Receitas de família: cozinha de memórias

16/10/2017

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A comida nos conta histórias sobre quem somos, de onde viemos e para onde estamos indo de um jeito delicado e cheio de sabor. Muito mais que listas de ingredientes e modos de preparo, as receitas de família carregam memórias, cheiros, gostos e afetos entre gerações. Participantes da programação do projeto Experimenta! Comida, saúde e cultura, as chefs Bela Gil e Bel Coelho, a nutricionista Neide Rigo e o consultor gastronômico Luiz Americo Camargo compartilharam conosco suas receitas especiais. Conheça-as abaixo!


Cozinha de memórias

Por Ana Holanda*

Quando eu era criança, nas férias de verão, meus pais colocavam eu e meus dois irmãos no banco traseiro da Caravan, um carro ícone dos anos 70 e 80, que tinha um bagageiro enorme. Íamos de São Paulo a Recife em três longos dias. O aperto, o calor e a impaciência compensavam. Eram dois meses na casa da avó, da tia, na companhia dos primos. Lembro do quintal comprido e arborizado, de terra batida. Tinha pé de caju, jambo, carambola, manga e pitanga – as mais doces que já comi. Me recordo de minha avó Esther com uma bacia de plástico nas mãos me ensinando a colhe-las: “você tem que pegar as mais vermelhas”. Sim, eram as mais doces, suculentas e saborosas. Eu não tinha ideia do quanto essa lembrança era forte dentro de mim até que, muitos anos depois, numa viagem a Salvador, provei um sorvete de pitanga. Bastou uma colherada para que eu me lembrasse da sombra das árvores do quintal da minha avó, de sua casa arejada e dos móveis de madeira escura, de seus cabelos ralos e brancos, de seu sorriso desconfiado. Minha avó Esther não era uma mulher de muitos afetos. Era dura porque a vida havia sido dura com ela – meu avô morreu com pouco mais de 40 anos e ela precisou cuidar sozinha dos seis filhos. Mas minha avó me ensinou que conversar com as plantas é algo lindo e necessário, que as folhas têm cheiro assim como as flores e que as frutas são mais gostosas quando devoradas maduras. Aquele sorvete de pitanga foi, desse jeito, reencontro. E tinha sabor de saudade, de amor, de sentimento que nunca se acaba, só adormece. A comida causa isso na gente: nos conecta com quem amamos, mesmo quando essa pessoa não está mais aqui – e minha avó Esther se foi há mais de trinta anos. Nos lembra de onde viemos e para onde estamos indo. Nos recorda que somos raiz mas também somos semente. E ela faz isso de um jeito sutil, poderoso e delicado. É por isso que amo cozinhar, para mim, para os meus filhos. O bolo, o molho que reduz e invade a casa, a panela que apita enquanto o feijão cozinha, tudo isso me conta histórias. Sobre quem sou, as minhas escolhas, minhas dores e amores. Por isso, costumo dizer que comida nunca é só comida. É vida, que morre e nasce dentro da gente, todos os dias.

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*Ana Holanda é jornalista, editora-chefe da revista Vida Simples, criadora da página Minha Mãe Fazia no Facebook sobre comida e memórias afetivas. E autora do livro Minha Mãe Fazia – Crônicas e Receitas Saborosas e Cheias de Afeto (Bicicleta Amarela). 
Ela conduz a oficina Narrativas Culinárias no Sesc Pq D. Pedro II e no Sesc Carmo, integrando as atividades do Experimenta! Comida, saúde e cultura.  

Receitas de família


A nutricionista Neide Rigo relembra a receita de Sopa de milho com cambuquira da avó Zefa: “Era a sopa que minha avó fazia, que minha mãe fazia, que eu faço. É um prato rústico e simples feito no fim da tarde, no fogão de lenha, com gordura de porco e espigas fresquinhas ainda cheirando a palha verde, que haviam sido colhidas pouco antes de começar o preparo”.
Neide é curadora do projeto Comer é Panc, no Sesc Pompeia.

Luiz Americo Camargo, autor do livro Pão Nosso, traz o Pudim de Pão: “Esta receita era feita pela minha avó. Depois, passou para a minha mãe. Puxando pela memória, era algo que me intrigava quando criança: ‘Como era possível fazer pudim usando pão?’. A propósito, elas sempre usaram pãozinho francês. Se muito, recorriam àquele pão comprido (e grosso) que muita gente chamava de bengala.”
Luiz é curador do projeto Compartilhando o pão, no Sesc Santana.

