Por Joselia Aguiar*
Era o ano de 1937, e um jovem autor baiano de 25 anos dedicava-se a escrever já seu sexto romance. Dizia a seu editor que, com aquela nova história, sentia que ia, nas suas palavras, abalar a sensibilidade do país. O rapaz se chamava Jorge Amado, o editor que recebia notícia por carta era um dos maiores de sua geração, o paulista José Olympio, radicado no Rio, e tratava-se de Capitães da Areia, sobre a infância nas ruas de Salvador.
Quase um século depois de sua estreia como autor, Amado tem todos os seus livros em catálogo e é facilmente encontrado nas livrarias, arrebatando leitores de todas as idades, inclusive muito jovens. Clássicos são aqueles que resistem à passagem do tempo. Mas, dentre os clássicos, alguns, como é o seu caso, possuem tal carga de atualidade que parecem ter sido publicados nos dias de hoje.
A história de Pedro Bala e sua turma comove gerações brasileiras e é um dos seus livros mais vendidos até hoje. De modo pioneiro, Amado trazia à tona um problema que começava a existir nas grandes cidades. A lista de questões prementes que ele aborda é tão extensa quanto sua obra, com mais de 40 livros, escrita no decorrer de um período longo, da década de 1930 à de 1990.
Estão nessa lista as disputas políticas, a violência no campo e contra a mulher, a reinvenção cultural e social a partir das religiosidades afro-brasileiras, o protagonismo feminino, a usura imobiliária que expulsa moradores – por vezes de modo criminoso –, a segurança alimentar. Quando publicou Tieta do Agreste, em 1976, Amado revelava à imprensa que, por trás da saga da moça que retorna a sua cidade natal para um ajuste de contas pessoal, havia uma grande intenção sua, como autor, de abordar o problema do meio ambiente.
Na época que Amado surgiu e durante toda a primeira metade do século 20, estava na ordem do dia a discussão política e simbólica sobre o que é o Brasil, o que é ser brasileiro e o que é uma arte brasileira. Um dos que contribuíram para formular essas ideias de identidade, Amado aborda especificamente a Bahia, entendida por ele como uma representação do Brasil – essa particularidade é, por vezes, motivo de controvérsia, porque nem todos os brasileiros se reconhecem em suas tramas.
A explicação do seu sucesso tem a ver não somente com sua obra, como também com sua atitude de escritor. O seu desejo era ser popular, então ele se distanciou de opções literárias mais experimentais ou intelectualizadas. Apostou em elementos da tradição do cordel e do folhetim, dos chamados romance de la tierra e do romance indigenista – esses dois últimos modelos da América Latina – e sobretudo da literatura proletária que não era exclusividade soviética, estava presente também no romance social norte-americano. Por atitude de escritor, podemos entender seu esforço como agente literário de si mesmo. Estava empenhado em fazer seus próprios contatos, encontrar editor, ocupar espaço na livraria, sempre atento a formas de fidelizar o leitor, o que incluía no começo publicar um livro por ano, para não ser esquecido.
Aprende-se muito sobre história do Brasil enquanto se leem seus livros e acompanhamos sua trajetória. E há a possibilidade de enveredar pelas abordagens mais distintas, porque tanto pode ser objeto de trabalhos apenas no campo da literatura, como também os que cruzam literatura e outras artes, literatura e antropologia, literatura e sociologia. Ou seja, pela multiplicidade de questões e abordagens, pode atrair os mais diferentes olhares e proposições.
Desde a sua estreia literária, Amado era lido pelos críticos como alguém que escrevia histórias com muita vida. Ainda que pareça vago e pouco técnico dizer isso, o que o torna perene é, sim, a vitalidade do que narra. O leitor gosta de seus romances sobretudo porque se emociona, chora e ri. Há amor e morte, lutas e sonho. A sensação que tem é a de encontrar pessoas vivas e de estar acompanhando suas trajetórias enquanto acontecem. Amado levava a sério a ideia de ser um contador de histórias – de histórias bem brasileiras.
*Joselia Aguiar é jornalista e escritora. Sua formação passa pelas letras, jornalismo e história. Primeiro, se tornou bacharel em comunicação social (UFBa), depois mestre e doutora em história (USP). Seu primeiro livro, Jorge Amado – uma biografia (Todavia), venceu o prêmio Jabuti 2019 na categoria biografia, documentário e reportagem. Escreve atualmente um livro em torno da vida e obra da pintora Djanira, para a mesma editora Todavia. É organizadora da coleção Brasileiras, da editora Rosa dos Tempos (grupo Record), que reúne perfis de mulheres que inauguraram, expandiram e transformaram suas áreas de atuação no país. Atuou na curadoria de festas literárias, como a FLIP (edições 2017 e 2018), e dirigiu a Biblioteca Mário de Andrade.
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