Por Ivani Oliveira
Psicóloga, integrante do Instituto Afro Amparo Saúde, docente e supervisora de estágios da Universidade Cidade São Paulo (Unicid).
“Foram me chamar
Eu estou aqui, o que é que há?
Foram me chamar
Eu estou aqui, o que é que há?”
– Alguém me Avisou, Canção de Dona Ivone Lara
Sonho meu, sonho seu, sonho nosso!
Dona Ivone Lara ancestralizou em abril de 2018, no mesmo mês em que estamos, inclusive é o mês em que ela surgiu há 100 anos atrás, se expondo e nos expondo a tanta emoção, ela nasceu para sonhar e cantar! E sonhou com um outro mundo imaginável, um mundo em que formas mais humanizadas de tratamento às pessoas psiquiatrizadas fosse possível.
É sabido que numa sociedade racista e sexista, mulheres negras empreendem muitas lutas para terem suas vozes ouvidas, assim foi com a Dama do samba Dona Ivone Lara. Com sua voz, ela abriu caminhos e adentrou a lugares jamais alcançados por outras mulheres, a primeira mulher a assinar um samba-enredo e a primeira a fazer parte da ala de compositores de uma escola.
Entretanto, a música não foi o único palco do pioneirismo de Dona Ivone Lara, vanguardista no samba, ela também foi precursora na saúde mental; formada em Enfermagem e Serviço Social, dedicou décadas de sua vida em trabalho no Serviço Nacional de Doenças Mentais, junto a Nise da Silveira, rompeu barreiras de forma pioneira e por isso fulgura a reforma psiquiátrica e luta antimanicomial no Brasil.
A luta antimanicomial brasileira ainda sonha com o cuidado em liberdade, com estratégias de desinstitucionalização de pessoas em sofrimento mental, pelo direito ao cuidado em saúde com dignidade na rede de serviços da atenção psicossocial, hábil de cuidar das pessoas e seus familiares, nas suas diferentes necessidades.
Nossos passos vêm de longe e o caminho é dela!
Reverenciar a vida de Dona Ivone Lara é reviver a história de uma mulher que foi mãe, avó e rainha do samba, é possível ouvir Ivone cantar: “Se o caminho é meu. Deixa eu caminhar, deixa eu.” e ver toda a poesia pairar no ar. Esse caminho foi de rosas, ela se perfumou e seu aroma permanece naquelas e naqueles que acreditam que a vida e a liberdade são valores fundamentais, especialmente as mulheres negras que há muito lutam bem viver.
É necessário reconhecer que o debate da saúde mental nas sociedades contemporâneas apossou-se das contribuições do pensamento negro e de suas práticas ancestrais de cuidado sem creditar-lhes como atores relevantes nesse processo histórico, como por exemplo o apagamento do percurso do psiquiatra Frantz Fanon e das suas experiências nos hospitais psiquiátricos, igualmente se faz com o uso atual de oficinas de grafite, capoeira, dança, instrumentos musicais e elementos dos saberes afrodiaspóricos que são aplicados descolados dos seu sentidos e significados originais.
O que a mão ainda não toca – Coração um dia alcança
Dona Ivone Lara reivindicava a força da imaginação “não pra animar a fraqueza, mas pra dar mais vida à vida”; dessa maneira, a esperança aqui depositada na preservação da história e da memória dela é a de que possamos ampliar a confiança na potência transformadora da música e da arte como práticas poderosas a serem usadas nos cuidados em saúde mental. Acesa e viva como a flor ao alvorecer está a dama do samba em nossos corações.
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