Sobre a Densidade do Tempo

01/09/2021

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Nas últimas décadas, um fenômeno pôde ser observado em diversas sociedades, incluindo a brasileira: o crescente interesse pelos âmbitos da memória e do patrimônio. Se anteriormente tais âmbitos pareciam restritos às diversas especialidades que lidam profissional ou academicamente com eles, é legítimo apontar que as fronteiras que os distanciavam de discussões mais amplas foram pouco a pouco sendo demolidas. 

Atualmente, grupos sociais os mais diversos têm incluído o direito à memória entre suas demandas pelo exercício mais pleno da cidadania, o que implicaria a possibilidade de terem suas narrativas reconhecidas como tão relevantes quando aquelas relativas a estratos hegemônicos. Os motivos para essa progressiva permeabilidade do assunto são diversos; dentre eles, podemos apontar a conscientização cada vez maior de que a memória serve ao tempo presente – assim ficam nítidas suas conexões com dimensões políticas e sociais, bem como a centralidade do debate sobre o passado na construção de presentes e futuros mais equânimes. 

As instituições que atuam no campo sociocultural participam intensamente dessas discussões. No caso do Sesc, houve neste milênio nítido incremento no que se refere à quantidade e aprofundamento das ações dedicadas a visibilizar o campo democrático de disputas que é a memória social. Compreendida como vetor transversal a perpassar todas as áreas da atuação institucional, faz-se presente tanto na concepção e proposição de atividades para públicos diversos e no estabelecimento de parcerias com organismos públicos e privados implicados na questão, como na consolidação de estratégias de preservação e difusão da memória institucional, dentre as quais merecem destaque o Sesc Memórias e o zelo com edificações, mobiliário e acervos de interesse histórico pertencentes à entidade. 

Em 2019, essa trajetória teve um momento de destaque: no bojo da realização do Seminário Memória como direito (uma ação integrada com o Departamento Nacional e com os Departamentos Regionais do Sesc), foi lançada uma edição dos Cadernos Sesc de Cidadania dedicada às memórias. Nessa publicação, diversos aspectos são abordados: um breve arrazoado das políticas públicas, vicissitudes e contradições do campo do patrimônio em nível nacional; as metodologias e práticas do Sesc na área; relatos de personagens que fizeram da promoção das narrativas de seus grupos identitários um ato de resistência; uma entrevista com a historiadora e professora da Universidade de São Paulo Ana Maria de Almeida Camargo sobre as peculiaridades e desafios de centros de memórias na atualidade; uma intervenção estética da artista Leila Danzinger, cuja poética flerta a todo momento com sua ascendência judaica; um artigo do poeta e museólogo Mario de Souza Chagas sobre experiências sociais em museologia. 

Esta revista é, sobretudo, um convite: em suas páginas, textos e imagens funcionam como acesso para problemáticas complexas e sedutoras, que reverberam o que se percebe nas ruas, praças e demais espaços que compartilhamos. Trata-se da espessura do presente, implícita em cada arquitetura ou demolição, em cada som ou cheiro, em cada fluxo e cada pessoa. Espessura esta que está repleta de tempos pretéritos acumulados, não raro conflituosos entre si, assim como de promessas de amanhãs – possivelmente libertadores, a depender do que estejamos aptos a construir hoje. 

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