Faça chuva ou faça sol, segunda-feira é o dia do virado à paulista, por excelência. Assim como terça é a vez solene da dobradinha, quarta da feijoada, quinta da massa italiana de sua preferência e sexta-feira do pescado. A hora do almoço na cidade de São Paulo ainda segue esse roteiro tradicional, mas ele hoje concorre com novas opções. Primeiro com os restaurantes a quilo – os famosos self service –, que surgiram na década de 1980. Outro adversário de peso, originado na mesma época, é o fast food. Além disso, os “PFs” foram se diversificando e até se personalizando, com a volta das marmitas.
No entanto, há um movimento de conscientização da importância de uma comida saudável e brasileira. De acordo com a professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Elke Stedefeldt, que é doutora em Alimentos e Nutrição, essa dinâmica sofreu grande influência do Guia Alimentar para a População Brasileira de 2014, publicado pelo Ministério da Saúde. De acordo com o guia, pela primeira vez é reforçada a importância de uma alimentação “culturalmente apropriada e promotora de um sistema alimentar socialmente e ambientalmente sustentável”.
Somam-se ainda outros fatores que interferem diretamente na nossa alimentação, segundo a pesquisadora e professora nos cursos de especialização em Gastronomia: História e Cultura, Cozinha Brasileira e Cozinha Avançada do Centro Universitário Senac, Joana Pellerano. “Grandes alterações na produção, na distribuição, no preparo e no consumo de alimentos que reconhecemos como comestíveis impactam as demais vias, já que tudo faz parte de um grande processo interdependente”, esclarece. “Isso também acontece, por exemplo, com a chegada de novas culturas por meio da migração, da internet, da globalização.”
Ou seja, “o que comemos não é algo separado da vida social”, explica Pellerano. “Crises econômicas, expansão ou retração do trabalho formal, tempo de deslocamento, discursos públicos sobre saúde e até modas apresentadas pelos meios de comunicação de massa e redes sociais podem impactar, em maior ou menor grau, a maneira como comemos.”
Um reflexo da diversidade à mesa do almoço é que mais pessoas vêm experimentando novas opções do cardápio na última década. Do fogão de casa ou de restaurantes, borbulha a curiosidade de fazer combinações inusitadas. Acrescenta-se ainda a valorização de ingredientes e de tradições culinárias regionais.
“O avanço de acesso a conteúdos que tivemos nas primeiras décadas dos anos 2000 é um marco de transformação no perfil de consumidores e profissionais. Existe uma grande preocupação com saúde, bem-estar e sustentabilidade ambiental”, observa a cientista social Rafaela Larios Soldan, chef de criação gastronômica na duLocal.
Criada em 2018, a duLocal vende e entrega marmitas orgânicas na capital paulista – o que fortalece pequenos agricultores e cozinheiras de Paraisópolis, Zona Sul da cidade. “Esse crescente interesse por marmitas abriu um campo comercial para negócios que buscam ofertar alimentação personalizada, atendendo também a restrições alimentares”, explica. Além disso, complementa a chef, “oferecemos um contraponto à cultura alimentar homogênea e sem diversidade, retomando esse laço tão essencial em conhecer e consumir a produção de alimentos locais e coerentes com as condições agrícolas de cada região e época”.
Seja a quilo, PF ou marmita, a diversidade de opções para o almoço também vai demandar outro comportamento da população brasileira.
“Se considerarmos as ofertas não saudáveis, elas são grandes e suficientemente variadas para atender aos nossos desejos e vontades. Por isso, temos que fazer um esforço comportamental para termos escolhas saudáveis”, pondera a professora Elke Stedefeldt.
Com um livro à mão, acompanhado por uma xícara de chá, um homem de 80 anos sorri e pede um guardanapo à mãe e filha que estão sentadas ao lado, refrescando-se com um sorvete de iogurte depois de assistirem a uma peça. Em frente, um casal compartilha o último pedaço de um cuscuz enquanto espera os filhos visitarem uma exposição. Nas Comedorias do Sesc São Paulo, cenas como essas traduzem a essência deste espaço criado para fomentar encontros e uma alimentação saudável.
