Saúde e alimentação equilibradas sempre andaram de mãos dadas. A escolha de alimentos frescos e variados, ricos em nutrientes, ajuda a prevenir doenças crônicas, entre elas, o diabetes, além de outras enfermidades, como as cardiovasculares, o AVC e o câncer, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Além disso, é uma aliada na luta contra o novo coronavírus, dada sua atuação benéfica sobre o sistema imunológico. No entanto, durante a pandemia, o Brasil está enfrentando diversos desafios relacionados à produção e distribuição de alimentos, principalmente, para uma grande parcela da população em estado de vulnerabilidade. O resultado? Com a pandemia, ainda neste ano, o país pode voltar ao Mapa da Fome (estudo da Organização das Nações Unidas que reúne dados sobre a segurança alimentar da população mundial). O alerta já foi feito por diversas instituições e especialistas, entre eles o ex-diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) José Graziano da Silva. Fatores apontam para esse cenário, como a redução da atividade econômica. “Cada vez que conhecemos novas estimativas da queda do PIB e dos níveis de emprego, os resultados são piores. As últimas previsões do Banco Mundial falam de uma queda de 7,4%, que pode passar de 9% caso o país enfrente uma segunda onda de contágios, fruto dessa flexibilização prematura, como aconteceu em outros países que abandonaram a prática do isolamento social antes da hora”, avalia.
José Graziano da Silva ainda destaca: “Como no Brasil uma parte importante da população que não trabalha não come, uma queda dessa magnitude da atividade econômica aumentará a miséria e a fome numa proporção igual ou maior ainda neste ano”. Além disso, segundo o especialista, o auxílio emergencial adotado pelo governo pode não equacionar o atual cenário. “Há dois problemas aí: o tempo dessa cobertura é insuficiente e o valor do benefício aquém das necessidades das famílias pobres para garantir uma alimentação saudável durante e após os meses que se seguirem à pandemia.”
Vem da agricultura familiar a maior parte da produção que abastece a casa das famílias brasileiras, segundo o portal do Governo Federal e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Alimentos frescos e saudáveis voltados para o consumo interno e não para exportação. Um setor que se destaca pela produção de milho, mandioca, feijão, arroz, suínos, aves, café, trigo, fruticulturas e hortaliças.
Uma parte da agricultura familiar trabalha ainda com as diretrizes da agroecologia e também sente o impacto do atual momento. “A gente produz alimento de qualidade e pode atender à necessidade local de uma forma melhor, por ser um alimento agroecológico. E, quando a gente produz numa agricultura familiar, o agricultor não quer que ele e a família comam veneno”, diz o agricultor José dos Reis Boaventura, que, com a família, no município de Iperó (região metropolitana de Sorocaba), já enfrenta dificuldades na distribuição de alimentos. O agricultor compartilhou sua reflexão sobre o momento atual no bate-papo online O papel da rede agroecológica de Sorocaba na e pós pandemia da Covid-19, realizado pelo Sesc Sorocaba, no início de junho.
“Acho que essa conversa e troca de ideias é muito importante nesse momento e depois para ampliar nosso trabalho, porque nós queremos permanecer no campo e quem está na cidade quer se alimentar de forma correta. Por isso é importante fortalecer a aliança entre campo e cidade”, disse Boaventura.
Segundo Renato Maluf, professor titular do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), a agricultura familiar no Brasil é uma categoria numerosa e heterogênea, com desafios distintos. Há, no entanto, uma dificuldade comum, de construção de mercados para seus produtos, destaca o professor, que também é integrante do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN).
“Grande esforço é requerido na viabilização de feiras e de redes de comercialização articuladas com consumidores. As compras governamentais se converteram em instrumento poderoso na viabilização de tipo de produção de alimentos, porém, vêm sendo comprometidas com a quase extinção do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e as restrições postas às compras pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)”, destaca.
Como consequência, “a perda de uma fonte essencial de alimentação saudável que respeita a diversidade e o comprometimento das condições de vida de grande número de famílias rurais”. Segundo o Censo Agropecuário de 2017, feito em mais de 5 milhões de propriedades rurais de todo o Brasil, esse segmento emprega mais de 10 milhões de pessoas, o que representa 67% do total de pessoas ocupadas na agropecuária.
Além de políticas públicas no âmbito municipal, estadual e nacional, a sociedade civil também tem um papel relevante no acesso à alimentação saudável para todos. “Há um conjunto importante de iniciativas em todo o país. As mais difundidas são as que expressam a solidariedade entre iguais, em que os moradores nas comunidades buscam formas de se apoiar mutuamente frente ao verdadeiro desastre sanitário, alimentar e econômico que estamos passando. Embora importantes, elas dependem fortemente de apoio externo (recursos financeiros e doações) e têm alcance limitado. Muitas entidades estão envolvidas em ações de abastecimento apoiadas na agricultura de base familiar”, observa o professor Renato Maluf. No entanto, ele complementa: “O principal apoio que a sociedade poderia dar é exigindo que o Estado assuma suas responsabilidades frente à tripla crise que desenha verdadeira tragédia humanitária no país”.
Para isso, há uma urgente necessidade de mudança de comportamento de todas as esferas da sociedade para o combate à fome. E ela pode ser impulsionada por pesquisas realizadas pelas universidades brasileiras, análises e dados reunidos por instituições internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial de Saúde (OMS), além de reportagens e iniciativas sociais divulgadas nas plataformas digitais. Desenha-se uma nova consciência sobre quem cultiva, de que forma e como os alimentos chegam ao prato da nossa casa.
