Obesidade, consumo e política: uma conversa sobre as mudanças mundiais na alimentação

10/11/2015

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Pedro Graça fala durante o seminário no Sesc Santos.

Por que estamos engordando? O que a política tem a ver com os alimentos? Por que não vemos publicidade de legumes na TV? Essas e outras questões relacionadas às transformações na alimentação e suas consequências no cenário internacional foram abordadas por Pedro Graça, diretor do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável do Ministério da Saúde de Portugal e doutor em Nutrição Humana pela Universidade do Porto. Em visita ao Brasil, ele participou do Seminário Internacional: Escolhas Alimentares e seus Impactos, no Sesc Santos, e também conversou com coordenadores das áreas de alimentação, programação e do Mesa Brasil, na Administração Central do Sesc São Paulo. Sua fala marcou o fechamento das atividades em comemoração ao Dia Mundial da Alimentação, realizadas nas unidades da capital, interior e litoral durante todo o mês de outubro.
Confira algumas questões levantadas:

Estamos engordando
Ao comparar gráficos da presença da obesidade nas populações dos Estados Unidos e da área rural de Bangladesh, por exemplo, o professor Pedro Graça conclui: essa é uma epidemia global. A obesidade cresceu nos últimos 20 anos não só em países industrializados, com ampla oferta de alimentos, mas chegou até áreas rurais da Ásia.

Os mais pobres engordam mais
Até recentemente, acreditava-se que essa era uma epidemia que atingia principalmente as populações que estavam melhorando economicamente, associada ao acesso à alimentação, ao acesso à caloria, à gordura, à proteína. Mas não é bem assim: “O que nós estamos a viver é não só o aumento da doença no mundo inteiro, mas, ao contrário do que se esperava, quem é mais afetada é a população mais carente, mais vulnerável. Pobreza e obesidade se aproximam de tal maneira que a pessoa pode ter fome e ser obesa ao mesmo tempo. Coisa que para nós da biologia é um paradoxo.”, afirma.

Somos treinados para engordar
“Nós somos uma máquina de engordar”. Isso por que a capacidade de acumular reservas de energia na forma de gordura foi essencial para a sobrevivência do ser humano, diante da escassez de alimentos. “O ser humano está preparado para lidar com a fome há dois milhões de anos. E começou a lidar com excesso de calorias há 50 anos. Não estamos preparados biologicamente para isso”, afirma Pedro.

O que mudou?
Diversas alterações demográficas causaram mudanças na alimentação: a entrada da mulher no mercado de trabalho e na vida acadêmica, o envelhecimento da população e a necessidade de se trabalhar mais horas são alguns exemplos. E, se aumenta o tempo do trabalho, o que fica para trás é o tempo de cozinhar e de ficar com os filhos. Os alimentos que já vêm prontos têm, portanto, muito mais apelo do que aqueles que exigem tempo e conhecimentos culinários para o preparo. Além disso, em muitos lugares é mais fácil e barato encontrar produtos ultra processados e calóricos – ricos em açúcar, sal e gordura – em vez de alimentos frescos.

Público acompanha a conferência de Pedro Graça durante o Semininário Internacional: Escolhas Alimentares e seus Impactos. 

Você já viu propaganda de alface na TV?
Provavelmente não. Mas vemos diariamente publicidade de produtos ultra processados e super calóricos, não é mesmo?
Pedro Graça chama atenção para o fato de que grandes indústrias alimentícias lucram muito, enquanto quem trabalha no campo com frutas e legumes em geral tem ganhos pequenos e são os que mais sofrem com as oscilações na economia e nos preços dos alimentos. Assim fica fácil entender como um lado tem muito mais capacidade de investir e produzir comunicação (publicidade, marketing etc) do que o outro.

Ciclo da insegurança alimentar
Obesidade, pobreza, alimentação: tudo está relacionado. “Quando eu tenho uma doença crônica, gasto mais dinheiro, tenho menos capacidade de trabalho, e portanto tenho que comprar comida de menor qualidade”. Assim segue o ciclo da insegurança alimentar: mais insegurança, mais pobreza e desigualdade, mais gastos do Estado com bem estar social e saúde.

Política tem a ver com alimentação, sim.
As questões alimentares têm ganhado força nas discussões políticas, lado a lado com preocupações com imigração, refugiados e medidas de apoio social. Pedro Graça trouxe o exemplo da Suécia, em que os índices médios da obesidade infantil estão estáveis: diminuíram entre a população sueca, mas aumentaram entre imigrantes. Isso trouxe um questionamento durante as últimas eleições: por que um sueco deveria tirar de seu bolso a contribuição social para pagar apoio alimentar a um estrangeiro?

É preciso reconhecer o ambiente
De acordo com o pesquisador W. Philip James, durante décadas pensou-se que a atenção e  esforço individual fossem suficientes para prevenir a obesidade, porém depois de décadas desse esforço, as taxas de ganho de peso continuaram a subir. Essa epidemia reflete a presença de um ambiente tóxico ou obesogênico.
Isso significa que não adianta ensinar as pessoas sobre alimentação saudável, se não há um ambiente favorável a isso, ou seja, se não há oferta de alimentos saudáveis em local próximo, a preços acessíveis.  “Eu tenho primeiro que me preocupar com as condições que existem ou que eu posso criar para que o suco de laranja apareça, para em seguida dizer como é importante consumir suco de laranja”, exemplifica Pedro Graça.

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