O processo de composição coletiva da Funmilayo Afrobeat Orquestra

12/08/2021

Compartilhe:

Foto: José de Holanda

Cada um em sua casa, com seu instrumento e interagindo virtualmente com outros músicos. Essa se tornou a realidade de de alguns artistas durante o isolamento social, causado pela pandemia da Covid-19. Processos de composição, apresentações e interações com o público passaram a ser mediadas pelas telas dos computadores e celulares. 

Com a Funmilayo Afrobeat Orquestra não foi muito diferente. A banda, formada em 2019, leva o nome de Funmilayo Kuti,  nigeriana, professora, ativista dos direitos das mulheres e mãe de Fela Kuti, um dos maiores nomes do afrobeat. A banda é integrada por 11 mulheres e pessoas não-binárias negras que tiveram que se adaptar ao contexto e continuar o trabalho da banda diante das limitações do período.  

Parte dessas atividades da orquestra foi registrada em vídeos que integram o “Processo de Composição Coletiva”, apresentado em três episódios pelo Sesc Itaquera, a programação faz parte da ação Do 13 ao 20: (Re) existência do Povo Negro. Dentro de suas casas, as integrantes compartilham com o público detalhes de como cada um dos instrumentos foi utilizado na música Travessia, criada especialmente para o projeto.  

A banda aborda a narrativa da música por meio da valorização da clave que, segundo o compositor Letieres Leite, “pode ser entendida como a menor porção rítmica que define não só um ritmo, como aponta para sua localização geográfica, sua origem e percurso étnico e histórico” (1). São padrões rítmicos que atravessaram o Oceano Atlântico em direção às Américas, juntamente com as milhares de pessoas escravizadas por quase quatro séculos.  

Claves, como o Vassi e o Ijexá, são portadores de grandes complexidades e memórias. Assim como microchips, elas armazenam séculos de histórias, informações geográficas, danças, rituais, falas e gestos. São uma forma eficaz e duradoura de tecnologia ancestral para a preservação da memória sociocultural dos povos africanos.  

Esses padrões rítmicos se espalharam e penetraram as músicas populares da África e da Diáspora, como o afrobeat, a salsa, o jazz, o samba e o funk. Por meio da música “Travessia”, a banda propõe contar a história das claves considerando sua experiência como uma banda de afrobeat brasileira. 

“A letra de travessia foi pensada a partir das discussões que fizemos sobre as claves e a incrível capacidade de comunicar e transmitir informações que elas possuem, remetendo diretamente às qualidades de Exu, orixá comunicador que interliga mundos e atravessa temporalidades: Exu matou um pássaro ontem com uma pedra que jogou hoje”, afirma a banda.  

“Essa possibilidade de atravessar temporalidades, comunicar, memorar e transformar está representada na letra principalmente na escolha do tempo verbal: o futuro do pretérito, usado para designar ações que poderiam ter acontecido posteriormente a uma situação no passado. Verbo permeado pela ideia de possibilidade e que carrega um horizonte aberto à transformação. A letra fala da jornada de sobrevivência das claves como uma metáfora para resiliência negra”, completa.  

A letra da música diz:  

“E quem duvidaria que o mar eu atravessaria  

Entre as margens o infinito 

Um grito inaudito a revoar 

Como semente seria 

Passado brotando tecnologia  

Futuro que volta pra pedra pegar  

Em corpo eu me transformaria  

No silêncio da encantaria 

No vão eu iria habitar 

O impossível possibilitaria 

O tombo do jogo, a rebeldia  

O canavial deixaria queimar” 

Acompanhe a série de vídeos:  

Episódio 1 – Base 

Bateria (Priscila Hilário), Baixo (Bruna Duarte), Guitarra (Jasper), Teclado (Tamiris Silveira) e Percussão (Sthe Araújo e AfroJu Rodrigues). 
 

Episódio 2 – Metais 

Trompete (Larissa Oliveira), Saxofone Tenor (Ana Goes), Saxofone Alto (Stela Nesrine) e Saxofone Barítono (participação de Sintia Piccin) 
 

Episódio 3 – Letra/Vozes/Dança 

Voz principal (Participação de Graciela Soares), Letra (Rosa Couto), Performance (Vanessa Soares) e Coros + Percussão Vocal (Graciela Soares juntamente com a banda). 
 

Para encerrar o projeto, o Sesc Itaquera transmitiu um bate-papo ao vivo com participação das integrantes da Funmilayo Afrobeat Orquestra, Rosa Couto, AfroJu Rodrigues, Jasper Okan, e da cantora convidada: Graciela Soares. 

(1). LEITE, Letieres. “Rumpilezzinho: laboratório musical de jovens – relatos de uma experiência”. Salvador: Editora: LEL Produção Artística, 2017. 

 ———- 

Este conteúdo faz parte do projeto Do 13 ao 20 – (Re)Existência do Povo Negro, ação do Sesc São Paulo que faz alusão aos marcos 13 de maio e 20 de novembro e busca o fortalecimento e o reconhecimento das lutas, conquistas, manifestações e realidades do povo negro. Conheça a programação aqui. 

Saiba mais em sescsp.org.br/do13ao20

Conteúdo relacionado

Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.