Saúde, diversidades, interseccionalidades, redes, tudo junto e misturado, mas com muitas distâncias a serem encurtadas 

21/03/2024

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Por Douglas Roque Andrade

Com mais de 8 bilhões de pessoas no mundo, aproximadamente 203 milhões no Brasil e mais de 44 milhões apenas em São Paulo, a diversidade é uma realidade inegável. Entretanto, mesmo em meio a essa vastidão de diferenças, ainda enfrentamos desafios significativos para lidar com a diversidade de maneira eficaz. Apesar de ser mais confortável para muitos lidar com a homogeneidade, devemos reconhecer que, mesmo entre aqueles que consideramos semelhantes, existem muitas diferenças notáveis. Por exemplo, dentro de um grupo de torcedores de um time de futebol, encontraremos uma multiplicidade de características físicas, preferências culturais e comportamentos distintos. Então, por que continuamos a enfrentar dificuldades em lidar com a diversidade? 

No âmbito da saúde, é comum agrupar pessoas em categorias como hipertensos, diabéticos e fisicamente ativos na tentativa de promover o bem-estar e a qualidade de vida. No entanto, dentro de cada uma dessas categorias, existe uma ampla gama de diferenças individuais que não podem ser ignoradas. Preocupantemente, muitos programas de saúde e bem-estar não levam em consideração essa diversidade, o que pode prejudicar tanto o acolhimento dos participantes quanto a eficácia das intervenções oferecidas.  

Em 2020, a rede Nossa São Paulo registrou que no Alto de Pinheiros, na cidade de São Paulo, a idade média de morte foi de 80,9 anos, enquanto em Cidade Tiradentes, essa média foi alarmantemente baixa, registrando apenas 58,3 anos, uma diferença de 23 anos, reforçando que não navegamos nas mesmas águas e, quando temos o barco, ele não é o mesmo. Torna-se explícito que o modo de vida também é determinado pelas condições sociais, comerciais e ambientais, resumindo o seu CEP (moradia e trabalho) podem explicar muito sobre o seu bem-estar. Essas questões estão inseridas nos 17 objetivos do desenvolvimento sustentável e em seus indicadores e mesmo para a saúde individual e coletiva, esses fatores estão presentes para além do objetivo 3 (saúde e bem-estar). 

É essencial reconhecer que os indivíduos não se encaixam perfeitamente em uma única categoria ou rótulo. Pelo contrário, somos moldados por uma variedade de identidades e experiências que se entrelaçam de maneiras complexas e interconectadas. Essa compreensão mais holística da saúde é fundamental para promover uma visão integrada do bem-estar humano, que leve em consideração não apenas os aspectos físicos, mas também os sociais, emocionais e ambientais. 

Um exemplo alarmante da necessidade de considerar essa diversidade é o cenário das doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), que representam uma parcela significativa das mortes no Brasil (75%). Dados do Ministério da Saúde indicam que fatores como escolaridade, sexo, renda e raça estão intimamente ligados à prevalência dessas doenças. Além disso, é importante reconhecer que as experiências individuais são moldadas por uma variedade de formas de opressão e discriminação, como raça, gênero, classe social e orientação sexual. A interseccionalidade, que destaca a interconexão e interdependência dessas diversas formas de discriminação e desigualdade, é crucial para compreender como esses fatores impactam a saúde e o bem-estar das pessoas. 

Em 2022, a maioria dos lares brasileiros (91,5%) tinha acesso à internet, com a banda larga sendo predominante. No entanto, cerca de 6,4 milhões de domicílios ainda estavam sem acesso, principalmente devido à falta de conhecimento, custo do serviço e falta de necessidade. O número de lares com TV aumentou para 71,5 milhões, mas a proporção diminuiu para 94,4%. O uso de TV por assinatura caiu nas áreas urbanas e aumentou nas áreas rurais, enquanto o streaming de vídeo estava presente em 43,4% dos lares com TV. A proporção de lares com microcomputador caiu para 40,2%, enquanto a de tablets aumentou para 10,7%. O uso de telefone fixo continuou a diminuir, com apenas 12,3% dos lares possuindo, em comparação com 96,6% que possuíam telefone móvel celular. Esses dados destacam a influência do acesso à tecnologia na forma como nos relacionamos com a informação, lazer, cultura e com a cidade. Como lidaremos com essas questões, no âmbito pessoal, familiar e comunitário? 

Diante dessas disparidades sociais e regionais, é fundamental desenvolver políticas públicas mais abrangentes e eficazes que promovam a equidade em saúde no país. Isso inclui não apenas abordar as questões biológicas e médicas, mas também considerar os determinantes sociais, econômicos e culturais da saúde. Integrar a cultura nos programas de saúde pode ser uma estratégia poderosa para promover o bem-estar e a qualidade de vida, reconhecendo o papel fundamental da expressão criativa, do pertencimento social e do fortalecimento dos vínculos comunitários. 

A pesquisa “A reinvenção da vida e da saúde em tempos de pandemia – O lugar da cultura”, realizada pelo Centro de Pesquisa e Formação do Sesc SP em parceria com a Faculdade de Medicina da USP, destacou a importância das práticas culturais e artísticas no contexto da promoção da saúde e do bem-estar. A síntese revela como o engajamento em atividades culturais pode contribuir para a melhoria da qualidade de vida, tanto física quanto mental, ao promover o senso de pertencimento, a expressão criativa e o fortalecimento dos vínculos sociais. Além disso, a pesquisa evidencia a necessidade de políticas públicas que valorizem e incentivem a integração da cultura nos programas de saúde, reconhecendo-a como um elemento essencial. 

Em suma, promover a equidade em saúde requer uma abordagem holística que leve em consideração a diversidade natural da humanidade e reconheça a interconexão de fatores sociais, econômicos, culturais e ambientais que influenciam a saúde e o bem-estar das pessoas. Somente adotando uma visão mais afetuosa, inclusiva e integrada da saúde poderemos garantir o bem viver para todos. 

Centro de Pesquisa e Formação do Sesc São Paulo e Universidade de São Paulo. A Reinvenção da vida e da saúde em tempos de pandemia: o lugar da cultura / organização Ricardo Rodrigues Teixeira… [et al.]. — 1. ed. — São Paulo, 2023;

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Tecnologia da Informação e Comunicação 2022. Rio de Janeiro: IBGE, 2022;

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Tecnologia da Informação e Comunicação 2022. Rio de Janeiro: IBGE, 2022;

Ministério da Saúde. Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel). Relatório de 2002. Brasília, 2023; 

Movimento Nossa São Paulo. Relatório sobre as Desigualdades Sociais em São Paulo. São Paulo: Movimento Nossa São Paulo, 2021.


Douglas Roque Andrade é professor do curso de graduação em educação física e saúde e do programa de pós-graduação em Mudança Social e Participação Política da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo. Mestre e doutor em saúde pública pela Universidade de São Paulo. Faz parte do Grupo de Estudos e Pesquisas Epidemiológicas em Atividade Física e Saúde da EACH-USP. Diretor de Comunicação do Centro de Estudos, Pesquisa e Documentação em Cidades Saudáveis (2021-2022).


Este conteúdo integra o projeto Inspira – Ações para uma Vida Saudável, que acontece de 10 a 21 de abril, com programações que estimulam reflexões sobre saúde e qualidade de vida. São mais de 170 atividades, a maioria gratuita e aberta a todas as pessoas, em 38 unidades do Sesc no estado de São Paulo. Consulta a programação em sescsp.org.br/inspira.

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