Farinha, água, fermento e sal. Parece improvável que filões saborosos, ao mesmo tempo macios e crocantes, possam resultar de tão simples ingredientes. É, afinal, o milagre do pão, que há milhares de anos vem saciando e fascinando pessoas ao redor do planeta.
Nos últimos anos, cada vez mais gente vem se aventurando por esse universo e praticando “pequenos milagres”, em fornadas caseiras. “Todo mundo pode fazer pão”, declara o consultor gastronômico e autor do livro Pão Nosso, Luiz Américo Camargo. “Pão alimenta, pão conforta, pão ensina (inclusive a esperar), pão diverte”, completa.
A frente da curadoria do Compartilhando o pão, que acontece durante todo o mês de outubro no Sesc Santana, ele reuniu profissionais que são referência na panificação brasileira para explorar cada minúcia da feitura de diferentes tipos de pães. As atividades integram o Experimenta! Comida, saúde e cultura, que celebra o universo da alimentação em todas as unidades do Sesc neste mês.
Confira a entrevista com Luiz Américo Camargo e acompanhe a programação das oficinas e aulas expositivas do Compartilhando o Pão aqui.
Recentemente temos visto um interesse crescente das pessoas em fazer pães, procurando informações sobre o assunto. Na sua opinião, o que motivou esse interesse?
Creio que é um conjunto de coisas. Tem o interesse por comer melhor, por saber a origem dos alimentos, de saber o que estamos ingerindo. Há uma crescente fascinação pela gastronomia, por outro lado, que tem levado muita gente a cozinhar, se aventurar por modalidades culinárias ainda não experimentadas. Existe ainda um movimento de valorizar o artesanal, de buscar coisas que podemos fazer em casa, com nossos recursos; isso vai do picles, das compotas, das cervejas, do keffir, até o pão. Em suma, quando as pessoas aprimoram o paladar, buscam experiências gustativas (e nutricionais) mais completas, acho que é inevitável que acabem se arriscando pelo pão. Não só para fazer em casa, mas também procurando padarias melhores, artesãos melhores. Fazer pão, fora isso, é um hobby incrível, fascinante, divertido. Quem segue pela fermentação natural, então, fica ainda mais encantado e desafiado. E aqui cabe uma crítica ao mercado: no geral, o pão vendido por aqui é de baixa qualidade. E as pessoas descobriram que podem produzir fornadas mais gostosas, mais nutritivas, selecionando boas farinhas, usando boas técnicas e conselhos.
O pão está presente na alimentação humana há muito tempo e tem uma forte simbologia: alimentar, compartilhar, matar a fome… Por que você acha que esse alimento sobreviveu a tantos séculos e está presente em tantas regiões do mundo?
Bom, o pão é o alimento divino, não? Nem precisa ser religioso para perceber sua importância no mundo. Sendo um item tão completo, rico, ele foi (e é) fundamental como gerador de energia, como promotor da saciedade. Se há pão, não há desnutrição. Vamos lembrar ainda que foi graças ao pão (e à decorrente necessidade de produzir trigo) que se organizou praticamente todo o modo de produção agrícola, milhares de anos atrás. Fora isso, apesar das variações regionais, nacionais, praticamente todas as sociedades têm a sua versão, as suas receitas, as suas tradições. E, sim, a panificação une, permite o compartilhamento, a troca – seja de filões, seja de conhecimento. Comer e fazer pão são, acima de tudo, atividades com algum grau de coletividade, sempre.
Como curador do Compartilhando o Pão, no Sesc Santana, como foi a escolha dos temas e dos nomes dessa série de oficinas?
