Doce de casca de Jabuticaba – Foto: Renata Teixeira
Quando eu era criança, minha família era pobre. Não que hoje não seja, mas naquele tempo éramos muito pobres mesmo. Essa informação é importante, pois eram outros tempos. Falo do início da “redemocratização”, período logo após a ditadura militar, que deixou o país em frangalhos. Talvez pra meus pais, como para muitas daquelas pessoas, a ditadura aparentemente nem existiu. Enquanto o centro, as elites e a classe média lutavam pela liberdade, as pessoas da periferia lutavam pela sobrevivência. A informação não chegava, mas os efeitos oriundos dela todo mundo sentia: altas taxas de desemprego, país em recessão, desigualdade social ao extremo, hiperinflação…Falando assim parece que estou descrevendo um cenário de ficção, né? Infelizmente não. Naquele tempo os preços dos produtos eram remarcados a todo momento. Tenho uma lembrança de ver as máquinas de remarcação de preços nas mãos dos funcionários dos supermercados. O tec tec que ela fazia era uma sinfonia que eu achava mágico. Queria ter uma daquelas em casa. Ôh. criança inocente! Mal sabia eu que a cada nota tocada por aquele instrumento era um verdadeiro fuzilamento no coração dos adultos que ali estavam.
Morávamos na periferia da periferia da cidade. Era bem distante de tudo, diante da qualidade dos transportes e da velocidade dos veículos da época. Tudo girava em torno do centro e quanto menos dinheiro se tinha, mais pra periferia, pra borda, pra casca você morava. Meu pai trabalhava o dia todo e o dinheiro não aguentava os 30 dias do mês. Algumas vezes chegou a faltar a ‘mistura’ em casa (só tinha arroz e o caldo do feijão) e minha mãe saía pra pegar os talos do pé de chuchu que caíam pra fora do muro de um terreno no bairro. Não tinha chuchu, eram somente os talos. Eu e meu irmão acompanhávamos e ajudávamos ela a colher. Pra mim aquilo era uma brincadeira. Pra ela esse período trouxe pequenos traumas que nenhum psicólogo seria capaz de resolver. Eu não sabia que aquilo fazia parte da refeição do dia. Era criança e pra mim quanto menos comida melhor. Ôh inocência! (risos). Com criatividade e com aqueles talos ela fazia um belo refogado que alimentava a esperança de um futuro melhor.
Meu pai, um dos muitos retirantes do êxodo nordestino, veio pra São Paulo no auge da industrialização no Brasil e trazia consigo memórias e a experiência do trabalho com a terra e o conhecimento que não aprendeu em nenhuma escola. A sua relação com o plantio era muito forte. Tinha habilidades que aprendera com meu avô, habilidades que eu só fui conhecer depois que nos mudamos para uma casa com um terreno grande. Um desses conhecimentos estava na compreensão de que a casca também é importante para a alimentação e é nela que estão grande parte dos nutrientes. Naquele tempo o ato de descascar os alimentos era visto como uma questão de higiene e muitas pessoas faziam isso descartando todo tipo de casca, inclusive a da batata para cozimento ou fritura. Tinha gente que descascava a maçã, e isso parecia chique. Lembro claramente das palavras de meu pai “Não precisa descascar a batata. É só lavar bem!”, “Pode comer a casca da maçã. É nela que estão as vitaminas. O que é bom tá na casca!”. Pra você ver como a conversa e a troca de conhecimentos entre adultos e crianças é importante: essas palavras ele me falou quando eu era um garotinho de 5 anos de idade. Ouvi aquilo e jamais esqueci.
Dessa forma aprendi que é importante prestar atenção àquilo que é descartado. Como um grande poeta disse uma vez “A revolução virá da periferia”, mas ninguém deu bola. Quem sabe agora? Pois é ali que estão os grandes nutrientes: na periferia, na borda, na casca. E assim cresci num mundo em que a batata sempre foi rústica, o suco do abacaxi sempre foi preparado com a casca e as minhas maçãs e goiabas nunca foram descascadas. Naquele tempo meus pais não sabiam da existência de termos como PANC (Plantas Alimentícias Não Convencionais) nem nada disso. Não havia internet (nem TV nós tínhamos nessa época) e mesmo assim o conhecimento se propagava e se retransmitia. Era através do instinto que meus pais aprendiam. Os tempos mudaram, hoje a informação chega mais rápido e é aqui, através da internet que retransmito as dicas de como aproveitar integralmente os alimentos, passadas pela Beatriz Carvalho e pelo Arthur Rodrigues, do “Mato no Prato”. Como eles mesmos disseram “Aproveitar integralmente os alimentos é muito mais que usar a casca! É comer o pé todo! (risos)”.
