O que te move? O seu trabalho e consumo estão conectados à sua história e respeitam as naturezas do seu território? Quanto vale o seu esforço e tempo?
Desde pequenos nos habituamos ao mundo onde tudo tem um preço. A lógica focada em compra, venda e lucro funciona há séculos, mas para continuar se mantendo tem cobrado uma conta alta: desequilíbrios ambientais, desigualdade social, violência ligada à raça, gênero e à povos originários, além de um declínio da saúde mental da população em geral. É por isso que ocupando ou não uma função que gera renda, pensar e falar sobre trabalho e economia é assunto de todos e para todos. Afinal, só por existir já ganhamos um pedacinho dessa conta. E como fazer diferente?
Paul Singer, pesquisador e economista, disse que se toda economia fosse solidária, sem competição e exploração, mas sim baseada em processos cíclicos e coletivos, a sociedade seria muito menos desigual. Já Muhammad Yunus, economista e ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2006, escreveu em seu livro “O mundo de três zeros” sobre uma nova economia, onde a meta é zero pobreza, zero desemprego e zero emissões de carbono. É o reforço teórico de que respostas aos problemas globais devem estar diretamente ligadas ao coletivo e à modelos que não sejam autodestrutivos.
Os exemplos de pensamentos da nova economia se diferem do tradicional porque tiram a moeda do centro e trazem outras perspectivas sobre o que pode ser troca e o valor de um produto ou trabalho. A Economia Solidária de Paul Singer e os Negócios Sociais cunhados por Yunus ajudam na promoção de iniciativas que buscam a inclusão de pessoas em situação de vulnerabilidade econômica no mundo do trabalho, diminuindo sua exclusão social e aumentando a produtividade do país. A esse movimento damos o nome de Inclusão Produtiva.
Este é um tema cada vez mais presente nas ações governamentais e de fundações empresariais e filantrópicas no Brasil e internacionalmente. Segundo a literatura mais atual, as formas de se incluir esse indivíduo não acontece apenas pela via do emprego formal e é mais abrangente no que tange a geração de renda, com a condição de que respeite direitos humanos, trabalhistas e ambientais. Essa missão de incluir pessoas e saberes na economia passa por alguns pontos essenciais:
Milton Santos disse em sua obra “Por uma outra globalização” que território não é apenas um espaço físico, é também um espaço social, econômico e cultural e que estes não podem ser tratados separados, mas sim profundamente integrados. Para ilustrar esse olhar para as localidades vale destacar o Turismo de Base Comunitária que vem ganhando espaço no Brasil.
Com faturamento de R$ 4 milhões em 2022, esse tipo de turismo é uma alternativa para a recuperação econômica verde da Amazônia, por exemplo. Neste modelo, empreendedores, cooperativas e associações assumem protagonismo e aplicam os saberes da floresta em suas cadeias produtivas e na jornada ofertada para visitantes. Da hospedagem, aos passeios, até as lembrancinhas: o valor pago está na experiência, na garantia de preservação e é o que faz o dinheiro circular e crescer na comunidade.
No dia a dia é possível colocar a famosa sustentabilidade em prática com ações simples como descarte correto para as sobras de uma produção ou testar derivados da reciclagem (oficinas de costura e ateliês tem se tornado exemplos nesse quesito). Um outro caminho sustentável é repensar cadeias inteiras e modelos de negócio
considerando questões que vão desde material da embalagem até a contratação de fornecedores e formato de formalização junto aos trabalhadores da região.
Essas práticas consideradas por um grupo produtivo ou microempreendedores podem mudar paisagens e a lógica do consumo local. Quem trabalha passa a interferir no território causando menos danos e quem compra passa a valorizar a aquisição de um produto que cuida e preserva natureza e cultura.
Neste ponto, duas abordagens ganham destaque: a primeira diz respeito à necessidade de fazer com que recursos financeiros cheguem para todos que trabalham de forma familiar, individual ou coletivamente e que necessitam de melhorias para seu negócio. Para isso, editais, políticas públicas, instituições financeiras de diversas naturezas têm seu papel nesse movimento para pensar outras formas de ofertar investimentos.
Atualmente existem os “fundos perdidos”, aonde o dinheiro não volta para os investidores, mas pode ter um impacto social e econômico imenso. Ou ainda a opção do microcrédito com juros baixos ou zero e, o mais importante, orientado. A educação financeira e mentoria no processo do microcrédito faz a diferença para que a moeda seja um meio e não um problema, principalmente para mulheres empreendedoras, que por diversos fatores acessam menos crédito e, no fim, são menos inadimplentes que homens.
A segunda abordagem é pensar em outras formas de obter o que se precisa, fugindo da lógica apenas do dinheiro. Moedas complementares, como a do caso do Banco Palmas, mostra que é possível movimentar a economia e gerar empregos com algo único da comunidade. Trocas de produtos e de habilidades é uma alternativa e tem muita gente disposta a trocar para não precisar comprar ou descartar. Essas práticas ainda coexistam com o sistema econômico tradicional, mas tiram da zona de conforto e fazem parte de caminhos possíveis na Inclusão Produtiva.
Estes três pontos que permeiam as práticas de Inclusão Produtiva têm algo em comum: todos dependem de conexões entre pessoas e da forma com que estes se relacionam com seu local. Em seu livro “Ideias Para Adiar o Fim do Mundo”, Ailton Krenak diz: “O Rio Doce, que nós, os Krenak, chamamos de Watu, nosso avô, é uma pessoa, não um recurso, como dizem os economistas. Ele não é algo que alguém possa se apropriar; é uma parte da nossa construção como coletivo”.
O equilíbrio ecológico e social está ligado à forma como nos organizamos socialmente, tal como a metáfora de Krenak que se refere ao rio como parte do coletivo. Assim, se a escassez de recursos naturais é uma realidade e as formas de se pensar trabalho e economia estão sendo discutidas para serem mais inclusivas e sustentáveis, é urgente encontrar meios de melhorar os relacionamentos e as formas de passar isso adiante.
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