Para além das telas: Filmes para refletir e reconstruir narrativas negras 

31/05/2024

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Na urgência de desconstruir estereótipos e promover reflexões profundas, o cinema emerge como uma poderosa ferramenta; no entanto, é fundamental adotar uma postura crítica  

Tendo como ponto máximo o Dia Mundial da África, no dia 25, maio é um mês conscientização, mobilização e de celebração, para promover a igualdade racial e o reconhecimento das narrativas negras. 

Com intuito de valorizar, reconhecer e difundir essa ancestralidade, entre os dias 22 e 26 de maio, aconteceu o Festival Sesc Culturas Negras, com programação em 27 unidades da instituição na capital, Grande São Paulo e interior. São mais de 80 atividades, como shows, espetáculos, vivências, rodas de conversas, passeios, entre outras. 

No entanto, além das ações, o Sesc Birigui produz reportagens que discutem a resiliência e representatividade da comunidade negra ao longo da história, como trazer isso para os dias atuais para mudar os dias que virão. Um convite para aprender, crescer e agir em prol de um mundo onde todas as vozes sejam ouvidas e todas as culturas sejam valorizadas. 

Com orientação da mestra em Educação e especialista em Formação Docente para o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira, Elisandra Pereira, preparamos uma seleção de filmes que convida para uma reflexão sobre as narrativas negras e desafia os espectadores a questionar as estruturas de poder e privilégio que perpetuam a marginalização e a injustiça. 


Manifesto artístico 

Entre os títulos, começamos por “Emicida: AmarElo – É tudo pra ontem”, um verdadeiro manifesto artístico que transcende as fronteiras da música, misturando história para explorar a cultura negra brasileira. O documentário dirigido por Fred Ouro Preto, mostra a jornada do rapper Emicida, músico e militante negro, na criação do álbum AmarElo, pela periferia de São Paulo, explorando questões de identidade, racismo e superação.  

“A Voz Suprema da Blues” e “Estrelas Além do Tempo” também são exemplos de filmes que, a partir de histórias reais, eternizam figuras importantes, como Ma Rainey e as mulheres cientistas da Nasa, colocando-as no centro da narrativa e celebrando suas contribuições muitas vezes esquecidas pela história oficial. Essas obras não apenas resgatam a memória dessas figuras, mas também questionam os sistemas de opressão que as marginalizaram. 

Voltando para questões contemporâneas, como o racismo estrutural e o sistema de justiça criminal, através de histórias reais de injustiça e luta por justiça, temos o documentário “Dentro da Minha Pele” e a minissérie “Olhos que Condenam”. Duas obras que nos confrontam com as duras realidades enfrentadas pela comunidade negra, ao mesmo tempo em que nos inspiram a lutar por mudanças. 

“Dentro da Minha Pele”, de Toni Venturi, mostra histórias de nove pessoas comuns, com diferentes tons de pele negra, que narram seu cotidiano na cidade de São Paulo e compartilham situações de racismo – dos velados aos mais explícitos.  

Para quem gosta de capítulos, a dica é “Olhos que Condenam”, uma minissérie que retrata a história real de cinco adolescentes afro-americanos injustamente acusados de um estupro em Nova York, e as consequências devastadoras do sistema de justiça criminal. Eles só foram inocentados por exames de DNA que descartaram a participação deles no crime. 


Anote também: 

Doutor Gama – Uma cinebiografia que conta a história de Luiz Gama, advogado, escritor e jornalista negro brasileiro do século XIX que lutou pela abolição da escravidão e pelos direitos dos negros no Brasil. 

Mulher Rei – Baseado em fatos reais, A Mulher Rei é um exemplo de representação feminina e negra. O filme mostra a história da General Nanisca (Viola Davis), uma Agojie, grupo de elite de guerreiras composto apenas por mulheres que protegiam o reino africano de Daomé nos anos 1800. 