A chef e apresentadora Bela Gil ensina a receita de Nhoque de batata baroa (ou mandioquinha), preparada com todo carinho juto com o molho de tomate da avó Nair. 
Bela participa do bate-papo Quem escolhe o que você come, no Sesc Bauru. 

A chef Bel Coelho resgatou a receita que para ela tem gostinho de infância: a Açorda de bacalhau, um prato feito pela mãe especialmente para o pai de Bel. 
Depois de passar pelo Sesc Carmo (na foto), Bel participa de bate-papo no Sesc Consolação e no seminário do Sesc Santos.

Sopa de milho com cambuquira, de Neide Rigo

5 espigas de milho
1 cebola picada
1 colher (sopa) de manteiga ou banha
2 dentes de alho amassados
1 colher (sopa) de azeite
1 maço de cambuquira* (descarte ramos mais duros e fibrosos)
Sal e pimenta-do-reino a gosto

Com uma faca bem afiada corte os grãos de milho. Bata no liquidificador em duas porções, com água fria que cubra os grãos. Coe numa peneira, apertando bem. Descarte o bagaço e reserve o caldo.
Numa panela grande, refogue a cebola na manteiga, só para murchar. Junte de uma só vez o caldo de milho e mexa sem parar, devagar, até engrossar (o próprio amido do milho é suficiente para isso – por isso não funciona se usar o milho em conserva, cujo amido já foi gelatinizado – neste caso teria que adicionar maisena e o sabor é bem diferente). Abaixe o fogo e deixe cozinhar por cerca de 10 minutos.
À parte, doure o alho no azeite. Junte a cambuquira picada e refogue rapidamente, só até murchar. Tempere com sal e pimenta-do-reino e junte ao creme de milho. Se a sopa estiver muito grossa, junte aos poucos água quente até conseguir a consistência de mingau ou a do seu gosto. Experimente e corrija o sal, se necessário. Polvilhe pimenta-do-reino e sirva.
Rende: 4 porções

Observações: Deixe para ir adicionando mais água quente quando o creme já estiver bem grosso. Muita água logo de início pode fazer a sopa talhar. Muito germe também – por isso, não corte os grãos muito rentes ao sabugo.

* Cambuquira é uma Panc (Planta Alimentícia Não Convencional): “é o broto bem tenro e aveludado da planta da abóbora que se espalha no meio dos carreadores de milho. Portanto, os dois ingredientes principais estavam sempre juntos, na mesma época do ano”, conta Neide Rigo.  
 

Pudim de pão, de Luiz Américo Camargo 
(do livro Pão Nosso)

Tempo de preparo
20 minutos — para fazer o caramelo
30 minutos — para cozinhar
2 horas — para esfriar
Serve 8 porções

Diferentemente da versão à inglesa (com textura mais grossa, quase uma torta de pão), esta sobremesa segue mais a linha do pudim de leite. É muito simples e só exige um certo cuidado na escolha da matéria-prima principal. Baguete, ciabata e exemplares de casca menos dura são os mais indicados, para obter uma textura mais lisa. O pudim será preparado em banho-maria, um método que torna a temperatura mais padronizada e regular ao redor da fôrma. Antes que eu concluísse o livro Pão Nosso (no qual incluí esta receita), no fechamento do texto final, minha mãe se lembrou de me avisar: raspinhas de limão, raladas na hora de servir, também combinam.

Para o caramelo:

2 xícaras (chá) / 400 g de açúcar
¾ xícara (chá) / 180 ml de água

1. Numa fôrma de pudim, misture o açúcar à água, até dissolver.
2. Leve a fôrma ao fogo baixo e não mexa mais. Deixe cozinhar por 15 minutos, pelo menos. O caramelo vai escurecer: tire do fogo quando ficar bem dourado.
3. Em seguida, com a fôrma apoiada numa base mais firme, use uma espátula, ou as costas de uma colher, para espalhar o caramelo por toda a fôrma. Reserve.


