Diretora do Instituto Camões, Alexandra Pinho navega pelas semelhanças e pelo oceano de diversidade que fortalecem a conexão entre Brasil e Portugal
Por Maria Júlia Lledó
Leia a edição de junho/23 da Revista E na íntegra
Para além da revisão histórica que vem atualizando as relações entre o Brasil e outros países lusófonos com Portugal, pontes vêm sendo criadas por uma frutífera produção cultural. A língua portuguesa, em toda sua diversidade e plasticidade, é o oceano pelo qual navegamos. Conselheira cultural na Embaixada de Portugal no Brasil, Alexandra Pinho ocupa, desde 2018, a direção do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, em Brasília, onde atua na promoção do diálogo entre os países por meio de ações culturais.
Um trabalho realizado em conjunto com instituições públicas e privadas não só para a valorização e difusão da língua portuguesa, mas também para a produção de conhecimento e fomento cultural. “Eu olho para o Brasil e vejo um país vastíssimo, construído com muita diversidade, com várias identidades que se cruzam e, portanto, o primeiro grande desafio é procurar entender a melhor forma de cooperação nas diferentes áreas geográficas, e como podemos estar presentes sempre em parceria”, explica a diretora do Instituto Camões.
Neste Encontros, Alexandra Pinho, que é licenciada em línguas e literaturas modernas pela Universidade de Coimbra, e mestre em estudos alemães pela Universidade Nova de Lisboa, aborda o reconhecimento das diversidades culturais que abraçam a língua portuguesa, reflete sobre as conexões entre Brasil e Portugal e mira novos caminhos à vista.
O galardão mais importante das literaturas em língua portuguesa é um prêmio binacional, ou seja, é dado pelo Brasil e por Portugal de forma absolutamente paritária e, em 2019, como sabemos, Chico Buarque foi o escritor, cantor, compositor escolhido, mas não foi possível chegarmos à cerimônia de entrega do diploma [quatro anos depois, em 23 de abril de 2023, Chico Buarque recebeu o prêmio em cerimônia realizada em Lisboa]. Neste último 5 de maio, ocorreu a entrega do Prêmio Camões à querida Paulina Chiziane, galardoada de 2021. Trabalhei cinco anos como diretora do Camões em Maputo [capital de Moçambique, no leste do continente africano] e tive a oportunidade de conhecer Paulina, a primeira mulher moçambicana negra a receber este prêmio. Uma mulher que é um exemplo, sobretudo para as meninas em Moçambique, ao mostrá-las a possibilidade da emancipação. É muito importante que haja esse reconhecimento público daquilo que significa termos figuras nos diferentes países de língua portuguesa que nos representam, criam pontes e estão presentes em várias gerações. São pessoas que nos ajudam a compreender melhor o lugar onde estamos e a olhar também para o outro.
O Instituto Camões tem três pilares de atuação. Um na área da cooperação, que tem na Agência Brasileira de Cooperação (ABC) a sua congênere mais direta – e estamos a falar de cooperação para o desenvolvimento, em especial atenção para os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), mas também Timor Leste [único país lusófono do continente asiático], nas áreas, sobretudo, de educação, saúde e cultura. Temos uma segunda vertente de atuação na área da língua portuguesa, tanto no que diz respeito à difusão da língua em países que não falam português, quanto na formação de professores nos países de língua portuguesa em África e Timor Leste, bem como uma atuação muito especial no Brasil através da rede de Cátedras Camões. O terceiro pilar é a cultura, que é transversal aos outros dois pilares. Eu olho para o Brasil e vejo um país vastíssimo, construído com muita diversidade, com várias identidades que se cruzam e, portanto, o primeiro grande desafio é procurar entender a melhor forma de cooperação nas diferentes áreas geográficas, e como podemos estar presentes sempre em parceria, e da melhor forma, tanto em São Paulo quanto em Sergipe, em Belém e outras cidades. Assim, a atuação [do Instituto Camões] no Brasil está muito ligada à vertente da língua portuguesa enquanto língua que nos ajuda a compreender o mundo e a produzir conhecimento.
Eu vejo [as aproximações culturais entre Brasil e Portugal] como as ondas do mar: às vezes chegam mais perto, e às vezes afastam-se um pouquinho, mas o mais importante é sabermos que as ondas existem constantemente, que esse mar está lá e que é para ele que importa olhar, e não necessariamente para momentos específicos. Evidentemente que temos que estar atentos ao momento, e ele é fundamental, mas aquilo que para mim é um grande ensinamento ao longo destes anos no Brasil é que, de fato, há um fluxo permanente que não pode ser mensurável. A grande questão é não pensarmos que já vimos tudo. Isso eu acho que é fundamental para mim: perceber que conheço alguma coisa, mas tem muito para continuar a conhecer. Essa continuidade de troca, esse permanente olhar, é muito relevante.