Besouro – Esse documentário narra a vida e a lenda de Besouro Mangangá, um capoeirista afro-brasileiro que desafiou a opressão racial no Brasil do início do século XX. 

Histórias Cruzadas – Baseado no romance de mesmo nome, o filme aborda as relações raciais no sul dos Estados Unidos durante os anos 1960, através das perspectivas de mulheres negras que trabalham para famílias brancas. 

O Mordomo da Casa Branca – Uma cinebiografia fictícia inspirada na vida de Eugene Allen, um mordomo negro que serviu na Casa Branca durante várias administrações presidenciais e testemunhou os eventos cruciais da história dos Estados Unidos. 

Corra – Um thriller psicológico que aborda questões de racismo e apropriação cultural, seguindo um homem negro que visita a família de sua namorada branca e descobre segredos perturbadores. 

Invictus – Baseado em eventos reais, o filme narra a história do presidente sul-africano Nelson Mandela, interpretado por Morgan Freeman, e seu esforço para unir o país através do rugby durante a Copa do Mundo de 1995. 

Summer of Soul – Um documentário que revive o lendário festival de música “Summer of Soul” de 1969, que celebrou a cultura negra e apresentou performances de alguns dos maiores artistas afro-americanos da época, como Stevie Wonder, Nina Simone, Mahalia Jackson, entre outros. 

Mussum, O Filmis – O filme apresenta a biografia de Antônio Carlos Bernardes Gomes, o Mussum, marcada por uma infância humilde, sua carreira militar, sua conexão com a Mangueira, até ficar conhecido com um dos maiores humoristas do Brasil, no famoso quarteto Os Trapalhões.  

Nosso Sonho: A História de Claudinho e Buchecha – O longa-metragem narra a jornada da dupla, do ponto de vista de Buchecha. A trajetória é apresentada a partir da amizade entre os dois, que começou ainda na infância, e foi determinante para a superação de desafios e diversas conquistas do duo, incluindo o status de maiores fenômenos do funk melody nacional de todos os tempos. 


Desconstrução 

Contudo, assistir a esses filmes não basta. Como pontua Elisandra Pereira, é fundamental adotar uma postura crítica em relação à representação das pessoas negras no cinema, evitando cair na armadilha da piedade, sentimento que existiu por muito tempo alimentado pelo poder hegemônico. Em vez disso, é preciso buscar o respeito mútuo e a desconstrução dos estereótipos. 

“Precisamos de respeito e não piedade. A piedade nos coloca abaixo daqueles que nos olham, enquanto o respeito nos coloca no mesmo patamar. Devemos desconstruir a ideia de que pessoas brancas são bondosas, civilizadas, bonitas, inteligentes, superiores e as pessoas negras, o oposto de tudo isso. Devemos lembrar que a história foi contada por pessoas brancas, que se supervalorizaram em detrimento aos demais”, ressalta Elisandra.  

Assim, ao assistir a esses filmes, é importante questionar não apenas as representações dos personagens negros, mas também as narrativas e os pontos de vista dominantes que moldaram nossa compreensão da história e da cultura.  

“Cada grupo deve ser retirado do espaço social ao qual foi colocado por conta da história parcial, racista e excludente contada oficialmente no Brasil”, finaliza Elisandra. 

Quem é Elisandra Pereira? 

Elisandra Pereira é mestra em Educação pela Unesp de Bauru, titular de dois títulos honoríficos e professora de Gestão no IFSP (Instituto Federal de São Paulo) campus de Birigui. Atua como presidente da Comissão Etno-Birigui, é revisora de Literaturas Antirracistas pela Editora Mostarda, licenciada em Ciências Sociais e representante do NEABI-IFSP (Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas). 

Foto Elisandra Pereira, mulher negra, mestra em Educação pela Unesp de Bauru, titular de dois títulos honoríficos e professora de Gestão no IFSP (Instituto Federal de São Paulo) campus de Birigui.

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