situação de refúgio procuram dialogar com os vários elementos da política e da cultura – gastronomia; música; religião; dança; contação de histórias –, em diversos formatos, como palestras, oficinas e intervenções artísticas.
Nada disso, contudo, seria possível sem o apoio de importantes parceiros que qualificam e viabilizam o trabalho sociocultural com pessoas em situação de refúgio no Sesc. A instituição tem convênios com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), a Cáritas da Arquidiocese de São Paulo, e também conta com uma rede de parceiros composta por várias organizações não-governamentais e casas de acolhimento, o que auxilia a chegar mais facilmente a esses grupos, muitas vezes isolados por barreiras culturais e refratários ao contato com instituições brasileiras.
Ao trazer as pessoas em situação de refúgio para as atividades promovidas no Sesc, o desejo da instituição é estreitar relações e consolidar a proposta de fazer das unidades um espaço de acolhimento e reconhecimento, aprendizagem e trocas culturais.
Assim, pelo contato no cotidiano cria-se oportunidade para desconstrução de estereótipos e preconceitos. Convivendo e compreendendo melhor uns aos outros, fica a oportunidade para refletir sobre a sociedade que queremos construir.
Para crescer, e amadurecer, é necessário cultivar o olhar da diferença.
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