O Rock Preto do Black Pantera 

19/07/2023

Compartilhe:

Fernando Bisan*

Banda de Uberaba (MG) fala da música negra no rock e dos perrengues atravessados para ter reconhecimento no cenário nacional. 

O Black Pantera já chegou mandando a braba: “O rock´n roll tem suas origens negras. A gente não está achando. Isso é um fato.” A banda mineira de Uberaba, composta por Charles Gama (guitarra, vocal), Chaene da Gama (baixo) e Rodrigo “Pancho” Augusto (bateria), esteve na 13ª edição do Sesc Thermas do Rock, em Presidente Prudente, para se apresentar no palco do festival e também para o bate-papo “O Rock é Preto”.  A conversa girou em torno das influências da música negra no rock e dos perrengues que a banda atravessou para ser reconhecida no cenário nacional. 

“Tudo foi roubado, tudo foi sequestrado, tudo foi apagado. Agora é um tempo de retomada.”

Apesar de Elvis Presley ser considerado o rei do rock, o Black Pantera defende que o gênero nasceu das mãos de uma mulher preta, chamada Sister Rosetta, que a banda considera como sua madrinha. Além dela, também existiam outros artistas negros, como Little Richard e Muddy Waters, antes mesmo do Elvis, que bebeu dessa riquíssima fonte musical. Elvis se tornou o “rei do rock” não apenas pela qualidade de seu trabalho, mas principalmente por dar uma cara branca ao estilo criado por negros. 

A história de sequestro e apagamento da cultura negra só se repete, e com o Black Pantera não foi diferente. “O Brasil e o mundo são muito racistas. A sociedade nos molda desse jeito. Não dá pra tapar o sol com a peneira. Temos muito orgulho de ser uma banda preta, mas foi muito difícil chegar onde chegamos justamente por isso. Essa banda é uma luta, um movimento. E é uma luta que vai durar anos, mas nós vamos persistir. Talvez a gente nem veja aqui a tão sonhada mudança, mas é algo que estamos plantando aqui e vamos seguir nesse caminho”, reflete Charles Gama. 

Foto: Maila Alves

O nome da banda é uma homenagem ao partido dos Panteras Negras e as letras tratam das vivências do trio, enquanto homens pretos e cidadãos brasileiros. “Olhando o nosso passado, percebemos que não éramos tão racializados quanto somos agora. Isso nos fez perceber como a educação no Brasil não dá voz à nossa história, à história dos nossos ancestrais. É muito superficial a maneira como a escola entende a cultura dos nossos ancestrais negros”, fala Chaene Gama. A partir dessa inquietação, a banda foi se desconstruindo e aprimorando o discurso nas letras. “Isso nos ajudou a entender melhor o nosso lugar. Sabemos quem somos agora, pra pensarmos melhor o nosso futuro. O nosso discurso é político, as nossas vivências são políticas, as nossas dores são políticas”, completa Chaene. 

“Nós não queremos ser exceção. Queremos trazer as pessoas junto com a gente.”

Em 2022, o Black Pantera foi convidado para tocar no palco Sunset do Rock in Rio. Sobre a experiência, Charles Gama comenta: “A gente adora tocar em festival porque somos ouvidos por pessoas que não acessariam o nosso som de outra forma, mas não queríamos ser “a banda preta do Rock in Rio”. A gente quer que seja normal ter uma banda e uma galera tocando, com uma galera indígena, com uma galera LGBTQIAP+. A gente quer que isso seja comum. A gente entende que agora é um tempo de retomada do rock, então queremos que os festivais percebam o poder da pluralidade e da diversidade.” 

“No nosso caso, somos uma banda de Uberaba (MG), uma cidade que apesar de ter uma pequena cena do rock, é dominada pela música sertaneja. Quando começamos o Black Pantera há 10 anos, eu já tinha o conceito do projeto e seguia um site chamado Afropunk, uma organização que celebra a cultura negra e a diversidade através da música, arte e comunidades. Gravamos cinco canções e enviamos para o site, sem nenhuma pretensão. Uma semana depois, entraram em contato com a gente e fizeram um release maravilhoso sobre a banda. Aquilo pra nós foi um choque, ao perceber o valor que um pessoal de Nova Iorque deu ao nosso som”, relembra Charles. 

Foi o empurrão que a banda precisava para fazer o projeto crescer. Entraram em contato com a curadoria do festival, que os convidou para tocar em Paris, por um valor simbólico. Até o momento, o Black Pantera nunca havia se apresentado em uma capital brasileira. Com muito esforço, juntaram uma grana, fizeram as malas e foram tocar na França. Na plateia, estava um dos responsáveis pelo Download Festival, que adorou o som da banda e os convidou para se apresentarem em 2017.  

“A gente nem levou a sério, achamos que era brincadeira, mas um tempo depois, esse cara adicionou a gente no Facebook e perguntou se queríamos tocar no mesmo dia em que tocariam  System of a Down e Slayer. Aceitamos na hora, é claro!”, diz Chaene.  

No festival, havia nomes como Tom Morello, Linkin Park, Suicidal Tendencies e Green Day, além de duas bandas brasileiras: Far From Alaska e Ego Kill Talent, porém a imprensa brasileira só falava dessas duas bandas. No Brasil, zero visibilidade para o Black Pantera, que na ocasião, se apresentou para 50 mil pessoas.  

Em 2018, o trio foi convidado para tocar no Afropunk em Nova Iorque, e só a partir disso a banda começou a ser reconhecida e a tocar no Brasil. “Esse reconhecimento veio às custas de muito perrengue”, comenta Charles. “Como somos pequenos, os festivais te chamam pra tocar lá fora e dão um mísero cachê… e você tem que se virar. Chegamos a dormir na rua em Nova Iorque. Sorte que não estava frio na época! Hoje a gente vive da banda, mas até o ano passado, a gente tocou no Rock in Rio no domingo e na segunda estávamos passando o ponto no trampo”, relembra Charles. 

*Editor Web do Sesc Campinas.

Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.