Quando cheguei a Praga [capital da República Tcheca], onde também trabalhei, efetivamente tive a noção do que é estar num país estrangeiro, de uma língua que é uma barreira até conseguirmos nos comunicar, de uma base cultural bastante distinta. No Brasil, não é assim. Quando visitei Minas Gerais, a imagem mais forte é a chegada a Ouro Preto, que tanto se assemelha com a paisagem do norte de Portugal. É a mesma, mas é diferente. E eu acho que é essa tensão, essa aproximação e, ao mesmo tempo, essa diferença que é tão enriquecedora para nós. Acho que também por isso os brasileiros se sentem tão acolhidos ou querem ir a Portugal. Porque, de fato, não há esse estranhamento inicial, esse choque e barreira. Essa diferença vai se tornando clara à medida que dialogamos, que vemos, que conhecemos, que procuramos entender o lugar onde estamos.
Há agora uma questão muito importante, de olhar para a África, a África independente, os países independentes, os países que têm seu lugar, sua voz, seu destino nas mãos. Isso é um processo que está em curso em Portugal e que significa revisitar a nossa história. Nem sempre é um caminho de progresso, às vezes temos que parar, refletir, aprofundar e perceber o que é que estamos a fazer. Por exemplo, a importância do teatro na programação do Mirada [Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas, cuja sexta edição foi realizada pelo Sesc São Paulo, em setembro passado], ao trazer grupos como o Teatro do Vestido, que refletem de uma forma sistemática sobre a questão colonial, a herança colonial. É fundamental que seja apresentado em Portugal, e várias companhias têm feito esse trabalho para trazer alguma proximidade com este assunto, e que não seja apenas colocado na esfera política, mas também possa ser sentido. A arte, a cultura, nos ajudam a pensar e a sentir.
O Dia Mundial da Língua Portuguesa [5 de maio] foi consignado pela Unesco em 2019, em novembro, mas nós nunca conseguimos fazer uma celebração presencial. Até este ano, quando celebramos presencialmente esta língua que nos é comum. Uma língua pluricêntrica e de muitas nuances. Uma língua que também é muito plástica. Foi pensando na importância da música para a língua e aquilo que ela representa, que nós acreditamos que seria interessante trazer para a primeira celebração presencial não a literatura, mas sim, a música. Uma música que une periferias e que se apresenta como Meu bairro, Minha língua, ao trazer as periferias de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Lisboa, de Cabo Verde [em show realizado no Sesc Vila Mariana, no dia 6 de maio deste ano]. Portanto, nesse sentido, fazemos um primeiro encontro daquilo que também são movimentos musicais. Porque o show traz pessoas de várias proveniências, não só geográficas, mas também musicais. É quase como ter uma orquestra com vários timbres. Uma confluência, digamos assim, de várias proveniências. E a música nos traz para a esfera dos sentimentos e do entretenimento.
Por meio do acordo [ortográfico] de 1911, Portugal tinha como meta criar uma norma, porque cada um estava a escrever à sua maneira. Este acordo mais recente é um acordo um pouquinho diferente, mas basicamente é uma normativa. Lembro-me sempre de um escritor português do início do século 20 que foi muito arredio ao acordo ortográfico, porque não era um acordo transversal. Teixeira de Pascoaes [1877-1952], que era um escritor conservador, dizia: “Como o abismo se perde quando se perde o y”. Porque “abismo” escrevia-se com “y”, e há todo um desenho da palavra que ele também encontrava naquela grafia. Penso que o acordo seja um instrumento, mas ele é um de muitos. Ele por si só não nos traz soluções miraculosas, ele nos traz uma busca de alguma confluência. Mas eu acredito muito mais em trocas, num diálogo construído através de diferentes formas, seja na dança, na literatura, na música, mais do que numa norma ortográfica. Temos que ter consciência de que são os falantes que criam a língua, e que a língua é uma entidade viva, a mais viva de todas, porque se ela ficar presa no registro normativo, ela não evolui e vai deixar de nos dizer aquilo que vemos.
É importantíssimo que Brasil e Portugal se unam para que a língua portuguesa passe a ser uma língua de trabalho em organizações internacionais, como nas Nações Unidas. Essa é uma valorização que só acontecerá quando trabalharmos conjuntamente. Além disso, na África e, sobretudo, em Timor Leste, dedicarmos um olhar muito especial à área da educação. Pensar no futuro passa por conseguirmos não só fortalecer o contexto bilateral, mas também olharmos para o contexto multilateral, tanto no que tem a ver com as organizações internacionais, quanto naquilo que é a esfera específica da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa]. Fico muito feliz que o Brasil tenha entrado novamente no programa DocTV CPLP e voltado a participar ativamente, porque esse é um primeiro passo importante para desenvolvermos conteúdos audiovisuais em língua portuguesa e continuarmos a promover esse tipo de encontro, também, na área do cinema e do audiovisual.
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