A arte de Krajcberg em defesa da natureza

02/02/2025

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Sobrevivente do Holocausto, artista polonês Frans Krajcberg imigrou para o Brasil após o genocídio nazista e se deparou com outra guerra: a do ser humano contra o meio ambiente 

Por Marcel Verrumo 

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Em uma casa na árvore, no Sítio Natura, localizado na cidade litorânea de Nova Viçosa (BA), o escultor, pintor, gravador e fotógrafo Frans Krajcberg (1921-2017) morou por anos, contemplando, pelas janelas, o verde. Em meio às copas de plantas nativas e de espécies presenteadas por amigos, viveu ao som dos pássaros, enquanto construía sua existência semeando uma obra amalgamada com o próprio meio ambiente. 

Mas a paisagem vislumbrada por Krajcberg nem sempre foi marcada pelo verde da natureza. Tampouco o seu silêncio foi sempre somado à sinfonia dos pássaros. Houve um tempo em que seu campo de visão era o campo de batalha. Um tempo em que o horizonte era marcado por secas, estiagens e incêndios; em que o verde das árvores era queimado pelo vermelho do fogo e o canto dos pássaros era silenciado por bombas, pelo poder da pólvora. 

Frans Krajcberg cresceu em meio à destruição. Nasceu no seio de uma comunidade polonesa e, aos 18 anos, viu as tropas nazistas invadirem seu país, em um episódio que marcou o início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Foi escravizado em um campo de trabalho forçado, conseguiu fugir e lutar ao lado do Exército Popular da Polônia (ligado à União Soviética). Terminada a guerra, imigrou para o Brasil, território que se tornaria seu endereço e onde faria seu ateliê – em um local também atingido pela violência, dessa vez de florestas queimando, biomas desertificando-se, rios secando. 

“Krajcberg sobreviveu no epicentro da Segunda Guerra durante anos. Quando chegou ao Brasil, se viu no epicentro de outra guerra, a da destruição do solo no Paraná, a da queimada na Amazônia. Ele nunca saiu da guerra, esteve em um combate permanente durante a vida, em uma luta constante. Não havia uma conversa que não voltasse a esse assunto”, conta o escritor João Meirelles, amigo do artista e autor da biografia Frans Krajcberg: a natureza como cultura (2025), recém-lançada em coedição pelas Edições Sesc São Paulo e pela Editora da Universidade de São Paulo (Edusp). 

As inquietações da humanidade transformaram a obra do artista, fazendo com que ele se afastasse de uma “arte pela arte” e se aproximasse de uma estética com forte ativismo, ligada sobretudo ao ambientalismo – em uma época em que as discussões sobre ecologia não eram tão intensas como na contemporaneidade. “Em sua guerra em prol do meio ambiente, Krajcberg fez da máquina fotográfica a sua arma de combate”, descreve Meirelles. 

Arte e natureza fundiram-se, tornando-se uma a continuação da outra. Em um ateliê construído in loco em todo o território brasileiro, o artista usou como matéria-prima árvores queimadas e solos devastados. Entre os exemplos, estão as criações feitas durante viagens à Amazônia e ao Mato Grosso, fotografando cenas de desmatamentos e queimadas; suas esculturas a partir de troncos e raízes calcificadas pelo fogo.  

Ao longo de décadas, o polonês participou de mais de 200 exposições coletivas e 92 individuais, teve sua obra incorporada ao acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), foi laureado com centenas de prêmios nacionais e internacionais, inspirou e afetou artistas, estudiosos e pessoas que, em diferentes regiões do mundo, tiveram contato com sua arte.

Em uma de suas viagens pelo Brasil, com o amigo e biógrafo Meirelles, Frans Krajcberg revelou o que talvez seja o ponto central de sua estética, o reconhecimento de que é parte de onde vivia e de tudo o que criava: “Nós somos a natureza”. Em um país onde reconhecia a destruição ambiental há séculos, sintetizou ser feito da mesma tragédia que resultou em tantas de suas obras, da devastação que ainda assola o Brasil: “Eu sou um homem queimado”, sentenciava. 

Arte como denúncia 

Biografia conta a história de Krajcberg a partir de depoimentos, diários de campo e documentos históricos 

Após o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) considerar 2024 como o mais quente já registrado da história do país e às vésperas de o Brasil sediar a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém (PA), as Edições Sesc São Paulo e a Editora da Universidade de São Paulo (Edusp) apresentam a biografia Frans Krajcberg: a natureza como cultura, escrita pelo escritor e ativista socioambiental João Meirelles.  

O livro nasce da amizade de Meirelles e Krajcberg, que se conheceram no sítio do artista, em 1985. Na época, o polonês pediu ao escritor que escrevesse a obra. Em quase quatro décadas, o biógrafo amadureceu a solicitação, reunindo registros documentais, diários de campos e entrevistas com pessoas próximas a Krajcberg, resultando no mosaico que compõe a biografia. 

“Lançar esta obra hoje é algo bem emblemático. O Frans foi quem me despertou para a vida de ambientalista. Foi quem descobriu a queimada como arte e a apresentou de uma forma veemente. Foi também um artista que usou cores fortes, algo simbólico em um momento em que passamos por emoções e sensações fortes, sejam elas de frio ou de calor”, destaca o autor. 

EDIÇÕES SESC SÃO PAULO  

Frans Krajcberg: a natureza como cultura (2024) 

João Meirelles    

Em parceria com a Editora da Universidade de São Paulo (Edusp). 

sescsp.org.br/edicoes 

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