A ideia foi mostrar a diversidade e a qualidade de toda uma nova geração de panificadores. Desde padeiros com estruturas maiores a verdadeiros artesãos e artesãs. A ideia foi montar um painel de temas que contemplasse desde aulas com um pouco mais de teoria, de fundamentação técnica, a atividades que valorizassem pães simples, cotidianos, com aulas bem lúdicas, para se lambuzar de farinha. Tenho muito orgulho de ter reunido um time com profissionais como Papola Ribeiro, Flávia Maculan, Iza Tavares (um viva às padeiras, cada vez mais presentes!), Rogerio Shimura, Raffaele Mostaccioli, Marcos Carnero, Marco Antônio Correa (eu também darei aula). Eles são a prova de que, em minha opinião, vivemos o início de uma idade de ouro do pão em SP e no Brasil, que está mudando o cenário. Todos são conhecidos do público, em maior ou menor escala, seja pela imprensa ou pelas redes sociais, e têm muitos admiradores, seguidores, fregueses. Todos têm trabalhos muito pessoais. Então, os visitantes que vierem ao Sesc Santana vão poder ter experiências muito diversas, desde pensar o pão nutricionalmente, ou de refletir sobre como se estrutura uma receita, até enfiar a mão na massa para fazer um belo pão doce, ao estilo clássico das padocas. As aulas vão interessar a padeiros de vários níveis – e atrair mesmo quem nunca se aventurou com o pão.
Pessoalmente, o que levou você a iniciar nesse universo?
Sempre gostei de pão e, com o passar dos anos, fui me interessando por sua preparação. Faço pães desde os anos 90, comecei numa época sem Google, sem tutoriais do Youtube, com poucos livros disponíveis. Paralelamente, fui aprofundando meu trabalho como crítico e editor em gastronomia (o que incluía estudar o pão). Fui me aperfeiçoando em receitas caseiras, enveredei pela fermentação natural, que me conquistou completamente, e comecei a compartilhar isso com os leitores. O interesse foi tanto que me estimulou ainda mais a sistematizar as coisas que eu ia aprendendo, tanto na internet como em aulas, palestras e, especialmente, em meu livro Pão Nosso. Eu me considero um padeiro doméstico e, acima de tudo, um comunicador do pão. O mais legal é que a aprendizagem, neste assunto, é contínua, infinita. Aprende-se o tempo todo, erra-se o tempo todo. E, tantos anos depois, continuo me emocionando em ver a fermentação acontecer, em ver um belo pão assando no forno.
Que primeira dica você poderia dar a quem quer começar a fazer pão?
Costumo dizer que o pão, além farinha, água, fermento e sal, exige alguns ingredientes a mais, como paciência e perserverança. Errar faz parte do processo e, com a repetição, com boas dicas, é possível Ir progredindo continuamente. Recomendo sempre que as pessoas percam o medo e não fiquem criando desculpas para não fazer pão. Usem os ingredientes à mão, os equipamentos domésticos, o que for possível. Com o tempo, com o aprendizado, é legal ir testando novas farinhas, comprando uns acessórios melhores. Mas, reforço: todo mundo pode fazer pão. Basta prestar atenção, não desanimar, e usar os procedimentos adequados. Pão alimenta, pão conforta, pão ensina (inclusive a esperar), pão diverte.
Uma breve história do pão
É provável que o pão tenha surgido há 12 mil anos na Mesopotâmia, juntamente com o cultivo do trigo.
Inicialmente os pães eram feitos de farinha misturada com o fruto do carvalho. Os primeiros pães eram achatados, duros, secos e muitos amargos. Além disso, o pão era lavado várias vezes em água fervente e depois era assado sobre pedras ou embaixo de cinzas.
O primeiro pão assado em forno de barro foi a 7000 a.C. no Egito, local onde, tempos depois, descobriram o fermento. O pão chegou à Europa em 250 a.C. sendo preparado em padarias, porém, com a queda do Império Romano, o pão começou a ser feito em casa.
A partir do século XII a França começou a melhorar a fabricação do pão e, no século XVII, destacou-se como centro mundial de fabricação de pães.
Em terras brasileiras, o pão começou a ser popular no século XIX, apesar de ser conhecido desde os colonizadores. Os pães feitos no Brasil eram escuros, enquanto na França o pão era de miolo branco e casca dourada.
O pão francês brasileiro não tem muito a ver com o verdadeiro pão francês, pois a receita do pão francês no Brasil só surgiu no início do século XX e difere do pão europeu por conter um pouco de açúcar e gordura na massa.
Independentemente do país em que é produzido, o pão é um saboroso produto e excelente fonte de energia!
Fonte: Portal Brasil Escola
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