Filmes que retratam personagens negros livres de estereótipos se destacam na programação da 22ª Retrospectiva do Cinema Brasileiro
Em cartaz até o dia 30/12 no CineSesc e na plataforma Sesc Digital, a 22ª Retrospectiva do Cinema Brasileiro apresenta uma programação pautada na diversidade. Dentre os 50 filmes em exibição, a mostra destaca longas nacionais recentes com narrativas de resistência protagonizadas por minorias sociais, sobretudo pelo povo negro. Ainda que os filmes contem histórias diferentes, eles se dialogam tematicamente e estampam na tela grande do cinema um ponto relevante e essencial do qual o público quase sempre é privado: a visibilidade preta, livre de estereótipos.
Um exemplo é o poderoso “Cabeça de Nêgo”, do diretor cearense Déo Cardoso. Na trama, o garoto Saulo, estudante do Ensino Fundamental, se nega a sair da sala de aula após a discussão com um colega de classe que o chamou de “macaco”. Saulo é expulso do colégio, mas resiste e se recusa a deixar as dependências da escola por tempo indeterminado. Seu comportamento e a decisão de fazer uma ocupação escolar desencadeiam uma grande mobilização coletiva, um claro protesto com o intuito de impor mudanças em um ambiente que mais hostiliza do que ensina.
“Cabeça de Nêgo” é o filme de estreia de Cardoso na cadeira de diretor. Composto por um elenco majoritariamente de jovens atores negros, a produção discute abertamente e com propriedade os efeitos do racismo, da desigualdade racial e dos movimentos populares.
Na Retrospectiva, há outros dois longas-metragens de teor político explícito que reconhecemos de cara pelos seus títulos: “Doutor Gama”, de Jeferson De, e “Marighella”, de Wagner Moura. Ambos os filmes são cinebiografias de líderes revolucionários, cada um em sua época, que dedicaram seus esforços na luta contra o regime autoritário vigente no Brasil.
“Doutor Gama” narra a trajetória de Luiz Gama (1830-1882), um dos personagens mais importantes da história brasileira, que utilizou as leis e os tribunais para libertar mais de 500 homens e mulheres escravizadas. Homem negro nascido de ventre livre, Gama foi vendido como escravo aos 10 anos de idade para pagar dívidas de jogo de seu pai. Mesmo nesta condição, se alfabetizou, estudou e conquistou sua própria liberdade, tornando-se um dos mais respeitados advogados abolicionistas do século XIX.
Adaptação do livro “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo”, do escritor Mário Magalhães, “Marighella” acompanha em detalhes a luta de Carlos Marighella (1911-1969), ex-deputado, poeta e guerrilheiro que entrou para a história do país como um dos principais combatentes da ditadura civil-militar, e acabou sendo vítima dela. No papel do personagem-título, Seu Jorge entrega uma atuação no filme brasileiro mais visto pelo público nos cinemas em 2021.
Também em destaque na programação estão duas produções autorais que mergulham no conceito de ancestralidade do povo brasileiro. Uma delas é “Todos os Mortos”, da dupla Caetano Gotardo e Marco Dutra. A história se passa em 1889, um ano após a abolição do regime escravocrata, e mostra dois núcleos narrativos que se encontram: o das mulheres brancas e herdeiras da família Soares, antigas proprietárias de terra, e o núcleo de Iná Nascimento, que viveu muito tempo como escravizada, e persistiu para reunir seus entes queridos em um mundo hostil e fraturado.
Outra recomendação é “Cavalo”, da dupla Rafhael Barbosa e Werner Salles, que apresenta um híbrido que circula entre a ficção, o documentário e a experimentação audiovisual para falar sobre a memória da ancestralidade no corpo. A trama fragmentada se apropria da performance, da dança e dos ritos das religiões afro-diaspóricas para mostrar um grupo de bailarinos que recebe o desafio coletivo de construir performances inspiradas pelo arquétipo do cavalo e suas muitas simbologias.
Dentre as ficções da 22ª Retrospectiva do Cinema Brasileiro, “Cidade Pássaro”, de Matias Mariani, e “Até o Fim”, de Glenda Nicácio e Ary Rosa, são outros títulos com protagonismo negro que posicionam o seio familiar como norte da história. Já no campo documental, destacam-se “Alcione – O Samba é Primo do Jazz”, de Angela Zoé, sobre a carreira de uma das maiores intérpretes da música popular brasileira, e o premiado “Rolê – A História dos Rolezinhos”, de Vladimir Seixas. O filme, vencedor do Redentor de melhor documentário no Festival do Rio deste ano, aborda os encontros organizados por jovens de periferia que reuniam centenas de pessoas em shopping centers de grandes cidades brasileiras e escancararam as barreiras impostas pela discriminação racial e exclusão social no país.
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Para conferir todos os títulos exibidos na Retrospectiva do Cinema Brasileiro 2021, confira o catálogo desta edição.
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