Parentalidades atípicas

25/09/2024

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Por Dulci Lima

Há um ditado que diz: “quando nasce um(a) filho(a), nasce uma mãe” e quando chega o diagnóstico a mãe renasce como uma mãe atípica. Sou renascida como mãe atípica de uma garotinha.

Antes da chegada do diagnóstico enquanto acompanhamos e celebramos os primeiros passos, as primeiras palavras, o primeiro dia na escolinha, nos preocupamos com a febre, com a dor de ouvido e encaramos o desafio do desfralde, nós mães de crianças atípicas, notamos também os comportamentos incomuns, o sofrimento com os sons, com as texturas, com os alimentos, o desinteresse ou dificuldade em interagir com outras crianças, os interesses muito específicos, por vezes a ausência da fala, do olhar e do abraço, muita facilidade em aprender coisas complexas ou muita dificuldade em aprender coisas simples.

Peregrinamos de médico em médico relatando sintomas físicos, emocionais e comportamentais que não entendemos bem, mas que sabemos que estão ali. Por vezes enfrentamos a descrença de médicos, família, amigos, professores, tateamos lá e cá até finalmente descobrir qual o profissional certo que devemos buscar para obter uma resposta. E quando o diagnóstico finalmente chega é um misto de alívio e angústia.

E vem o luto. Todo(a) filho(a) é imaginado(a) por suas mães e pais desde a gestação. Ao recebermos o diagnóstico precisamos nos desfazer de tudo o que foi imaginado e dar espaço para a incerteza. E é nesse momento que surge o luto. E cada família vai processá-lo de uma forma. Há famílias que se fortalecem no compromisso mútuo de cuidar da criança e ajudá-la a enfrentar os obstáculos e há famílias que se desfazem. Há amigos que se afastam e há novos que chegam com filhos e experiências similares e com os quais podemos trocar informações, dicas, desabafos e comemorar as conquistas dos nossos pequenos. Com alguma frequência vemos mães que não tem apoio algum e lutam sozinhas para garantir qualidade de vida aos filhos e filhas, sem tempo ou espaço na vida para cuidar de si mesmas.

Uma nova rotina se instala e a vida das famílias atípicas se transforma num ir e vir de clínicas, médicos, reuniões e negociações com escola, terapeutas, planos de saúde, às vezes é necessário recorrer à justiça para garantir atendimento adequado, medicamentos e outros direitos que embora garantidos em lei, nem sempre são facilmente acessados. Os custos se elevam e por vezes a renda cai quando há necessidade de que um dos genitores deixe seu emprego para se dedicar integralmente aos cuidados com o(a) filho(a).

E quem cuida de quem cuida? É a pergunta que motiva várias iniciativas, quase sempre promovidas pelas próprias mães atípicas. Tais iniciativas estão se multiplicando na busca de oferecer suporte emocional aos familiares frente à exaustiva rotina nos cuidados com pessoas com necessidades especiais. Embora ainda pouco se fale sobre esse tipo de sobrecarga, ações de conscientização vêm ampliando a visibilidade para o tema e atraindo a atenção da sociedade e do poder público, onde já se discute projeto de lei que visa garantir cuidados psicossociais, materiais e culturais fundamentais para a manutenção da saúde integral de mães atípicas (conforme pesquisa Cuidando de quem cuida: um panorama sobre as famílias e o autismo no Brasil em 2020 da Genial Care, 86% dos cuidadores de crianças autistas são as próprias mães). Cada pessoa atípica é única, cada família atípica é um universo e as histórias e experiências são muito diversas. Falo a partir da minha própria, sobre aspectos que me marcaram, mas também trouxe um pouco das vivências de algumas mães atípicas com as quais convivo. Apesar da escolha em relatar os desafios, sempre é bom lembrar que nossas crianças atípicas não se restringem aos seus diagnósticos, antes de tudo são pessoas e merecem viver e amar como outras quaisquer do planeta.

Dulci Lima é Doutora em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC. Mestra em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2011). Bacharel em História pela FFLCH-USP (2003). Foi docente no Programa de Formação de Professores – Licenciatura em História na Universidade Cidade de São Paulo (UNICID). Atuou como Auxiliar de Coordenação do Núcleo de Educação do Museu Afro Brasil e atualmente é Pesquisadora em Ciências Sociais e Humanas no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc SP. Integra o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da UFABC (NEAB-UFABC). Pesquisa feminismo negro, relações raciais e de gênero. 
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