Relicário, por Renato Teixeira

29/11/2024

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Em 1978, a MPB estava vivendo um momento grandioso e sua sonoridade estava totalmente assimilada por todo povo brasileiro.  

Apenas Elis marcava presença com Romaria, uma canção diferenciada que trazia o som das violas, flautas e percussão para uma nova cena musical e soava diferente pois pela primeira vez uma música do chamado gênero caipira fazia sucesso estrondoso fora de seu eixo original, os horários periféricos das emissoras de rádio.  

A banda que gravou a música Romaria com Elis era o ÁGUA, grupo do qual eu fazia parte composto por músicos que se propuseram a descobrir como tocar o gênero caipira com instrumentos que normalmente não faziam parte dos arranjos originais.  

Assim a sanfona do Oswaldinho dá um salto à frente e surge inovadora e ousada, sem medo de ser feliz.  

A viola de doze cordas, nas mãos de Carlão de Souza amplia os espaços e flui como nunca antes havia se ouvido.  

Mesma coisa para as flautas acaipiradas de Sérgio Mineiro e Marcinho Werneck criando caminhos nunca antes usados na música brasileira.  

Dudu Portes e Papete, pesquisaram maneiras de encontrar outras alternativas rítmicas trazendo para os arranjos instrumentos das folias de reis e sons de pássaros.  

Rodolfo Grani procurou até achar um som de contrabaixo ideal para uma pulsação diferente que ele encontrou e que sutilmente acomodou os arranjos e os fez soarem harmoniosamente.  

E para completar o mapa sonoro proposto, o som de um instrumento criado por mim com quatro grupos de três cordas capazes de reproduzir a sonoridade de várias violas caipiras tocadas ao mesmo tempo. O charango caipira.  

Assim como havia sido feito com a bossa nova que surge de um maravilhoso encontro entre os acordes do jazz com o samba, o Água promove a fusão da música caipira com a amplidão sonora da MPB.  

Estava aberto o caminho para que a música caipira, renovada e comunicativa, voltasse pra cena musical ampliada e visível, fora da bolha onde vivera desde que, no começo do século 20, Cornélio Pires fez dela um gênero reconhecido nacionalmente.  

Agora era Elis Regina, a maior cantora brasileira de todos os tempos, cantando uma canção falando dos romeiros brasileiros indo pagar promessa em Aparecida para o nosso maior símbolo religioso, Nossa Senhora de Aparecida, a bordo de uma canção inovadora, bem construída e deliciosamente executada por uma banda que se propunha a inovar um gênero que naquele momento encerrava um ciclo genial: a música caipira.  

No auge desses acontecimentos o Sesc convida o ÁGUA para uma pequena temporada de três shows no teatro Pixinguinha Vila Nova, que hoje é o Sesc Consolação e essas apresentações podem ser consideradas o lançamento oficial de um gênero, o sertanejo moderno, que hoje domina 80% do mercado musical brasileiro.  

Por sorte esses espetáculos foram gravados e estão sendo lançados pelo Selo Sesc dentro do projeto Relicário  como um documento desse momento transformador na história da música brasileira.  

A descontração e a alegria dos músicos evidenciam a consciência de que estavam provando a delícia da inovação, da contribuição efetiva para a grandeza da nossa música com suas ousadias e criatividade.  

Assim se constrói uma história. Aproveitem! 


Sobre Relicário: Renato Teixeira (Ao vivo no Sesc 1978), leia também:


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