Quebrando silêncios sobre raça, clima e interseccionalidades

05/06/2024

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Por Lourdes Alves*

“Nem tudo que é encarado pode ser mudado, mas nada pode ser mudado até ser encarado.”
(I am not your negro, Dir. Raoul Peck, Bélgica, EUA, França, Suíça, 2016, 93 min., 12 anos)

Quebrar o silêncio sobre racismo, clima e interseccionalidades é um movimento ativo de resistência, busca de justiça, reparação e cura social. Historicamente, os povos originários, africanos e seus descendentes foram silenciados pela violência e opressão do longo período de colonização portuguesa no Brasil. Nenhuma outra tragédia humana é comparável, em número de vítimas, duração e crueldade. As consequências psicossociais desse crime contra a humanidade são objeto de estudo de minha pesquisa, em recente trabalho sobre o trauma intergeracional da escravidão e pós-abolição no Brasil.

Inspirada pela simbologia de Sankofa, símbolo africano que segundo o Dicionário de Símbolos pode ser traduzido como “volte e pegue” (rememorar o passado para ressignificar o presente e, daí, prospectar um futuro desejado), a pesquisa apresenta três pilares estruturantes: a escravização silenciada, o mundo do trauma e a invisibilidade do luto intergeracional. A escravização silenciada é narrada do ponto de vista das violações de direitos humanos, desde o sequestro de pessoas, torturas, assassinatos e abusos sexuais praticados contra os escravizados. O trauma e o luto intergeracional na perspectiva do reconhecimento da história cultural traumática, da validação das experiências individuais e coletivas e da implementação de políticas e práticas que promovam a justiça, a cura social e a igualdade. Tais medidas podem incluir atenção à saúde mental e emocional, educação sobre o passado histórico, compensação financeira às vítimas ou descendentes, preservação da memória histórica, garantia de direitos iguais e medidas para prevenir a repetição de tais injustiças.

A reparação de traumas históricos é fundamental para promover a cura individual e coletiva, construir sociedades mais justas e reconciliadas, e garantir um futuro mais pacífico e inclusivo. Para a psicologia analítica, o movimento que liga o passado ao presente é descrito a partir dos conceitos de trauma intergeracional e complexo cultural – o complexo cultural remete à história psicológica e cultural do indivíduo e do seu grupo de identificação, é uma forma expandida de olhar a psicologia do grupo com o seu inconsciente cultural e campo emocional. O trauma intergeracional refere-se à transmissão inconsciente do trauma não processado para gerações futuras. O legado psicossocial, político, econômico, cultural, ambiental e educacional da escravidão são forças que movem nossas vidas na sociedade contemporânea.

O sofrimento social resulta das relações de poder político, econômico e institucional, da assimetria racial acompanhada da desigualdade social e violência. Desta forma, quando articulamos o pensamento e a relação entre racismo ambiental e clima, é importante entender que as comunidades de baixa renda e grupos étnicos menorizados, em função da nossa história de colonização e racismo estrutural, vivem em áreas vulneráveis a desastres naturais, como enchentes, deslizamentos de terra e secas e são de forma repetitiva desproporcionalmente afetadas pelas mudanças climáticas e pelos impactos ambientais resultantes.

Em conclusão, o conceito de interseccionalidade é uma contribuição importante, pois reconhece que as identidades individuais e as experiências de uma pessoa são moldadas por múltiplos fatores, como raça, gênero, classe social, orientação sexual, habilidades físicas e mentais, entre outros. Esses diferentes aspectos da identidade não são independentes, mas estão interligados e se sobrepõem, criando uma complexa rede de opressões e outra de privilégios. Em suma, a interseccionalidade nos lembra que as questões de raça, clima e justiça estão intrinsecamente ligadas e devem ser abordadas de forma sistêmica e inclusiva. A exemplo disso, os recentes debates sobre clima e racismo ambiental levam em conta a injustiça social na distribuição desigual de recursos, os impactos ambientais, que não por acaso, recaem sobre as comunidades já marginalizadas e vulneráveis.

Lourdes Alves é mestra em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Especialista em Desenvolvimento Local. Conselheira e docente na Associação Palas Athena. Pós-graduada em Gestão Estratégica da Informação e do Conhecimento e Inovação. Certificada em Ética, Cultura de Paz, Dinâmicas de Convivência, Mediação, Facilitação de Diálogo e Construção de Consenso. Coautora no livro O Papel da Universidade no Desenvolvimento Local – Experiências brasileiras e canadenses. Em 2019, participou do TEDxTalks com o tema “Convivência, eis a nossa questão”. É um das convidadas do bate-papo “Quebrando silêncios sobre raça, clima e interseccionalidades”, que acontece no Sesc Vila Mariana, em 19/6 (quarta), das 19h às 21h, grátis, na Praça de Eventos, como parte da programação do Ideias e Ações para um Novo Tempo.

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