A educadora Carolina manuseia protetor facial produzido pelo Sesc (Foto: Matheus José Maria)
Carolina acorda cedo e toma café da manhã no apartamento em que mora com o companheiro na zona sul de São Paulo. Lê notícias, arruma a casa, acompanha as novidades no grupo de trabalho. Normalmente, às nove ela já estaria no Espaço de Tecnologias e Artes (ETA), do Sesc Interlagos, onde trabalha como educadora. Em março, isso mudou – sua rotina profissional se misturou à da casa. E, no fim de abril, uma nova mudança: Carolina Belizário voluntariou-se a trabalhar em um grupo, à época ainda experimental, organizado pelo Sesc São Paulo. Seu objetivo? Ajudar a proteger as pessoas na linha de frente do combate à covid-19.
Agora, por volta de meio dia, ela se arruma para trabalhar novamente. Veste sua máscara, coloca uma segunda na bolsa, verifica o álcool gel, o saquinho para guardar a máscara usada, tudo. O táxi vem e a leva até a unidade do Sesc na Avenida Paulista. Na entrada, sua temperatura é aferida. Seus sapatos, higienizados. Ela preenche um formulário, segue o protocolo, higieniza as mãos, veste outra máscara, óculos, e sobe para trabalhar em uma outra sala do ETA. Uma reduzida equipe se reúne ali para operar impressoras 3D. Máquinas vindas de diversas unidades do Sesc que, agora, cumprem uma mesma função: produzir protetores faciais.
O projeto, organizado em conjunto por especialistas em saúde, educação e tecnologia da instituição, estudou cuidadosamente formas de contribuir com a sociedade aliando seus conhecimentos e recursos, reduzindo ao máximo, no entanto, a exposição das pessoas que trabalham no polo de produção e daquelas com quem convivem. A equipe é composta por funcionários e funcionárias fora de grupos de risco, que não morem com pessoas destes grupos e que, preferencialmente, possam ir a pé ou de bicicleta ao trabalho. Em casos em que não é possível, o táxi cumpre a função.
“Não saímos do zero”, conta Fábia Uccelli, assistente técnica da gerência em Saúde e Odontologia do Sesc São Paulo. “Esses modelos de protetores já existem e têm a função de cobrir o máximo possível o rosto das pessoas que trabalham expostas. Feitos de acrílico, eles funcionam como escudos para barrar o contato de gotículas da fala e respiração, por exemplo, e devem ser usados junto de outros equipamentos de proteção, como óculos e máscaras”.
Em turnos, os educadores e educadoras operam também a cortadora a laser que produz escudos para os dois tipos de protetores em fabricação: um modelo composto por um escudo rígido de acetato com uma testeira em plástico (feito em impressoras 3D) para encaixe na cabeça; e outro, mais flexível e fixado ao rosto com uma testeira também de acetato. Ambos os modelos passaram por testes e avaliações de profissionais do Sesc. Os protótipos vêm de projetos de código aberto, disponibilizados por outras iniciativas de fabricação digital (saiba mais).
No polo de produção, há no máximo quatro pessoas para operar as impressoras e montar os protetores, sempre trabalhando em salas separadas por vidros e seguindo os protocolos de higiene e segurança. Ao final da produção, os equipamentos são esterilizados e armazenados em caixas, prontos para a aguardada doação. Esta etapa, porém, fica a cargo das diferentes unidades do Sesc em São Paulo, que acionam suas redes de entidades parceiras para entregar os protetores faciais onde possam, de fato, contribuir com a segurança de trabalhadores e trabalhadoras.
Do Centro à Zona Sul: a entrega de protetores faciais em Interlagos
Manoel Denys Vasco de Farias integra a equipe de serviços do Sesc Interlagos, coordenada por Adriano Soares de Almeida. Há anos, ele cruza a capital para trabalhar – vai e volta da zona norte, onde mora, ao extremo sul, onde trabalha. Desta vez, sua rotina é diferente. Manoel pega o telefone e conversa com Camilla Mayrbaurl, coordenadora administrativa do Hospital do Grajaú. O local atende os distritos de Grajaú, Cidade Dutra, Socorro, Marsilac e Parelheiros, somando uma área de aproximadamente 500 quilômetros quadrados e uma equipe clínica de 1300 colaboradores. Único na região, o hospital é também parceiro do Sesc Interlagos, recebendo eventuais ocorrências na unidade e prestando atendimento. Desta vez, a conversa é diferente: Manuel combina com Camila a entrega de 50 protetores faciais produzidos pela instituição à equipe de saúde do hospital.
No outro canto da cidade, Cyro Garone Morelli, coordenador da equipe do OdontoSesc na unidade, conversa com Léia Soares, coordenadora de um Centro de Acolhida Especial para Idosos (CAEI). Localizada no Jardim Umuarama, também na zona sul, a instituição é atendida pela equipe do programa Mesa Brasil no Sesc Interlagos e recebe doações de alimentos para compor o prato dos idosos que atende. Funcionando desde 2010 em parceria com a ONG Espaço Aberto, este CAEI é o lar de 62 homens e mulheres na terceira idade em situação de vulnerabilidade social. Sem contato com a família ou vínculo social estável, as pessoas têm no espaço os seus dormitórios, banheiros, sala de TV, biblioteca, lavanderia, cozinha e jardim para tomar sol. Dormem, fazem suas refeições, recebem atendimento à saúde física e mental – de fato, vivem ali. Acostumada a conversar com a equipe do Mesa Brasil, desta vez Léia recebe uma oferta diferente de Cyro – em meio à pandemia, equipamentos de proteção individual se tornam também uma necessidade, para além dos sempre essenciais alimentos. Por isso, o Sesc oferece 50 protetores faciais de acetato, que podem servir como um acréscimo à proteção das equipes de educadores e enfermeiros do Centro.
Na manhã do dia 14 de maio, uma quinta-feira, a delicada operação combinada se põe em prática. Manoel e Adriano levam a caixa com escudos até o Hospital do Grajaú, onde são recebidos por Camila no estacionamento do Hospital, longe dos pacientes. A entrega é rápida, busca ser o mais segura possível para todos os envolvidos. “Com essa doação, conseguimos destinar verba para outras tantas coisas de que a precisamos. Não são todos os fornecedores que estão conseguindo nos atender nesse momento. Então, todas as ajudas, de fato, são bem vindas”.
Em outra direção, a dentista Luciana, integrante da equipe OdontoSesc em Interlagos, é responsável por levar os protetores até o CAEI. Recebida por Léia e Humberto, assistente social do centro, Luciana entrega à equipe os protetores faciais. “Este equipamento será bem importante para quando precisamos atender ou administrar algum medicamento que requer um contato mais próximo. Aqui, os idosos têm autonomia e conseguem se alimentar e tomar banho sozinhos, por exemplo, então o distanciamento social pode funcionar com mais tranquilidade que em outros casos”, relata Humberto. “Temos conseguido proteger bem a todos e, agora, podemos fazer isso um pouco mais”.
“É muito gratificante poder trabalhar em algo que faça sentido para as pessoas durante esta pandemia”, conta Carolina. A educadora, parte da equipe do Sesc há mais de uma década, sente falta da antiga rotina. “Para mim, é muito estranho não descer a alameda de Interlagos todos os dias. É outono e eu gostaria de estar lá para acompanhar as árvores se tornando ruivas pouco a pouco. Mas sei que estamos lutando juntos e, quando isso passar, estaremos de volta em nosso lugar”.
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