Obra: memória submersas ou prisioneira da passagem, 2014 – 2018.
O corpo humano, sob olhares materiais ou filosóficos, é repleto de significados. Desde o princípio de estudos da anatomia do corpo humano, vem criando padrões para a sociedade que vão desde o entendimento do corpo perfeito nas variações de etnias, tribos, região e até classe social. Nas obras de Rosa Esteves, a anatomia ganha diferentes entendimentos, de acordo com a extensão limitada dos cinco sentidos, a partir de um conjunto de sistemas orgânicos capaz de se tornar instrumento de expressão do coletivo e de aprendizado individual. Corpos são registros da própria história humana, guardam em si manifestações culturais e artísticas marcadas pela identidade de um ser inserido em seu contexto mais amplo. A condição do corpo feminino, em especial, reserva a possibilidade de dar vida a outros seres. Exala, de maneira sutil e intensa, o poder silencioso da metamorfose e a capacidade de entrega e oferecimento do próprio corpo à causa da criação.
São estes corpos, imersos em seus mais variáveis estados simbólicos, que constituem a principal matriz da exposição Impressões: sentimentos do corpo, da artista Rosa Esteves, que estará na Galeria do Sesc Santo André a partir do dia 12 de junho. A exposição reúne obras que abordam questões relacionadas ao corpo e à condição feminina em diferentes formas de representação. Em sua produção artística, Rosa utiliza diferentes elementos da natureza como pedras, conchas, ouriços e estrelas do mar, além de produzir obras com partes de seu próprio corpo em cerâmica e pedaços de chocolate, originando gravuras peculiares e objetos tridimensionais que se misturam com contextos históricos e lançam novos olhares às questões do corpo feminino. Algumas obras da exposição também são apresentadas em obras táteis, com uma equipe educativa preparada para visitas acessíveis que oferecem ao público a experiência de tocar e sentir as curvas, texturas e materiais utilizados pela artista.
É desta maneira que Rosa procura dar voz a profundos sentimentos e emoções reprimidas de forma intensa e delicada. As obras escolhidas para esta exposição, com curadoria de Vera d’Horta e produção e design gráfico de Wanda Gomes, se apoiam nesta questão de tensão e ruptura através de peças em cerâmica, impressões, assemblages, moldes em gesso, objetos em resina, livros de artista e painéis adesivos. São obras produzidas entre 1991 e os dias atuais, apresentando uma parcela significativa da produção de Rosa Esteves.
A artista possui uma investigação consistente em temas relacionados ao feminino, o que inclui a pesquisa pessoal e histórica sobre a vida de sua tia, a educadora Eunice de Caldas. Ela se associou ao Liceu Feminino em 1902, do qual se tornou diretora, produzindo um trabalho pioneiro sobre educação feminina. Esteve internada em sanatórios por três períodos, tendo falecido durante a terceira internação, sendo que o diagnóstico de ‘loucura’ misturava-se aos desvios de comportamento considerado ‘normal’ para as mulheres de sua época. O que se iniciou como pesquisa histórica e pessoal acabou produzindo experimentações artísticas em diversas técnicas e materiais, inspirando os trabalhos Memórias submersas, De todo coração e Espalhe o coração pela cidade.
Na exposição que no Sesc Santo André, os corações iluminados representam uma homenagem a essa personagem da memória afetiva de Rosa Esteves. O corpo infantil permanece lembrando, no adulto, os sobressaltos e sentimentos confusos deixados pela lembrança de casas escuras povoadas de cantilenas sombrias e loucas palavras de sentido partido. É este instante que interessa à artista: o momento da sua imersão num universo paralelo, múltiplo e não regido pela razão.
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