“Pode-se esperar que a maior dedicação ao preparo doméstico das refeições dos que podem (e devem) respeitar o isolamento social aumente a preocupação com alimentos saudáveis, mas também é possível que implique a busca de soluções fáceis com processados e refeições prontas. O verdadeiro desafio, porém, está em oferecer a opção de acesso a alimentos saudáveis para a enorme massa da população pobre”, afirma Maluf.
Há 25 anos, o Programa Mesa Brasil Sesc São Paulo realiza uma ação permanente de combate à fome e ao desperdício de alimentos. Somente neste ano, já foram arrecadadas mais de 2,8 mil toneladas de alimentos. Tendo em vista o aumento da demanda por comida e também por itens de higiene e limpeza, durante a pandemia o programa ampliou a busca por parceiros e estendeu seu alcance numa força-tarefa para atender às famílias, inclusive de comunidades indígenas do estado. Apenas no mês de maio, o número de famílias assistidas teve um aumento de 23,5% em comparação ao mesmo período do ano passado, saltando de 55 mil para 68 mil.
Dezenove unidades do Sesc no estado – na capital, interior e litoral – operam o Mesa Brasil. As equipes responsáveis pela coleta e entrega diária de alimentos para as instituições cadastradas foram especialmente capacitadas para os protocolos de prevenção à Covid-19, com todas as informações e equipamentos de proteção individuais e coletivos necessários para evitar o contágio.
“O trabalho do Mesa Brasil tem sido intenso. O momento pede um especial apelo à solidariedade de empresas que têm colaborado fortemente para que seja possível atender a pessoas que se encontram ainda mais vulneráveis devido à pandemia. Em um contexto tão delicado, a entrega de uma cesta básica ou de um kit de higiene para uma família que está passando por dificuldades faz toda a diferença”, explica Luciana Curvello, nutricionista e assistente da Gerência de Alimentação e Segurança Alimentar.
Comunidades indígenas
Povos indígenas do estado também estão nesse contexto de vulnerabilidade. Por isso, o Sesc passou a fazer parte de uma grande rede de logística humanitária encabeçada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). A campanha A Fome Não Espera, articulada pela frente de trabalho da Apib no estado de São Paulo e pela Frente de Apoio aos Povos Indígenas (Fapi), tem como objetivo fornecer suporte às aldeias no estado com ações que incluem o combate à insegurança alimentar e nutricional.
“A partir de uma reunião entre lideranças indígenas e indigenistas, simpatizantes da causa, entidades e instituições civis e públicas, houve uma grande mobilização e viabilizamos diversas parcerias. Uma delas é essa com o Programa Mesa Brasil Sesc São Paulo, que contribui com parte significativa dos alimentos distribuídos entre as aldeias”, explica a indigenista Marina Marcela Herrero, coordenadora do Programa Povos Indígenas, na Gerência de Estudos e Programas Sociais do Sesc São Paulo, e também membro da Fapi.
Para viabilizar as entregas – uma logística que envolve desde a higienização dos alimentos, até a embalagem e divisão –, diversas instituições participam do processo. São elas: A Fapi, a Aliança Universidade e Povos Indígenas (Aupi), o Greenpeace, a Swiss Indigenous Network, a Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) em Peruíbe, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo e a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp).
“Nem todos os alimentos necessários para os kits conseguimos arrecadar entre as doações. Nesses casos, é necessário adquirir os itens faltantes por meio de editais de chamamento público, organizados pelo Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp)”, acrescenta Marina. “Essa aquisição é realizada por meio do estado ou das prefeituras locais, mas sempre vindas de agricultores familiares, quilombolas ou produtores agroflorestais ligados ao MST, pois, assim, de alguma forma, ajudamos aqueles que, mesmo tendo produtos para vender, estejam passando necessidade.”
O projeto já está sendo implantado pelo programa Mesa Brasil também nos estados de Santa Catarina, Pernambuco e Piauí, e há mobilização para ampliação a outras regiões em breve. Acompanhe as ações do Mesa Brasil Sesc São Paulo pelas redes sociais @MesaBrasilSescSP e pelo site mesabrasil.sescsp.org.br.
Novas empresas interessadas em realizar doações para o Mesa Brasil podem participar, somando esforços às mais de 1,2 mil empresas já cadastradas. Saiba como:
Devido à pandemia do novo coronavírus, o Mesa Brasil também está arrecadando produtos de limpeza e higiene pessoal.
Ao doar alimentos como: frutas, verduras e legumes, grãos, cereais, enlatados, conservas, suco, água, pães, bolos, massas, frios, laticínios, carnes, aves, peixes e ovos.
Podem doar: centrais de abastecimento, supermercados, atacadistas, padarias, confeitarias, feiras, indústrias, cerealistas, campanhas, entre outros.
Confira as principais vantagens oferecidas pelo Programa às empresas doadoras de alimentos: diminuição dos custos com operações de logística e eliminação de produtos sem valor comercial; fortalecimento da imagem e da reputação da empresa por meio da doação de alimentos, que é uma ação de responsabilidade social, promovendo o retorno social institucional e empresarial; e a contribuição para que as refeições servidas nas instituições sociais tenham maior valor nutricional.
Ao oferecer serviços ou produtos como: transporte e logística, combustível, embalagens, produção gráfica e impressão de material didático e institucional, análise microbiológica de alimentos, veículos para o transporte dos alimentos.
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