Reconhecimento da atuação das mulheres tem ajudado a reescrever a história das ciências e das artes no Brasil e no mundo
POR LUNA D’ALAMA
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O que descobertas científicas como o wi-fi, o GPS, a estrutura do DNA, a matéria escura, a fissão nuclear, a trajetória do homem à Lua, o vírus HIV e os cromossomos X e Y têm em comum? Todas elas foram feitas por (ou com a colaboração de) mulheres como, respectivamente, Hedy Lamarr (1914-2000), Gladys Mae West, Rosalind Franklin (1920-1958), Vera Cooper Rubin (1928-2016), Lise Meitner (1878-1968), Katherine Johnson (1918-2020), Françoise Barré-Sinoussi e Nettie Stevens (1861-1912), entre outras cientistas pioneiras. No entanto, em meio a uma sociedade patriarcal, na qual o machismo e a misoginia ainda se fazem presentes, muitas delas foram invisibilizadas, marginalizadas ou tiveram seus legados apagados de registros oficiais e da memória coletiva.
Segundo a PhD em história e filosofia da ciência Magali Romero Sá, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e vice-diretora de pesquisa e educação da Casa de Oswaldo Cruz, diversas mulheres tiveram, ao longo da história, papel fundamental em avanços científicos, tecnológicos e culturais. Porém, seus nomes foram esquecidos, ou suas contribuições relegadas a segundo plano. “Nos últimos séculos, a relevante atuação das mulheres foi considerada apenas um ‘suporte’ de seus pais, maridos ou colegas de trabalho. Eram figuras à frente de estudos que, na hora de assiná-los ou apresentá-los publicamente, ficavam nos bastidores, muitas vezes não entrando nem nos agradecimentos. Outras tinham que se posicionar ou se vestir como homens para realizar viagens de circum-navegação ou assistir a aulas de medicina”, explica Sá, que prestou consultoria para a exposição Nós – Arte e Ciência por Mulheres [leia mais em Tramas pela equidade], em cartaz no Sesc Interlagos a partir de 22 de agosto.
A pesquisadora da Fiocruz destaca que, felizmente, a história da ciência e das artes está sendo reconstruída e reescrita a todo momento. Ela cita a cientista polonesa naturalizada francesa Marie Curie (1867-1934), que se tornou a primeira pessoa do mundo a ganhar dois prêmios Nobel em áreas diferentes (física e química). Até hoje, Curie ainda é a única mulher a ter conquistado esse feito. “Devemos lembrar também que o primeiro sequenciamento genético do vírus da Covid-19 no Brasil, feito em tempo recorde, foi liderado pela biomédica e doutora em patologia humana Jaqueline Goes de Jesus. Já conseguimos muitos avanços, mas ainda temos muito o que lutar em termos de cargos, salários, espaço, respeito, oportunidades e reconhecimento, para que a mulher exerça seu papel pleno na sociedade e haja participação feminina em todas as áreas do conhecimento”, aponta Magali Romero Sá.
Segundo a produtora cultural e curadora Isabel Seixas, sócia-fundadora do Estúdio M’Baraká, coletivo carioca responsável pela concepção da exposição Nós, a revolução feminista tem sido uma das mais longas, pois o movimento começou na década de 1960 e ainda está longe de alcançar a equidade entre gêneros. “Como canta Rita Lee (1947-2023) em ‘Pagu’, mexemos e remexemos na inquisição. Ainda que algumas mulheres possam gozar de liberdade, autonomia e empoderamento, de modo geral, ainda estamos muito atrasadas e submissas aos privilégios e às engrenagens patriarcais. Há uma dívida histórica imensa e uma necessidade de reparação de injustiças, sobretudo quando pensamos nas interseccionalidades de raças e classes sociais”, aponta Seixas.