Por Ronaldo Domingues, Editor web do Sesc Campo Limpo
‘Refogado de mamão verde’ e ‘Caponata de coração de bananeira’. Foto: Renata Teixeira
YES, NÓS TEMOS BANANAS!
Apesar de não ser originária do Brasil, a bananeira se adaptou ao nosso solo e clima tropical e está por toda a parte desse nosso Brasilzão. Além de comer a fruta, a casca também pode ser usada na preparação de bolos; a folha da bananeira pode ser utilizada para embrulhar e assar peixes e carnes, substituindo o papel alumínio ( que em altas temperaturas pode soltar o alumínio para os alimentos – É importante lembrar que a folha da bananeira também não pode ter pesticidas para não passar para os alimentos); o miolo do tronco também é comestível e se bem preparado se assemelha ao palmito Jussara; e até o coração (ou umbigo) da bananeira é comestível e rende uma bela Caponata.
CAPONATA DE UMBIGO (OU CORAÇÃO) DE BANANEIRA
Ingredientes
– 1 umbigo de bananeira grande
– 1 cebola
– 3 dentes de alho picados
– 1 pimentão vermelho
– 1 pimentão amarelo
– 100g de uva-passa
– 100g de azeitonas verdes fatiadas
– 1/3 de maço de salsinha picada
– Suco de 1 limão
– Pimenta síria
– Sal e azeite a gosto
Modo de Preparo
Coloque água com o suco de 1 limão em um recipiente grande. Conforme for despetalando as partes marrons do umbigo da bananeira vá colocando as flores e partes mais claras ( mais macias) na água com limão para não escurecer. Pique o coração da bananeira em pedacos bem pequenos (como na foto). Aqueça uma panela com água e ferva toda a porção comestível do coração por 15 minutos.
Repita o processo de fervura 3 vezes, sempre descartando a água. (*Esse processo é importante para tirar o amargor). Escorra o umbigo e adicione o sal, o azeite, o alho e a pimenta síria enquanto ainda estiver quente para pegar bem o tempero. Adicione os demais ingredientes e misture bem. Sirva quente ou frio.
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MAMOEIRO
O mamão geralmente é consumido com o fruto maduro. Muita gente come de manhã, com mel e aveia, mas nem todo mundo sabe que também é possível consumí-lo verde; as sementes, depois de secas, podem ser moídas, substituindo a pimenta do reino; e até o caule (ou a medula do caule) do mamoeiro é comestível. Vale ressaltar que não é para sair arrancando os mamoeiros por aí. Esta última opção é uma das utilizações caso o mamoeiro esteja improdutivo ou se você precisar remanejar o espaço de uma plantação.
REFOGADO DE MAMÃO VERDE
Ingredientes
– 1 mamão verde
– 1 cebola
– 3 dentes de alho
– Cúrcuma
– Pimenta do reino
– Sal e azeite a gosto
Modo de Preparo
Faça sulcos não muito profundos na casca do mamão verde e deixe descansar por 20 minutos para escorrer o “leite”(tome cuidado com o líquido, mancha as roupas e irrita a pele). Descasque o mamão e corte na metade. Retire as sementes e rale. Refogue a cebola e o alho com sal, azeite, cúrcuma e a pimenta. Acrescente o mamão e deixe refogar por cerca de 5 minutos.
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É DO BRASIL
A Jabuticaba, essa fruta nativa do Brasil é mais um dos alimentos que pode ser consumido por completo! É difícil encontrar alguém que não goste dessa maravilha da natureza. A fruta é consumida in natura e também em sucos. Uma dica legal é fazer o suco somente com a polpa e utilizar a casca para fazer um belo doce de casca de jabuticaba. Fica parecido com uma compota, com uma ameixa em calda.
DOCE DE CASCA DE JABUTICABA
Ingredientes
– Jabuticaba
– Água
– Açúcar
Modo de Preparo
Esprema as jabuticabas para tirar os caroços e a polpa (faça suco com a polpa). Coloque somente as cascas numa panela e cubra com água. Ferva por alguns minutos para tirar o amargor. Tire a panela do fogo e escorra a água. Volte a panela ao fogo, com água e açúcar. Ferva até dar o ponto de calda.
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