Texto: Camila Santos
NEVA foi escrita em 2005 pelo dramaturgo e diretor de teatro chileno Guillermo Calderón, e traz um diálogo entre a política e a arte. Pela primeira vez em São Paulo, o espetáculo da Armazém Companhia de Teatro, dirigido por Paulo de Moraes, estreia no Teatro Paulo Autran, do Sesc Pinheiros, e fica em cartaz de 14/4 a 14/5, sextas e sábados, às 21h, e domingos e feriados, às 18h.
Todo o enredo se passa em um teatro, onde um ator e duas atrizes se encontram para ensaiar “O Jardim das Cerejeiras” e acabam, meio sem querer, se abrigando do massacre que aconteceu em São Petersburgo, então capital do Império Russo, em 9 de janeiro de 1905, dia conhecido como Domingo Sangrento.
Nas palavras do diretor, a discussão que a obra estabelece versa, principalmente, sobre a desimportância da arte e do teatro quando comparados a problemas sociais urgentes e, em contraponto, sobre a enorme paixão mobilizadora que essa mesma arte e teatro causa em quem participa dessa comunhão artística.
Moraes destaca ainda a relação de contemporaneidade do espetáculo com a realidade que a sociedade brasileira vive atualmente:
“Tem uma frase do texto que é fundamental: ‘É preciso fazer um teatro que nos cure a alma.’ Depois desses anos de pandemia e de absoluta devastação da política cultural no país, NEVA é um texto fundamental para ser visto nesse momento.”
Os atores Felipe Bustamante (Aleko), Patrícia Selonk (Olga Knipper) e Isabel Pacheco (Masha) formam o elenco e mergulham na complexidade de transmitir ao público a reflexão sobre o papel teatral e cultural na vida das pessoas.
“Quando a sociedade em que a gente vive está em uma encruzilhada, quando as questões políticas são muito urgentes, ainda é possível fazer arte? Ainda é possível levar as pessoas para uma sala de teatro e, aquelas discussões, pertinentes ali, ainda encontram eco na realidade em que vivemos? Passar por essas questões, discuti-las ali, na sala de ensaio, foi muito importante pra nós. Até pra refletirmos como continuar nesse momento tão perplexo que a gente enquanto a humanidade tá passando”, afirma Patrícia Selonk.
E é exatamente essa provocação que Guillermo Calderón, renomado dramaturgo, diretor e roteirista chileno, trouxe ao escrever NEVA, que apesar de se passar na Rússia, trata também do contexto político do Chile dos anos 70.
Calderón, inclusive, faz parte do MIRADA, Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas realizado pelo Sesc SP, que celebra as expressões culturais da América Latina para além do resultado do processo colonizatório, discutindo como estes países lidam com suas histórias de colonização.
Para celebrar os 35 anos, a Armazém Companhia de Teatro escolheu apresentar NEVA no Rio de Janeiro, e angariou uma indicação ao Prêmio Shell RJ 2023 nas categorias de Direção e Iluminação. São mais de 40 prêmios nacionais e dois internacionais, o Fringe First Award (2013 e 2014) no Festival Fringe de Edimburgo (Escócia), e o Coup de Couer de la Presse d’Avignon (2014) no Festival Off de Avignon (França).
A peça se passa em 9 de janeiro de 1905, em São Petersburgo, capital do Império Russo na época, no Domingo Sangrento, quando manifestantes que pediram melhores condições de trabalho nas fábricas foram fuzilados pela Guarda Imperial do Czar Nicolau II. O evento foi um dos estopins para a Revolução Russa que aconteceria em 1917.
Uma das atrizes trancada dentro do teatro é a alemã Olga Knipper (Patrícia Selonk), primeira atriz do famoso Teatro de Arte de Moscou e que foi casada com o dramaturgo russo Anton Tchekhov. Sentindo-se incapaz de atuar, depois da morte do marido por tuberculose há seis meses, e na tentativa de seguir vivendo – enquanto lá fora a cidade desaba –, Olga instiga Masha (Isabel Pacheco) e Aleko (Felipe Bustamante) a encenarem repetidamente com ela a morte de Tchekhov.