A linguista Letícia Stallone, também do Estúdio M’Baraká, acrescenta que, antes de tudo, o conceito de ciência como algo ocidental, hegemônico, androcêntrico e excludente precisa ser questionado. “A ciência moderna impôs uma visão de mundo única, ignorando culturas, línguas, civilizações, cosmovisões, filosofias e saberes tradicionais. Isso resultou na invisibilidade de várias formas de existir e de compreender a realidade”, destaca. Além disso, como dizia a filósofa e ativista francesa Simone de Beauvoir (1908-1986), “basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados”. “Isso significa que avanços conquistados por nossas ancestrais estão, constantemente, ameaçados por retrocessos e desafios. Portanto, ao valorizarmos a representatividade e os feitos de mulheres nas ciências e nas artes, prestamos homenagem a seus legados e inspiramos as atuais e futuras gerações a buscar equidade no reconhecimento do trabalho feminino e a lutar por um mundo mais justo e inclusivo”, ressalta Stallone.
para ver no Sesc
TRAMAS PELA EQUIDADE
A partir de 22/8, Sesc Interlagos recebe exposição Nós – Arte e Ciência por Mulheres, destacando o legado de cientistas e artistas de diversas épocas e origens
Instalada em um espaço de 500 metros quadrados, a exposição Nós – Arte e Ciência por Mulheres entra em cartaz no Sesc Interlagos, zona Sul da capital paulista, a partir de 22/8, evidenciando a vida e a obra de 55 cientistas e 23 artistas de diferentes períodos e lugares do mundo. A mostra, que iniciou sua itinerância pelo Paço das Artes, em 2023, apresenta cerca de 300 obras, entre pinturas, esculturas, fotografias, serigrafias, videoinstalações e reproduções de gravuras. A narrativa expográfica atravessa distintos períodos históricos, mostrando a trajetória de mulheres da Suméria e da Mesopotâmia até personalidades contemporâneas.
Entre as cientistas brasileiras, destacam-se Mestra Japira, Sueli Carneiro, Niède Guidon, Mayana Zatz, Beatriz Nascimento (1942-1995) e Nise da Silveira (1905-1999). Já nas artes, aparecem representantes de todas as regiões do país, como Arissana Pataxó, Antonia Dias Leite, Laura Gorski e Efe Godoy.
Sob curadoria do Estúdio M’Baraká, a exposição reúne obras dos acervos do Museu dos Povos Indígenas, Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), Instituto Butantan e do Museu de Ciências da Terra, do Rio de Janeiro. Segundo a cocuradora Letícia Stallone, muitas das mulheres presentes em Nós foram pioneiras em suas áreas, desenvolvendo inovações que impactam a sociedade até hoje. “Porém, várias dessas mulheres foram negligenciadas pela história oficial, que priorizou e validou o conhecimento produzido para e por homens”, ressalta.
De acordo com a cocuradora Isabel Seixas, o título Nós refere-se ao entrelaçamento de diferentes formas de opressão que se relacionam de forma interseccional. “Enquanto pronome pessoal, ‘nós’ acolhe as mulheres como protagonistas. É também um convite à coletividade, para incluir todos os envolvidos, sejam mulheres ou não, em um senso colaborativo. Queremos, ainda, fazer um chamamento à criação de laços e à participação ativa e contínua, entendendo que nossas escolhas podem desatar nós”, explica. Segundo Seixas, a exposição faz um resgate desde os tempos antigos e medievais, enaltecendo figuras como parteiras, curandeiras e benzedeiras, muitas vezes consideradas criminosas e bruxas – milhares delas, inclusive, condenadas à fogueira.
Sobre a intersecção da arte com a ciência, a cocuradora Isabel Seixas acredita que essa é uma forma interessante de apresentar o mundo, produzir conhecimento e compartilhar significados. Algo com o qual a pesquisadora Magali Romero Sá, da Fiocruz, concorda: “ciência e arte andam juntas. Representações artísticas são fundamentais para dar visibilidade ao que se faz na ciência, para materializar conceitos e interagir com o público”.
INTERLAGOS
Nós – Arte e Ciência por Mulheres
Concepção e curadoria do Estúdio M’Baraká
De 22 de agosto a 30 de março de 2025. Quarta a domingo e feriados, das 10h às 16h30. GRÁTIS.
sescsp.org.br/interlagos
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