Foi em 1947 que o Sesc São Paulo inaugurou o primeiro lugar dedicado à alimentação dos frequentadores: o Restaurante do Comerciário Alcântara Machado, localizado na Associação dos Empregados do Comércio. Quase dez anos depois, o restaurante foi transferido para o prédio localizado na Rua do Carmo, no Centro da capital, onde hoje funciona o Sesc Carmo.
No ano de 2003 o conceito desses locais foi reformulado. A partir daí, passaram a receber o nome de Comedoria. Hoje eles somam 84 espaços – entre cafés, cafeterias, lanchonetes e restaurantes – em 39 unidades do Sesc. Cada unidade tem um cardápio próprio, de acordo com a estrutura e o perfil do espaço e do público. Refeições, sanduíches e sobremesas também podem mudar periodicamente a depender de frutas, verduras e legumes da estação, ou para homenagear festividades, a exemplo das festas juninas. Em comum, todas levam ao prato o acesso a uma alimentação saudável que valoriza a diversidade da culinária brasileira. Sem falar de outro ingrediente essencial: boas conversas à mesa.
“Comedoria foi o nome escolhido para denominar todos os espaços de alimentação do Sesc São Paulo. De acordo com a estrutura e o cardápio oferecido, as comedorias são identificadas como cafeterias, cafés, lanchonetes ou restaurantes”, explica Marcia Drabek, assistente da Gerência de Alimentação e Segurança Alimentar do Sesc São Paulo. “Elas são mais do que lugares para comer. Nelas, tudo é planejado para que os ambientes sejam acolhedores, favorecendo o convívio e o encontro. Com cardápios elaborados a partir do tripé Saudável, Brasileiro e Contemporâneo, as Comedorias valorizam as relações entre alimentação e cultura”, completa.
12 restaurantes
45 cafeterias
15 cafés teatro
12 lanchonetes piscina/ginásio
Mais de 5 milhões de refeições servidas por ano
Aproximadamente 1.000 pessoas trabalham nas cozinhasdo Sesc em todo o estado
140 toneladas de frutas, verduras e legumes servidas por mês
18 mil kg de arroz e 8 mil kg de feijão servidos por mês
80 mil cafés servidos por mês
Mais de 4 mil kg de pão artesanal produzidos por mês em 11 unidades do Sesc São Paulo
125 mil sorvetes de iogurte por mês
45 mil fatias de bolo consumidas por mês
Tigelinha
A base de preparação desta receita é um purê de diferentes legumes que ganha camadas de sabor com os mais diversos recheios.
Sanduíches
De diferentes sabores, os sanduíches são preparados com o pão artesanal feito em 11 unidades do Sesc, a partir de receitas próprias.
Sopas
Elas já são uma tradição e estão presentes em quase todas as unidades.
Cuscuz
Típico da culinária brasileira, o cuscuz (a base é de farinha de milho) pode agregar legumes, palmito, frango desfiado, atum ou sardinha.
Bolos
Receitas que fazem o aproveitamento integral dos alimentos, que buscam misturas inusitadas – como o bolo de fubá com capim santo –, ou mesmo tradicionais, para despertar memórias afetivas.
Sagu
O sagu é subproduto da mandioca, um alimento versátil e fundamental na cultura alimentar brasileira. As pequenas esferas gelatinosas ganham sabor nas diferentes composições de ingredientes.
Creme de tapioca
O ingrediente principal da sobremesa é a farinha de tapioca granulada, extraída a partir da fécula da mandioca. Do coco à manga, permite variadas combinações.
Até 1980
A maioria dos restaurantes da cidade exibiam num quadro os tradicionais pratos servidos de segunda-feira a domingo
Depois de 1980
Surgem os primeiros restaurantes a quilo e as cadeias de fast food
Anos 2000
Programas de televisão, livros e redes sociais valorizam a comida preparada em casa, com ingredientes locais e receitas que misturam tradição e inovações
2019
A marmita volta a ser difundida para atender a diferentes públicos: alguns por restrições alimentares, outros pela facilidade e preço ao serem preparadas em casa. Também há o crescimento de opções de entrega
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