A partir desse desassossego, entre incertezas artísticas e embates políticos, a pergunta que mais se impõe é “para que serve o teatro?”. Com um humor feroz, Calderón escreve sobre uma Rússia conflagrada politicamente no início do século 20, mas reflete sobre o seu Chile em 1970 e, talvez, sobre o Brasil desses anos obscuros, tempos em que “tudo o que tem água está congelado, inclusive os homens”.
A discussão proposta pelas personagens oscila entre a afirmação da absoluta necessidade da arte: “Temos que fazer teatro. Temos que fazer uma peça que nos cure a alma.” E da sua total irrelevância: “Pra que perder tempo fazendo isso? O teatro é uma merda. Querem fazer algo que seja de verdade: saiam às ruas”.
A Armazém Companhia de Teatro foi formada em 1987, em Londrina, em meio à efervescência cultural vivida pela cidade paranaense na década de 80 – de onde saíram nomes importantes no teatro, na música e na poesia. Liderados pelo diretor Paulo de Moraes, o senso de ousadia daqueles jovens buscando seu lugar no palco impregnaria para sempre os passos do grupo: a necessidade de selar um jogo com o seu espectador, a imersão num mundo paralelo, recriado sobretudo pela ação do corpo, da palavra, do tempo e do espaço.
Com sede no Rio de Janeiro desde 1998, a companhia completa 35 anos desde sua formação. Sempre baseando seus espetáculos em pesquisas temáticas (com a criação de uma dramaturgia própria com ênfase nas relações do tempo narrativo) e formais (que se refletem na utilização do espaço, na construção da cenografia, ou nas técnicas utilizadas pelos atores para conviver com o risco de encenar em cima de um telhado, atravessando uma fina trave de madeira ou imersos na água), a questão determinante para a companhia segue sendo a arte do ator. Busca-se para o ator uma dinâmica de corpo, voz e pensamento que dê conta das múltiplas questões que seus espetáculos propõem. E a encenação caminha no mesmo sentido, já que é o corpo total do ator que a determina.
Apesar da construção de espetáculos tão díspares e complementares como A Ratoeira é o Gato (1993), Alice Através do Espelho (1999), Toda Nudez Será Castigada (2005), O Dia em que Sam Morreu (2014), Hamlet (2017) e Angels in America (2019), a Armazém Companhia de Teatro segue sua trajetória sempre investindo numa linguagem fragmentada, que ordene o movimento do mundo a partir de uma lógica interna. Essa lógica interna é a voz da Armazém, talvez a grande protagonista do mundo representacional da companhia.
Texto: Guillermo Calderón
Montagem: Armazém Companhia de Teatro
Direção: Paulo de Moraes
Tradução: Celso Curi
Elenco: Patrícia Selonk (Olga Knipper), Isabel Pacheco (Masha) e Felipe Bustamante (Aleko)
Interlocução Artística: Jopa Moraes
Iluminação: Maneco Quinderé
Música: Ricco Viana
Figurinos: Carol Lobato
Instalação Cênica: Paulo de Moraes
Maquete ‘Teatro de Arte de Moscou’: Carla Berri
Mecânica da Maquete: Marco Souza
Design Gráfico: Jopa Moraes
Foto e vídeo: Mauro Kury
Preparação Corporal: Patrícia Selonk e Ana Lima
Técnico de Montagem: Djavan Costa
Assistente de Produção: Malu Selonk e Amanda Rumbelsperger
Produção Local São Paulo: Pedro de Freitas
Produção: Armazém Companhia de Teatro
Para ingressos e mais informações sobre o espetáculo, acesse: https://www.sescsp.org.br/programacao/neva/
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