Para o pudim:

½ baguete ou 1/3 de ciabata
2 xícaras (chá) / 500 ml de leite
4 ovos
¼ de xícara (chá) / 50 g de açúcar
1 colher (chá) de essência de baunilha
raspas de limão (opcional)

1. Despedace o pão e coloque no liquidificador. Acrescente os demais ingredientes, feche e bata, até que tudo fique muito bem processado.
2. Despeje o conteúdo do liquidificador na fôrma de pudim. Coloque-a dentro de uma assadeira com água (o ideal é que o nível da água fique acima da metade da fôrma de pudim. Se você tiver uma fôrma de pudim especial para banho-maria, pode usá-la, obviamente.
3. Leve ao fogo alto, abaixe quando a água ferver. Cubra com papel-alumínio (ou tampe, caso seja uma assadeira própria para pudim) e deixe cozinhar por 30 minutos. Para ver ser o pudim está pronto, espete com um palito, delicadamente. Se sair limpo, pode tirar — e cuidado para não se queimar.
4. Deixe esfriar à temperatura ambiente, depois leve à geladeira, por pelo menos 2 horas.
5. Na hora de desenformar o pudim, primeiro passe uma faca nas laterais, com cuidado, para começar a soltá-lo. Aqueça a fôrma por alguns segundos, diretamente na chama do fogão. Com um movimento ágil e firme, coloque um prato de bolo sobre a fôrma e vire de uma vez. Sirva gelado.

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Nhoque de batata baroa (mandioquinha), de Bela Gil 

Para o Nhoque:

600g de batata-baroa cozida e espremida
1 xícara de farinha de arroz
1 colher de chá de sal
1 gema

Numa tigela média, coloque a batata-baroa, a gema , a farinha de arroz e o sal.
Misture tudo até que a massa esteja homogênea.
Numa superfície plana, despeje a farinha de arroz.
Enrole a massa em tiras compridas.
Com a ajuda de uma faca, corte em pedaços de nhoque e reserve.
Numa panela grande, coloque água para ferver. Quando ela estiver fervendo, ponha os pedaços de nhoque aos poucos.
À medida que eles forem subindo, retire-os com uma escumadeira.
Sirva com o molho por cima e finalize com manjericão e queijo ralado se preferir.

Para o Molho:

3 dentes de alho amassados
1 cebola picada
1kg de tomates maduros
¼ de xícara de vinho tinto
3 colheres de sopa de azeite
Sal, orégano, pimenta-do-reino, salsinha e manjericão à gosto
Queijo parmesão de queijo curado ralado para servir

Corte os tomates grosseiramente e bata no liquidificador até que fique uma suco homogêneo.
Refogue a cebola e o alho com azeite na panela.
Junte o molho de tomate, o sal, o orégano e a pimenta-do-reino ao refogado e deixe ferver.
Quando ferver, abaixe o fogo e deixe cozinhar por 45 minutos.
Acrescente salsinha, vinho tinto e manjericão.
Cozinhe por mais 10 minutos antes de servir sobre a massa.

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Açorda de Bacalhau, de Bel Coelho

Rendimento: 5 pessoas

Ingredientes:
500 g de Lombo de bacalhau, demolhado por 3 dias
200 g de cebola branca, fatiada bem fina
2 dentes de alho picados    
200 g de tomate concassé, sem casca e em cubos   
80 ml de azeite extra virgem  
2 folhas de louro        
300 g de broa de milho salgada ou pão italiano, adormecido e em cubos 
Coentro, picado a gosto
Salsinha, picado  a gosto
Sal a gosto
Pimenta do reino moída na hora a gosto
5 ovos caipiras

Modo de preparo:
Cozinhe o bacalhau em fogo baixo com um louro e caules de coentro e salsinha por 20 minutos. Escorra o bacalhau e mantenha o caldo aquecido. Desfie o bacalhau levemente
Em outra panela, esquete o azeite levemente e refogue bem a cebola, alho e tomate. Adicione o bacalhau desfiado e a folha de louro e refogue por mais um minutos.
Coloque 3 a 4 conchas do caldo do cozimento do bacalhau no refogado e adicione o pão. Assim que o pão amolecer, acrescente as ervas, sal e pimenta a gosto.
Desligue o fogo e adicione os ovos, previamente abertos em potinhos, um a um no meio da açorda. Espere 4 minutos e sirva.
 

>>> Confira a programação completa do Experimenta! Comida, Saúde e Cultura em sescsp.org.br/experimenta

>>>> Comida para ouvir: escute a nossa playlist inspirada no Experimenta! 

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