Alunas observam a fonte das sete bicas na Vila Rezende
Por volta das oito e trinta da manhã, parte da avenida Barão de Valença, em Piracicaba, recebeu a microexpedição composta, em sua maioria, por jovens de não mais que 14 anos. Entre uma brincadeira, uma gargalhada e uma reprimenda, esses jovens desbravadores urbanos procuraram, entre fendas de concreto, uma pista ou indício de vida. Marte é aqui.
Brunos, Carlos, Heloisas e Ricardos, alunos de algumas escolas da rede estadual de Piracicaba, tiveram a tarefa de descobrir e escolher nomes para rios que, apesar de estarem há anos circulando, são forçados ao anonimato cinza dos blocos de concreto.
Trata-se do projeto Eu, Rio, um desdobramento da exposição Rios Des.Cobertos, que em 2018 levou ao Sesc Piracicaba maquetes em relevo com projeções de imagens da cidade, das ruas ou rodovias, das cidades ou bairros, dos rios a céu aberto ou canalizados e ocultos.
Para evitar o paradeiro final da cultura do óbvio, tênis esgarçados dão passos largos em busca de um futuro fora do tempo. O desfecho suposto deve aos poucos ser sufocado pelos grãos de areia na ampulheta da inventividade. Pensar em coexistência, esteio, responsabilidade e legado, o futuro fora do tempo permite a estas cabeças ainda cruas arrefecer novamente as crostas polares.
As ruas seguem sendo costuradas, os cães continuam latindo, donas de casa olhando curiosas, as brincadeiras entre eles continuam compatíveis a quem não coleciona muitas voltas da Terra em torno do sol. Vale até a ousadia de zombar da professora que supervisiona o grupo. Chega-se a Praça das Sete Bicas, conhecido local do bairro Vila Rezende. Testa-se o pH da água, demonstra-se, tira-se uma nesga de prosa com seu Osvaldo, cuidador da praça há 60 anos.
Na semana anterior o cenário e a missão eram outros. Eles precisavam localizar, se dividir em grupos e eleger o nome daquele rio através de eleições internas.
Rio Preguiça é o nome escolhido pela Escola Estadual Jeronymo Gallo Monsenhor. O curso d’agua ganhou esse nome, pois está a plenos pulmões somente meio período do dia, graças ao bombeamento do shopping ao qual ele cruza.
Um curso d’água agora leva consigo de arrasto a peculiaridade e delicadeza de um nome pensado a dúzias de cabeças que ainda deixam escapar as fórmulas matemáticas, mas se dão ao luxo de subverter a lógica e batizar algo que nasceu muito antes deles. Disso eles jamais esquecerão.
Já na escola, em meios as atividades artísticas inspiradas pelas águas, chega um rapazinho com olhar curioso para a câmera:
– Sabia que eu tenho um canal?
Parece ter funcionado, aquele cidadão realmente se apropriou de um Rio, e quer contar pra todo mundo que é um senhor das águas. Sem dar tempo de emendar qualquer palavra, ele completa:
– Com 15 mil inscritos.
Eu, rio.
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